Em busca de bons salários, melhores condições de trabalho e a valorização profissional, muitos brasileiros e brasileiras deixam a pátria amada todos os anos. Abu Dhabi, por exemplo, atrai não somente os profissionais do petróleo, como se poderia imaginar, mas uma verdadeira legião de professores de jiu-jitsu que desembarcam aqui todos os anos com a bagagem recheada de sonhos e expectativas de melhores condições de vida.
Recentemente, Abu Dhabi se tornou a capital mundial do jiu-jitsu. O esporte é um projeto oficial da Família Real, apoiado principalmente pelo Sheikh Tahnoon, que foi quem trouxe a modalidade para o país em 1998, com a criação do “Abu Dhabi Combat Club” (ADCC). Hoje o esporte é amplamente divulgado entre a população e faz parte do currículo das escolas daqui.
BPM: Você gosta de viver em Abu Dhabi?
Ju: Aprendi a gostar. No inicio foi difícil por causa da cultura local, dos costumes, mas agora lido com tudo com muita naturalidade. O que eu mais gosto é da paz de espírito que o lugar me proporciona. O que menos gosto é do calor.
BPM: E a vida profissional? Como é o mercado de trabalho?
Ju: Aqui nos Emirados existem vários “coaches” [treinadores] brasileiros. No Brasil não teríamos esse reconhecimento, mas aqui os árabes amam e valorizam o Jiu Jitsu. O Brazilian Jiu Jitsu, como é conhecido, é o melhor do mundo, mas infelizmente a realidade do Brasil deixa muito a desejar para nós.
BPM: Como sua profissão é vista aqui? O salário é melhor que no Brasil?
Ju: Muito mais valorizada. O salário que ganhamos aqui só ganharíamos no Brasil se tivéssemos umas 3 academias ou mais!
BPM: Você sente ou já sentiu algum preconceito por ser mulher na sua profissão no Brasil ou Abu Dhabi?
Ju: Aqui não, porque só damos aulas para mulheres. No Brasil também era professora de Muay Thai. Eu trabalhava em uma academia de alto nível e não era levada muito a sério. Os rapazes chegavam para uma aula experimental e ficavam fazendo gracinhas. Já teve gente que falou que não teria aula com uma mulher. Na época em que eu competia em Jiu Jitsu, corria muito atrás de patrocínio para os campeonatos. Quando conversava com alguns empresários, grande parte deles perguntava se realmente eu lutava ou se queria o dinheiro para viajar. Imagina eu ser do interior de Minas, numa cidade onde eu fui a primeira lutadora, e até então a única ativa. Já sofri muito preconceito, mas na medida que fui insistindo e fazendo o meu nome, a situação foi mudando.
BPM: Há alguma diferença no modo como trabalhava no Brasil e trabalha em Abu Dhabi?
Ju: Sim. Aqui as árabes têm muitas limitações que vão desde a biomecânica até a religiosa. No Brasil temos a cultura de uma aproximação corporal, ou seja, estamos acostumados a dar abraços, carinhos, brincar com nossos amigos ou pessoas mais íntimas. Quando falo que elas têm limitações biomecânicas, quero dizer que até a forma como elas andam é meio “mecanizada” por causa da abaya (vestimenta preta). Muitas posições técnicas do Jiu Jitsu têm que ser modificadas de uma certa forma, porque para elas o contato físico de certas posições só poderá ser feito com seus maridos. Temos que ter muita atenção para que elas se sintam confortáveis fazendo nosso esporte.
BPM: Existe alguma relação com profissionais da mesma área de outras nacionalidades? Como é?
Ju: Eu trabalho na Base Militar e lá tem muitas Fit Coaches (treinadoras) da Tunísia, Filipinas, Jordânia… Algumas falam bastante da cultura do seu país. Em geral, todas gostam do Brasil e ficam perguntando como é a nossa cultura. Muitas vezes ela se assustam de como levamos a vida, mas também nos assustamos com a cultura delas.
BPM: Como é o relacionamento com seus alunos?
Ju: Nas escolas, nas bases militares e nos clubes só é permitido que mulheres deem aula para mulheres e homens, para homens. Nosso contato é extremamente profissional.
BPM: Já pensou em mudar de país ou voltar para o Brasil?
Ju: Não vou ser hipócrita, vim pra cá por causa da possibilidade de trabalhar com o esporte que amo e pelo salário. Pretendo investir o que ganhar aqui no Brasil, para voltar pra lá um dia.
BPM: Você tem algum plano ou ideia de quanto tempo ficará nos Emirados?
Ju: Mais uns 3 ou 4 anos.
BPM: Você sente que será mais valorizada profissionalmente quando voltar para o Brasil?
Ju: A experiência que adquirir aqui será um diferencial, irá enriquecer muito o meu currículo. Não só por ter dado aula de Jiu Jitsu, mas por ter trabalhado em uma base militar e falar outra língua.
BPM: Você recomenda a outras pessoas da sua profissão que venham para Abu Dhabi?
Ju: Sim, todos podem tentar essa oportunidade. Mas seria bom que se preparassem antes. Eu tive 15 dias para desocupar a casa em que eu morava no Brasil, resolver minha situação profissional e pessoal, além de coisas burocráticas. Um planejamento com mais tempo talvez fosse essencial para isso, além de uma experiência maior com o inglês.
BPM: Gostaria de compartilhar mais alguma coisa conosco?
Ju: Iniciei o Jiu Jitsu em 1998. Fui a primeira lutadora da minha cidade, a primeira campeã mundial, a primeira faixa preta, entre outras coisas. Vim de uma cidade onde tive que lutar contra o preconceito e até divergências políticas. Graças a Deus, consegui títulos importantes como duas vezes Campeã Mundial; três, Campeã Panamericana, Campeã Sulamericana; três vezes Campeã Brasileira, Campeã do Argentina Open e cinco vezes Campeã Mineira. Meu último emprego no Brasil foi trabalhando em uma mineradora, acordava às 5h da manhã, retornava para casa às 19h, dava aula, treinava e fazia preparação. Dormia entre 5 e 4 horas por dia, somente. Mas todo o meu esforço valeu a pena. Fui criada nos costumes da roça e para minha família é um orgulho estar aqui.
O Brasil também tem orgulho de você, Juliana! Nossa imensa gratidão às brasileiras como você e a todas as meninas do jiu-jitsu, que mostram o nosso esporte ao mundo de uma maneira tão profissional e bonita.
3 Comments
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como faço para dar aula em abu dhabi
Olá, Rayanne.
Você deve procurar uma empresa que recrute professores. No momento, não consigo te indicar nenhuma.
Boa sorte!