Se existe um país que eu imaginaria ser rígido com crianças, este lugar era a Alemanha, afinal, a disciplina e a seriedade dos alemães é conhecida no mundo inteiro. Mas será que estes estereótipos são verdadeiros, sobretudo no tocante à criação de filhos? E se não forem, serão os alemães completamente free-style?
Lembro-me até hoje da primeira vez que fui a um supermercado na Alemanha, poucos dias antes de ter chegado a Berlim. Na entrada, deparei-me com uma menininha de provavelmente pouco menos de um ano de idade, brincando no chão. Chocada, pensei: “Nossa! Onde estão os pais dessa criança?”, tamanho era o meu espanto ao ver um bebê assim, engatinhando solto pelo chão, algo que não se vê todos os dias no Brasil.
O tempo foi passando e vi cenas como esta se repetirem por todo o lado: crianças aventuravam-se pelo parquinho enquanto os pais batiam papo num dos bancos próximos e até iam sozinhas para a escola, a pé ou mesmo por meio de transporte público.
Como disse, minha primeira reação foi o choque. Aos poucos, no entanto, pude perceber que cenas como esta eram não somente comuns, como também saudáveis: não se tratava de negligência e sim, de confiança. Por aqui, dar mais liberdade às crianças não significa deixá-las de lado: ao contrário, significa encorajá-las a explorar, compreender e conhecer o mundo, sem temê-lo. De certa forma este posicionamento as prepara para o futuro e confere uma independência que – confessemos – será bastante útil mais tarde.
Por outro lado, é claro que as crianças não correm soltas, e ainda existem muitas regras a serem seguidas. Então, o que significa ser mãe em Berlim? Seguem alguns exemplos comuns:
1. Independência acima de tudo
Em vez de controlar cada segundo das atividades de seus filhos, o consenso é deixá-los mais livres. É comum que os pais deixem os filhos brincarem sozinhos pelo playground enquanto conversam com outros pais ou leem num banco próximo, de onde podem observar sem interferir na brincadeira e, sobretudo, no relacionamento das crianças umas com as outras.
Esta liberdade estende-se à fase escolar: a grande maioria das crianças vai sozinha à escola, que geralmente é próxima de casa. Quando uma criança chega à fase escolar, os pais recebem uma carta informando quais são as escolas mais próximas onde seus filhos poderão ser matriculados e pelas quais podem decidir.
Normalmente, elas percorrem sozinhas o caminho para a escola e para casa após a terceira série (9 anos), mas não existe regra, dependendo da autoconfiança de cada estudante.
Explicação:
Contra fatos não há argumentos, diz o ditado. É claro que pais alemães preocupam-se com segurança, mas, uma vez que sequestros e desaparecimentos infantis são extremamente raros por aqui, o foco maior é a segurança no trânsito. E está mais do que provado que, em termos de independência e autoconfiança, quanto mais cedo aprendermos, melhor.
2. Não existe tempo ruim
Faça sol, faça chuva ou haja neve, lá estão as crianças brincando. Existe um ditado alemão que diz: não existe tempo ruim, só existe roupa inadequada. Logo, por incrível que pareça, você encontrará crianças de todas as idades e por toda a parte, mesmo em dias de tempo ruim.
Explicação:
Alemães levam o tempo livre muito a sério, o que significa que este deve ser apreciado e desfrutado da melhor maneira possível, sempre, qualquer que seja o clima. E se pensarmos bem, vestir uma criança com roupas adequadas ao tempo e levá-las para passear num dia de chuva é bem mais saudável do que deixá-las dentro de casa.
3. Viagens sem os pais, já no jardim de infância
É bem comum que a primeira viagem sem os pais ocorra já no jardim de infância (ou Kindergarten, em alemão). Geralmente estas viagens são organizadas pela escolinha para crianças a partir dos 4 anos. Os pais são, naturalmente, notificados com antecedência e podem decidir, juntamente com os educadores, se seus filhos estão prontos para viajar sozinhos. Caso decida-se que sim, a viagem normalmente dura um final de semana, para uma localidade próxima.
Além das viagens, alguns jardins de infância organizam eventos onde as crianças são convidadas a dormir no Kindergarten. Isso geralmente ocorre no verão e uma grande festa, que inclui grelhar salsichões na fogueira e/ou dar uma volta com lanternas pelo bairro antes de dormir é organizada somente para a criançada.
Explicação:
Não há obrigatoriedade para as viagens ou viradas na pré-escola. A decisão é tomada pelos pais que previamente são notificados pelos educadores sobre a possibilidade de seus filhos passarem a noite na escolinha ou viajarem. Esta decisão é tomada individualmente, observando-se a independência e a capacidade de cada criança de passar a noite sem os pais. Para a maior parte delas é uma oportunidade a mais de brincar e fazer festa, já que nestas ocasiões dormem mais tarde do que o normal.
É claro que crianças alemãs ainda têm muias regras a seguir: normalmente vão para cama às 7 da noite, não veem televisão com tanta frequência, não comem doces todos os dias. No entanto, há um consenso geral de que crianças não são tão frágeis quanto se imagina, nem incapazes de serem independentes.
Como diz o ditado alemão, “Kinder müssen Kinder sein dürfen” (crianças devem poder ser crianças), o que significa dar a elas a liberdade, a confiança e a segurança para tal.