Fernando Pessoa tem um poema em que diz que todas as cartas de amor são ridículas e que não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.
Planejei intitular esse post de “chegar e partir são só dois lados da mesma viagem”, trecho de música de Milton Nascimento, eternizada por Elis. Essa é uma letra que me acompanha há mais de dez anos, desde que comecei essa jornada grata/ingrata de ser expatriada.
Adoro Milton, amo Elis e essa canção diz muito para mim, mas assim como as cartas de amor são ridículas, as cartas de despedidas talvez também o sejam.
Quem me conhece sabe que não sou uma apreciadora de música sertaneja, mas hoje quando um dos meninos do projeto no qual trabalho perguntou chocado se eu também partiria (meu marido foi na frente), finalmente a minha ficha caiu! Estou indo embora de vez!
Acho que até então não tinha me atinado para a profundidade do que está por acontecer na minha vida e então me dei conta de que dessa vez, vai ser muito mais difícil do que todas as outras. Então, decidi que escrever seria uma forma de me ajudar a internalizar os fatos.
Planejei muitas coisas para esse post, mas o coração falou mais alto e ele cantou: “Não aprendi a dizer adeus”. Até parecia, que com tantos anos nessa vida expatriada, em algum momento a gente iria se acostumar. Só que não.
Minha mãe me disse sobre o meu trabalho: Não sei como você vai sobreviver sem esses meninos, e quer saber? Eu também não.
Na postagem intitulada ” A volta tinha um motivo”, expliquei que não queria voltar para o Brasil em 2013. Não conseguia enxergar um plano para mim. Conseguia imaginar um mundo de coisas bacanas que meu marido poderia fazer para melhorar a vida das pessoas daqui, mas já não conseguia enxergar de que maneira EU poderia ser útil para o meu país, naquele contexto da minha volta. Mas melhor do que viver o que se espera da vida, é encarar as surpresas com as quais ela nos presenteia. E não é que a vida também tinha algo muito especial reservado para mim?
Vai ser difícil dizer adeus à família e será igualmente duro despedir-me de meus amigos, mas preciso admitir sem medo de ser piegas, que nada será mais difícil do que dizer adeus para os jovens que conheci através da Força Tarefa Jovens Lideranças – Zero Discriminação, projeto que surgiu no coração de algumas pessoas muito especiais que levarei para toda a vida e que tocou o coração de muitas outras pessoas que fomos cruzando pelo caminho.
Aprendi muito mais do que poderia imaginar, fui tocada por suas histórias em uma medida que não se poderia mensurar. Alguns deles podem julgar que o trabalho que desenvolvi pode ter sido bom e produtivo, mas nada que se compare ao bem que cada um deles fez para mim.
Estar entre eles foi libertador para mim. Foi curativo e revolucionário. A cada atividade, a cada desafio e mesmo a cada embate interno, fui compreendendo a que parte do mundo eu pertenço e a quem se destina minha causa, minha fé e meu amor.
Estou escrevendo essa despedida com lágrimas, porque embora eu ame a Ásia e voltar para Jakarta seja uma alegria (fui muito feliz por lá), me apartar desse trabalho e dessas pessoas vai gerar um vazio impossível de ser preenchido.
Foi um período de muito trabalho, de intensa dedicação a esse projeto e parto com a tranquilidade de que cumpri parte do meu dever com a vida. Tenho orgulho e paz de espírito de que fiz tudo “sobre eles com eles”, e nessa dialética nossas vidas foram se fortalecendo mutuamente.
Michel Sidibé, diretor global do Programa das Nações Unidas para a AIDS, que é um dos meus mestres e chefe, foi muito feliz quando disse: “Nós estamos quebrando os laços de estigma, discriminação, preconceito e exclusão um a um. Temos de trabalhar para garantir que ninguém seja deixado para trás por serem quem são ou por causa de quem eles amam.”
Gratidão eterna a meu companheiro, Fabio Mesquita, que ao voltar ao país, me trouxe sem saber para o lugar certo e a hora exata de algo que a vida deve ter me reservado há muitas eras. Gratidão a Georgiana Braga, que investiu em mim, nesse projeto e em cada jovem que veio a nós.
Tenho orgulho de saber que ajudei a empoderar pessoas valiosas, jovens líderes comprometidos com as boas causas, gente que por vezes encara o menosprezo da sociedade e a solidão de quem julga as aparências e não tem a sorte de ver a luz que cada um deles possui. Que vai ter travesti, gay, pessoas que usam drogas, pessoas vivendo com HIV, feministas, anarquistas, fadas, unicórnios, evangélicos ou seguidores de religiões de matriz africana se amando e unidos para fazer história nesse país, porque a revolução não será televisionada, mas ela está acontecendo a cada dia, a cada minuto, e eles são parte dela.
Nosso lema é “nada sobre nós sem nós”. Porque somos atores, autores e protagonistas da nossa história.
E como ela é bonita!
Gratidão, vida! Porque se parto com a alma quebrantada de saudade, é porque tive uma experiência inesquecível ao lado de gente que jamais deixarei de amar. Se levo saudades, é porque deixei muito amor!
“E quando passarem a limpo, e quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos, façam a festa por mim
E quando lavarem a mágoa, quando lavarem a alma
quando lavarem a água, lavem os olhos por mim
E quando brotarem as flores, e quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos, digam o gosto pra mim” (Ivan Lins)
Consideramos e sempre consideraremos justa, toda forma de amor
4 Comments
Nossaaaa!!!! O que falar depois de um texto como esse! Fabi, diva maravilhosa, como aprendi e continuo aprendendo com você, dia após dia, sou imensamente grata por ter me incluído nesse grupo tão rico, sua capacidade de amar e distribuir amor é surpreendente, talvez por isso não tenha noção que deixou muito mais que amor, deixou sua essência, sua alma, com cada um de nós. Te AMO!
Ah minha linda! Muito obrigada por tua parceria nessa caminhada! bjs mil!!
Que delícia ler essas palavras. Me sinto muito agraciada em poder conhecer uma pessoa tão doce e forte, tão mãe sem deixar de ser filha e amiga de todxs nós. Muito lindo nos reconhecer nessas palavras! Espero que a vida nos permita novos encontros! Vc foi e é um presente nas nossas vidas. Sigamos na luta até que sejamos ouvidos. A plataforma dessa estação é a vida e lutamos pra que seja com muito amor e representatividade. Nada de nós sobre nós! <3
Ah! sua querida!! Muito obrigada por tuas doces palavras! Você é muito especial!