Não me lembro exatamente como nem onde, mas já faz algum tempo que descobri e acompanho o BPM, fascinada com todas as histórias e relatos que passam por aqui através de diversas brasileiras que estão por aí, mundo afora.
Sempre tive um pezinho fora do Brasil e uma ambição imensa de rodar o mundo, conhecer novos lugares, culturas, costumes e hábitos, aprender outros idiomas e desfrutar de tudo que oportunidades assim podem nos oferecer. Diz que isso tem um nome: Wanderlust!
Tive a experiência de morar fora, de fazer algumas viagens internacionais e a chance, ainda no ensino médio e depois na faculdade, de participar de simulações de organizações internacionais em que eu representava um país em um debate sobre um assunto específico. Isso fazia com que eu tivesse que estudar e me preparar para representar bem a posição daquele país. Então, nessa atividade eu me dedicava a pesquisar sobre diversos aspectos do país que representaria e isso era um aprendizado enorme.
Depois, decidi que faria Relações Internacionais. Durante alguns períodos no curso, passei por crises existenciais e pensava em desistir, até o momento em que eu conheci a antropologia e me apaixonei. Percebi ali uma chance que eu tinha de continuar fazendo RI, com um foco em antropologia, que era a matéria que eu mais havia me identificado até então.
Deu tão certo, que fiz uma iniciação científica e minha monografia voltadas pra disciplina e, depois de tanto pensar em ideias para projetos de pesquisa, eu resolvi que iria estudar os impactos da imigração de indianos para a cidade canadense em que eu havia morado no ensino médio.
Naquela atividade de pesquisa acadêmica eu me encontrei e agora estou fazendo o mestrado em Ciências Sociais. Adivinhem meu tema de pesquisa? Migração internacional! Mas dessa vez, estou estudando sobre os migrantes internacionais retornados, ou seja, os brasileiros que voltam para o Brasil. É nesse sentido que vou buscar fazer minhas contribuições para o BPM, falando sobre a experiência do retorno e as suas implicações.
Voltando pra casa: o retorno no projeto migratório
Emigrar, sair do Brasil rumo a um novo país, a uma nova cultura e modo de vida, é certamente um processo desafiador, cheio de dúvidas e incertezas pra aqueles que fazem essa opção. Por outro lado, representa também uma possibilidade de realização de sonhos, desejos e projetos pessoais e profissionais.
À medida que o tempo passa, uma nova rotina é estabelecida no país de destino e a adaptação e integração são processos que geralmente ocorrem de forma gradativa, por vezes marcados por dificuldades e conflitos, como o choque cultural, o que é natural, já que estamos em outro país, com costumes e hábitos diferentes daqueles que estamos acostumados a vivenciar no nosso cotidiano no Brasil.
Mas e quando chega o momento de voltar para o Brasil? Para alguns, a migração é um projeto de uma vida inteira. Para outros, é algo temporário. E mesmo pra aqueles que a veem como um projeto de vida, é totalmente possível que os planos sejam revistos no meio do caminho e que o retorno se torne uma possibilidade a ser considerada, por diversas razões.
Uma breve contextualização
O debate sobre migrações internacionais no Brasil se mescla com a própria história do país, já que tivemos no passado uma política de colonização, povoamento e também de imigração em massa, principalmente de europeus e japoneses.
No século XIX, por exemplo, a política migratória no Brasil era caracterizada por critérios de agenciamento, que visavam trazer para o país o “imigrante ideal”, aquele que seria apto ao trabalho agrícola. O Brasil, por muito tempo, passou a ser considerado como um país de imigração, já que recebia fluxos migratórios internacionais consideráveis.
Por outro lado, já no século XX, especificamente na década de 1980, esse fenômeno se inverte, com um número crescente de brasileiros emigrando para países desenvolvidos, em decorrência da crise brasileira que levou a economia do país à estagnação, com paralisação de investimentos e altas taxas de desemprego. O Brasil torna-se então um país de emigração. Apesar da divergência dos dados dependendo da fonte analisada e consequentemente da metodologia utilizada e de seus limites (IBGE, Itamaraty, Polícia Federal, Organização Internacional para as Migrações), estima-se que o número de brasileiros residentes no exterior esteja entre 500 mil a 3,7 milhões de pessoas.
Vale destacar aqui o que considero como migrante. Existem inúmeras definições, algumas convergentes e outras nem tanto, mas em geral, estudiosos do tema e organizações internacionais, como a ONU e a OIM, definem como migrante o indivíduo que reside em um país estrangeiro por mais de um ano independente das causas, voluntária ou involuntariamente, e dos meios usados para migrar, regulares ou irregulares. Aproveito e deixo aqui uma provocação que sempre me encuca: vocês mulheres que residem em outros países se consideram o quê e por qual razão?
A migração internacional de retorno ao Brasil
Bom, voltando ao nosso foco, através do Censo IBGE de 2010, foi identificado um aumento substancial de imigrantes que se estabeleceram no Brasil entre 2005 e 2010 (269.295), se comparado a 2000 e 2005 (143.644). O mais interessante ainda é que mais da metade desses imigrantes, 65,5% pra ser mais exata, eram brasileiros. O que? Como assim? Explico: são os migrantes internacionais de retorno, ou seja, brasileiros que eram imigrantes no exterior e que voltaram para o Brasil, não para passear ou pra visitar a família, mas voltaram mesmo. Essa constatação foi feita a partir da seguinte pergunta:
Em que unidade da federação (estado) e município ou país estrangeiro morava em 31 de julho de 2005? Ou seja, aqueles que responderam que estavam morando em outro país cinco anos antes da data de referência do Censo 2010 eram os migrantes retornados, simples assim!
Esse movimento de retorno se deu, sobretudo, ao contexto econômico internacional e nacional da época, em que os países desenvolvidos passavam por uma crise econômica sem precedentes que se deflagrou em 2008 e o Brasil apresentava certa estabilidade, que favoreceu o seu desenvolvimento. Combinados, esses fatores desencadearam transformações nos fluxos populacionais entre os países. Por outro lado, pesquisadores do assunto também defendem que não é apenas o fator econômico que tem todo esse poder de determinar ou não o retorno, mas também está envolvida no processo decisório a dimensão emocional, afetiva e familiar.
Portanto, o retorno é um fenômeno social complexo, “uma nova migração para um local ainda mais desconhecido”, principalmente quando o retornado morou muito tempo no exterior. Pode ser que os laços e relações sociais já não sejam mais os mesmos; o local pra onde ele volta, apesar de familiar, torna-se estranho e ainda tem todo o processo de se readaptar e se reintegrar em sua própria sociedade. É a chamada Síndrome do Retorno. Especialistas dizem que a cada ano morado no exterior, leva-se um período de seis meses para essa readaptação.
Neste sentido, alguns órgãos do governo brasileiro, como o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério do Trabalho e Previdência Social, e também organizações internacionais, como a Organização Internacional para as Migrações, contam com iniciativas que buscam auxiliar o migrante neste processo e esse será o assunto do próximo post!
Alguém aqui já passou por essa experiência? Como foi?
Até a próxima!
Fontes:
Características da População e dos Domicílios. Resultados do Universo. Censo IBGE 2010
Colonização, Imigração e a Questão Racial no Brasil
Síndrome do retorno afeta migrantes na volta à terra natal
Censo IBGE estima brasileiros no exterior em cerca de 500 mil
Um panorama da migração internacional a partir do Censo Demográfico de 2010
8 Comments
adorei seu texto. Sou uma das emigrantes que retornaram ao Brasil depois de 30 anos morando na Inglaterra. Ja se passaram cinco anos envolvendo varios periodos fora do Bradil a passeio, e nao me acostumo. Nao vejo a hora de sair de novo. Nao fosse minha mae idosa, ja tetia ido ontem…..Socorro. Muito mais dificil me adaptar de volta ao pais em que nasci, do que foi emigrar para a Inglaterra.
Oi Vera! Muito obrigada pelo comentário. Fico feliz que tenha gostado do texto. Quando falamos sobre migração internacional, a principal ideia que nos vem a mente é a de sair do nosso país e os desafios deste processo. Mas pouco se fala sobre o retorno, que é tão difícil quanto sair, ainda mais no seu caso, depois de 30 anos morando no exterior. É toda uma vida, né?!
Desejo-lhe tudo de bom, seja aqui no Brasil ou na Inglaterra, caso você emigre novamente no futuro. Um abraço!
Bom eu moro a 20 anos na espanha vou muito al Brasil pelo menos 1 vez al ano e amo morar na espanha nao penso voltar a viver no Brasil mais mesmo yendo doble nacionalidade meu coraçāo e mais que brasileiro e amo meu Brasil en sino o portqueis a minha filha que nasceu na espanha so que pensó que pro Brasil pra morar acho que será dificel nao está em meus planos até porque minha mae vive aquí tambem por 10 anos e com a crise ela voltou pro Brasil a 4 anos atraz e sempre mi diz que aquí ela vivía muito melhor em tudo e tambem tenho amigas que voltaron a morar no Brasil e quase todas ja retornaron a viver denovo na europa por isso pensó que quen ja ta acostumada por aquí é complicado más ja claro sempre tem exerçāo, assim é o que sinto e pensó minha simples opiniăo
Olá, Patricia! Interessante o seu comentário. O que vemos nas pesquisas e o que é dito pelos próprios imigrantes é isso mesmo, essa sensação de pertencer a dois lugares, dois mundos diferentes e os conflitos decorrentes disso.
Quando estamos morando fora, tendemos a pensar de uma forma romântica sobre como era a vida no Brasil, e quando voltamos pro Brasil, pensamos da mesma forma em relação à vida no exterior, com certa nostalgia e um sentimento de deslocamento.
A migração de retorno pro Brasil teve um auge justamente nesse período da crise internacional, 2011,2012… por aí, foi provavelmente quando a sua mãe voltou ao Brasil. E por essa razão, o tema passou a chamar a atenção de nós pesquisadores.
Um abraço e obrigada pelo seu comentário,
Isabela
Eu gostaria muito de morar no exterior, mas se tiver oportunidades melhores no Brasil, por que não ficar?
Devemos ser menos preconceituosos com o nosso país e aprender a aproveitar melhor as coisas boas que temos aqui.
Oi Ramon! Obrigada pelo comentário. Eu penso que cada pessoa almeja coisas diferentes e dependendo disso decidem sair do Brasil para conquistarem seus objetivos, sejam pessoais ou profissionais.
É claro que aqui também temos oportunidades e muitas coisas boas (sem dúvidas), mas nem sempre estas são compatíveis com aquilo que estamos buscando pras nossas vidas. Reiterando que isso varia de pessoa pra pessoa, é claro.
Não acho que podemos reduzir a decisão de morar fora por uma questão de preconceito com o nosso país.
Um abraço!
Gostaria muito de ter lido seu texto antes, mas nunca é tarde e aqui estou, prestes a passar pelo processo de retornar ao Brasil. Confesso: estou mais temerosa de voltar, do que estive há oito anos, quando fiz a opção se sair. Sei que os lugares serão (quase) os mesmos, mas todos mudamos: eu e as pessoas que lá permaneceram. O espaço que eu ocupava, profissional, social e emocional, não existe mais. Será um “ano novo, vida nova” na casa velha… Na bagagem? Muitas histórias maravilhosas, muitos momentos ricos de aprendizado e uma esperança enorme de conseguir resgatar a sensação de conforto de morar no país de origem. Um desejo? Conseguir morar lá de corpo e alma, sem deixar a vontade de estar em outro lugar (do)minar minhas experiências e interferir em novos aprendizados. Sucesso com o seu trabalho. Grande abraço!
Oi Regina!! Obrigada pelo comentário. Digo o mesmo em relação ao seu texto sobre a preparação para retornar. Achei belíssimo e retrata muito bem todo o conflito e incerteza vivenciados nesse momento.
Muito interessante isso que você diz, sobre o espaço que você ocupava antes de emigrar. Os autores que abordam a temática sempre reiteram isso e é algo recorrente nos relatos sobre o retorno: se volta para o mesmo espaço físico, mas o espaço social será completamente novo, por mais que seja o país natal.
Obrigada e também desejo-lhe sucesso nessa nova etapa da sua vida! abraços!