Neste 1 ano e 6 meses morando fora do Brasil, descobri que o brasileiro é um cliente exigente. E, mais que isso, que a qualidade dos nossos serviços é bem superior ao que julgamos enquanto estamos lá, usufruindo das maravilhas do jargão “o cliente tem sempre razão”.
Em Buenos Aires é diferente. Entre as diversas experiências vividas em um ano que acabo de completar aqui, cito algumas para ilustrar esse controverso jeito porteño de servir:
- Comprando vinho pela web: depois de algumas compras bem sucedidas em um site, direcionado principalmente àqueles que compram vinhos em caixa, recebi um vinho diferente do que pedi. O erro foi detectado somente depois, ao momento de abrir uma das garrafas, já que realmente eram muito parecidas. Sem problemas até aí, certo? Absolutamente normal…! No dia útil seguinte, me comuniquei com a loja para pedir a troca do produto. Sem nenhum pedido de desculpas, disseram que na outra semana verificariam quando seria possível realiza-la. Pedi para a mesma semana, uma vez que já tinha planos para aquele vinho, que o erro foi deles e que esperava melhor atenção para corrigi-lo. Recebi a nada delicada resposta de que na próxima vez seria melhor que eu comprasse em outro lugar!
- Na maioria dos “verdureiros” (pequenas lojas para venda de hortifrúti granjeiro) não é permitido tocar ou escolher o que se vai comprar. É o verdureiro quem escolhe para você. Alguns te permitem pedir mais maduro, menor ou mais firme, mas certa vez fui xingada e até mandada embora porque perguntei se poderiam me vender os morangos mais ou menos do mesmo tamanho (era para fazer uns bombons). Provar a melancia ou abacaxi como é comum em terras brasileiras? Nem pensar!
- Solicitando assistência técnica da TV a cabo: agendei visitas e deixaram de aparecer 7 (sete) vezes, a maioria dizendo que haviam tocado o interfone e não havia ninguém (mesmo eu tendo ficado plantada esperando). Finalmente um técnico resolveu ir na 8ª tentativa, quase dois meses depois, e acabou me confessando que nenhum técnico estava querendo vir me atender porque o edifício é muito alto e estavam com medo de subir até o topo para descer o cabo (!).
- A cada vez que ligo para representante pedindo velas para o filtro, recebo a mesma resposta “quando for a Capital eu levo” – assim, sem previsão, sem dia, sem horário..
- Salvo estabelecimentos direcionados a turistas, é mais comum que você tenha que procurar um vendedor e “implorar” para que ele te atenda que alguém vir oferecer ajuda ou se dispor para o que você precisar. Não é raro esperar para ser atendida até que terminem uma conversa cotidiana com o companheiro de trabalho ou o mate que tomam.
- Nos restaurantes em geral o atendimento é bem cru, pouco cortês. O que se serve é o que está no cardápio e da forma que aí está apresentado. O brasileiro tem a mania de pedir para trocar tudo, o acompanhamento de um prato com o outro, para diminuir uma guarnição e aumentar na outra – o que não costuma ser bem visto ou atendido por aqui.
- Muitas empresas não fazem entrega em dia de chuva. Visitas técnicas de TV, internet e telefone tampouco funcionam em dias chuvosos. Caiu uma gota? Já era! O mesmo vale para feiras de rua que, ao invés de prepararem-se para receber clientes e turistas, preferem não funcionar.
- Depois de esperar dois meses para a troca de um vidro quebrado da varanda, pressionei o vidraceiro pedindo uma data para a conclusão do serviço. Ele disse que seria melhor que eu procurasse outro profissional porque ele tinha muito trabalho e não estava à disposição 24h por dia (?).
Ao contrário do Brasil, ameaças de levar ao Procon não agilizam a resolução do problema. Na maioria das vezes, as mãos ficam atadas pela falta de conhecimento do que mais pode ser feito, além de esperar – indeterminadamente. Além disso, tudo se complica um pouco mais por estar em um país novo, sem muito apoio, e ainda em adaptação às novas regras e códigos de conduta do lugar.
Saímos do nosso país acostumados a exigir, a sermos recompensados quando algo não ocorre bem na prestação do serviço, às empresas de telefonia bonificando para portabilidade e a sempre citar o Código de Defesa do Consumidor, mas muitas vezes exagerando na exigência do que nos compete.
O que percebo em Buenos Aires é que, se por um lado o serviço não é muito cortês, por outro a sinceridade direta e seca às vezes é para o seu próprio bem. Salvo raras exceções, sinto que há menos tentativas de te passarem a perna ou aproveitarem de você (não incluímos aqui os taxistas, o que são um tema à parte). Em uma banca de flores já me recusaram vender um lírio porque ele estaria feio dentro de dois dias; em uma casa de ferramentas não me venderam uma dobradiça porque disseram que não iria servir para o que eu precisava.
A aparente falta de comprometimento com o cliente na verdade revela um estilo mais light do serviço, com mais equilíbrio na relação consumidor x prestador de serviço – e não tão desleal como no Brasil, onde o cliente tem um peso bem maior.
Como em tudo na vida, existem dois lados e, com o tempo, aprende-se a relevar os incômodos e a valorizar o que há de positivo (ainda que até hoje tenho vontade de abraçar garçons quando vou ao Brasil ou ao México)!
4 Comments
Procurando sobre quais documentos preciso tirar para ser contratada aqui em Baires me deparei com o seu post. Sensacional. É exatamente isso! Assim como na europa (morei em Paris 1 ano) os portenhos (não sei se são todos os argentinos) eles não gostam de servir. No Brasil qdo entramos numa loja buscando uma calça preta e não tem, os vendedores te oferecem um milhão de outras opções (vestido preto, calças de outras cores, saia preta etc) aqui é simplesmente: não. Não tem. Haha!
Surreal! Mas melhor pra nós brasileiros que estamos aqui e trabalhamos com prestação de serviços- a possibilidade de ganharmos mais dinheiro é maior!!! ?
Ei, Cynthia! Você tem toda a razão: os brasileiros aqui saem na frente, oferecendo um atendimento diferenciado! Felicidades na sua nova etapa aqui em Buenos Aires! 😉
Muitas coisas concordo. Nao é questao de ser melhor ou pior, é questao cultural, nos somos os estrangeiros e nos de livre e espontanea vontade decidimos vir para Argentina. Logo, adaptemonos.
So uma dica. Seria mais legal voce citar e deixar bem claro nos seus textos que “ESSAS FORAM AS EXPERIENCIAS E SENSAÇOES QUE EU TIVE”
Me explico: a forma como cita os problemas vividos passa uma imprensao na maioria das vezes que aqui tudo e todos sao assim, que essas coisas sao comuns. E sabemos que nao é verdade. Vivo aqui faz mais de 3 anos e entre varios bairros que vivi, tive experiencias opostas as suas, como poder escolher eu mesmo minhas frutas e legumes nas verdulerias. Em ter minha linha telefonica da fibertel com internet instalada em 1 semana, quando me mudei, troquei pra Arnet e levou 5 dias. A ter atendimento excepcional e cordial em um par de restaurantes e etc.
Nossas experiencias sao apenas nossas experiencias. Elas podem ou nao refletir a realidade ou uma parte da realidade de onde vivimos.
Ah, excelente texto e continuarei seguindo suas publicaçoes. Besos
Olá, Leonardo! Primeiramente gostaria de agradecer pelo comentário, fico feliz que tenha gostado e que irá continuar seguindo! 🙂
Sobre a sua dica, a página Brasileiras Pelo Mundo é feita, justamente, de relatos pessoais! Se você for na descrição da página, verá que todos os textos são baseados nas experiências de cada colaboradora, emitindo uma opinião pessoal. É tanto que meu texto foi escrito em primeira pessoa e os exemplos dados foram apresentados como situações pelas quais eu passei 😉
Fico muito feliz por você ter encontrado serviços tão bons por aqui! Infelizmente, a queixa da maioria que vem morar ou visitar a terrinha porteña (e também de muitos argentinos!) é de que o serviço em Capital Federal deixa muito a desejar. Tomara que exemplos como o seu sigam se multiplicando! É realmente uma pena que essa cidade tão linda peque tanto na qualidade do serviço e atendimento… Enfim, como você mesmo disse, tudo é experiência pessoal, cada um tem uma vivência diferente!
Espero que tenha ficado claro que a página é feita de relatos de experiências… aqui não buscamos definir uma verdade, mas sim deixar à disposição dos leitores o que vivemos, para que cada um, em sua busca, experimentos e convivência chegue em sua própria versão 😉
Um grande abraço! Espero continuar vendo você por aqui!