Seguindo o texto anterior, onde falei sobre aspectos gerais, neste me aprofundo um pouco mais em algumas particularidades e curiosidades culturais diferentes do país, como o casamento e os costumes tribais no Quênia, que ainda permanecem vivos na sociedade.
O Quênia, como já havia explicado anteriormente, tem a presença das tribos em que é dividido muito marcante em seu dia a dia. Diferentemente do Brasil, onde as raízes tribais são praticamente inexistentes ou ignoradas pela maioria de nós, isso aqui é algo que, além de presente, deve ser respeitado. Entre as tribos mais famosas estão os Kikuyus e os Maasai. Em algum outro texto trarei informações sobre essas comunidades, mas hoje falarei sobre o casamento e suas formas.
O casamento no Quênia é um ritual que envolve muita tradição. Cada parte do país tem costumes diferentes e, dentre eles, estão circuncisões, tatuagens e piercings para marcar a entrada na vida matrimonial. Uma tradição que me impressionou é um costume que eu particularmente acreditava estar em decréscimo no mundo, que é o dote. O dote trata-se de um valor que o noivo paga aos pais da noiva, que pode ser em dinheiro ou em vacas, porcos e galinhas, para que a família aceite o casamento e os noivos obtenham a bênção da família. Vale ressaltar que o núcleo familiar de um queniano é composto de primos, avós, irmãos, pais, primos de segundo grau e todos participam das celebrações e bênçãos, logo, todas essas pessoas, de alguma forma, devem aprovar a nova união.
Quando um casal decide se casar, em algum momento antes da cerimônia de casamento é feita uma festa para celebrar o pagamento do dote. Essas festas, mesmo que a pessoa more na área urbana, são realizadas na área rural de onde as famílias dos noivos são provenientes. Confesso que fiquei meio aturdida com essa obrigatoriedade, mas pesquisando melhor entendi que o dote, segundo alguns, é uma maneira de o noivo provar à família da noiva que é capaz de prover a nova família que se forma. Segundo outras pessoas, no entanto, o pagamento do dote estimula o comércio de noivas e faz com que o noivo tenha menos respeito à esposa por acreditar que a”comprou”. Opiniões à parte, isso é algo muito arraigado à cultura e mesmo quando uma noiva queniana casa-se com um estrangeiro, é de bom tom e esperado que este pagamento seja feito à família dela.
Outra coisa que me surpreendeu muito foi saber que, de acordo com o costume de algumas tribos, em caso de falecimento do cônjuge é a família do marido que tem direito ao espólio deixado por ele, mesmo que isto signifique apenas uma casa e alguns animais, ou seja: a viúva ficará desabrigada com as crianças.
Mesmo se a viúva tiver construído e trabalhado junto ao marido para a construção de um patrimônio, isso não será levado em conta em caso de viuvez. Não é incomum encontrar mulheres sozinhas criando seus filhos nas favelas de Nairobi, com histórias de que que eram casadas mas que ao se tornarem viúvas, a família do marido tomou tudo o que tinham. Não há compaixão nesses casos, é tudo considerado uma questão corriqueira. A constituição do Quênia prevê que os costumes tribais devem ser mantidos e assim faz a sociedade.
O casamento é uma instituição considerada sagrada, seja pelo aspecto religioso, seja pelo aspecto trazido pela cultura das tribos, e é muito difícil ver casais separados (desde que cheguei aqui não conheci nenhum). A constituição do Quênia prevê o divórcio mas o dificulta ao máximo, fazendo com que muitos casais permaneçam juntos suportando as diferenças e eventuais traições. Sair de um casamento é um desafio que muitos maridos não querem enfrentar. E não é incomum ver maridos que abandonam suas famílias sem fazer o divórcio, não permitindo, assim, que a esposas voltem a se casar, deixando a mulher sozinha com os filhos, como se fosse uma “viúva de marido vivo”, aumentando a quantidade de mães que criam seus filhos sozinhas nas favelas de Nairóbi.
Outra faceta matrimonial queniana é a alta prevalência de casamento de meninas menores de 15 anos de idade, sobretudo nas favelas e áreas mais pobres do país. Cerca de 23% das meninas com idade abaixo de 18 anos já são casadas. Hoje, há toda uma campanha para incentivar o não casamento de menores de idade. Dentre as menores que se casam, 33% acabam infectadas pelo vírus HIV após o casamento, devido à grande prevalência da Aids no país. As meninas que se casam jovens geralmente possuem baixíssimo nível de escolaridade e se tornam vítimas da Aids por não possuírem informação, condições de se prevenir, sendo infectadas pelos seus maridos. Com relação à disseminação da AIDS aqui é muito interessante ver que, apesar de ser uma doença pandêmica, é imensa a falta de informação, a total inexistência de uma campanha governamental que fale abertamente sobre sexo (o pudor de se falar sobre sexo aqui é impressionante), a crença em curandeiros e simpatias, a crença de que homens circuncidados são menos propensos à doença, dentre outras, fazem com que o país tenha alarmantes 6% de sua população infectada pela doença.
Concluindo, a sociedade queniana demonstra respeito e orgulho profundos por suas tradições. Algumas, como as que mostrei acima, para nós são consideradas ultrapassadas, obsoletas e até perigosas, mas é assim que é. O desafio é fazer com que o país cresça de forma saudável e abandone práticas e rituais que colocam em risco milhares de pessoas, especialmente mulheres
1 Comment
Muy interesante, tanto este como tu artículo anterior. Me gusta como tratás temas y problemáticas reales que dan una idea mas profunda del país en el que estás viviendo. ¡Un abrazo grande y no dejes de escribir que estoy muy atenta!