Uma das coisas mais lindas aqui no Chile é a visão da Cordilheira dos Andes e de suas montanhas, vistas de onde quer que se esteja. Em janeiro, essa vista privilegiada e arrebatadora ficou praticamente escondida embaixo da fumaça dos incêndios florestais que vêm assolando o país desde o início do ano. Passamos dias simplesmente presos dentro de casa, com as janelas fechadas, com uma cena de filme de desastre ambiental diante dos nossos olhos.
Tantos incêndios acontecendo simultaneamente não é algo normal. Portanto, muitas pessoas têm se perguntado qual seria a razão disso. Mesmo sabendo que a qualidade do ar é um problema no país (assunto que já foi abordado aqui no blog no post Mudança de ares), a situação fugiu do controle. No final de janeiro, um balanço oficial da Oficina Nacional de Emergência (Onemi) informou que ainda haviam mais de 70 incêndios em combate.
O número é expressivo para um país que tem uma população de mais de 18 milhões de habitantes distribuídos num território com mais de 750 mil quilômetros quadrados. Desse total, mais de 500 mil hectares já foram destruídos pelo fogo. Além disso, 11 pessoas faleceram, 1.047 casas foram totalmente destruídas, afetando 3.782 chilenos e chilenas, dos quais 1.108 estão em um dos 42 albergues nas regiões afetadas.
Para ajudar a controlar o fogo, o governo chileno recebeu apoio de vários países: Argentina, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, México, França, Rússia e Peru, que mandaram especialistas ou doaram dinheiro. O Brasil também mandou dois aviões Hércules da Força Aérea Brasileira (FAB) para ajudar no combate ao fogo no sul do Chile.
Enquanto os brigadistas arriscam suas vidas no meio das chamas para controlar o fogo, especialistas já começaram a formular algumas hipóteses que tentam explicar esse verdadeiro desastre ambiental. Uma delas foi apresentado em artigo publicado no jornal El Mercurio pelo professor da Universidad Católica del Maule, doutor Alejandro Peña. Segundo ele, cientistas, acadêmicos e organizações ecológicas já haviam alertado os governos há anos para um dos fatores de risco: a introdução de pinus e eucaliptos. Essas duas espécies foram introduzidas no Chile e tiveram um boom na sua plantação em todo o centro-sul do país, o que praticamente extinguiu o bosque original.
O professor sustenta que essa espécies forasteiras não são apropriadas para a zona central, por conta do regime de chuvas, dividido em três meses anuais de chuva e nove meses de seca. Essas condições, por si só, favorecem o início de incêndios, tanto de pinus, quanto de eucaliptos. “Basta apenas a modificação de uma variável, que é a temperatura do ar em consequência do aquecimento global, para que apareçam os incêndios florestais”, explica.
“Um aumento de dois ou três graus na temperatura pode não ser significante para o homem, mas representa um problema gravíssimo para a natureza”, adverte o pesquisador. O doutor Alejandro Peña explica, ainda, que pinus e eucaliptos são espécies originárias de regiões onde chove quase todo o ano. Ali, essas árvores nunca estão expostas a incêndios similares aos que estão ocorrendo no Chile.
A tese é reforçada pelos acadêmicos da Universidad Austral de Valdivia, Jorge Gayoso e Andres Iroume, que analisaram os principais impactos sobre o solo provocados por plantações de pinus e eucaliptos. Entre os efeitos constatados está a compactação, a remoção, a erosão e o esgotamento dos nutrientes. Os especialistas associam o desaparecimento do bosque nativo chileno ao Decreto 701, de outubro de 1974 (confira íntegra aqui).
A iniciativa adotada no Governo Pinochet (e prorrogada, desde então, pelos sucessivos governos) consiste numa bonificação de 75% para as plantações de pinus e eucaliptos. O benefício tem sido amplamente explorado pelas principais empresas de celulose do Chile, como a Compañía Manufacturera de Papeles y Cartones (CMPC) e o Grupo Arauco. Atualmente, uma proposta do governo aguarda análise da Câmara dos Deputados para retirar das grandes empresas esse benefício.
Além dos fatores ambientais, que ajudam a explicar a rápida propagação do fogo e tornam ainda mais difícil o controle das chamas, existem outras hipóteses para os incêndios. Na avaliação do presidente do Colegio de Peritos Profesionales de Chile, Jaime Linker, os incêndios foram intencionais. “A quantidade de incêndios é totalmente anormal e leva a uma conclusão lógica: sem dúvida há uma intervenção de terceiros nesses incêndios, que não são de características naturais”, assegura.
O que chama a atenção do perito são os diferentes focos de incêndio em distintas regiões do país. Ele explica que não existe causa natural com as mesmas características em regiões diferentes que possa explicar o fogo que surge de um dia para outro. Em entrevista à rádio Biobío, o especialista não soube apontar quais seriam os motivos, mas alertou que a policia precisa investigar.
Seja lá quais foram as razões que provocaram este desastre ambiental no Chile, ninguém pode negar que o prejuízo ao meio ambiente é evidente. As áreas protegidas mais afetadas ou ameaçadas pelo fogo na região centro-sul do país são a Reserva Nacional Los Cobres de Loncha (na Região Metropolitana, RM), um foco de incêndio a 6 km do Santuario de la Naturaleza Los Predios San Francisco de Lagunilla y Quillayal (RM); outro foco de incêndio a 7 km do Santuário San Juan de Piche e outras áreas protegidas do setor Altos de Cantillana (RM). Além disso, estão em risco a Reserva Nacional Laguna Torca (VII Região) e os santuários Cajón del Río Achibueno (VII Região) e Nonguén (VIII Região).
Pensando na recuperação das áreas degradadas, o governo chileno anunciou a criação do Comitê Nacional de Restauração Ecológica para avaliar o dano causado pelos incêndios nos bosques, na vegetação esclerófila, no habitat de espécies de flora e fauna nativa das regiões Metropolitana, O’Higgins, Maule e Biobío. Além disso, o Comitê vai elaborar e executar planos de restauração ecológica desses territórios, tanto dentro, como fora das áreas protegidas. No início de fevereiro, quando foi anunciada sua criação, 87.900 hectares já haviam sido afetados.
Além das perdas humanas, materiais e ambientais, há também prejuízos patrimoniais, pois os vinhedos chilenos também sofreram com os incêndios. Um levantamento da agremiação Vinos de Chile constatou que 45 hectares foram atingidos (de um total de 141 mil). Os pequenos produtores foram os mais afetados, já que em alguns casos o fogo consumiu parreiras com mais de 100 anos de história. As regiões vitivinícolas mais afetadas estão nos vales del Maipo, Colchagua e del Maule. Para o setor agrícola chileno, as perdas já chegam a US$ 170 milhões, segundo a agência Bloomberg. Até o fechamento deste artigo, 71 incêndios florestais ainda estavam ativos no Chile.
2 Comments
Olá Isabela,
Eu, como muitos brasileiros, estou finalmente me decidindo por mudar de país. Tenho o Chile como minha opção preferencial e, se tudo der certo, pretendo me mudar até o final do ano. Diferente de você, eu e minha esposa estamos optando por ir mais para o sul, Puerto Varas, na intenção de empreender. Quero montar um restaurante de comida contemporânea por lá. Você tem informações sobre como é o ambiente para empreendedorismo por aí? Pelo que já pesquisei é bem menos burocrático que no Brasil e imagino que seja menos custoso também, não?
Fiquei um tanto preocupado com essa questão ambiental. Os incêndios também afetaram a região de Puerto Montt?
Muito obrigado por todas as informações que você tem dado no seu site. As sobre animais de estimação foram muito importantes, já que tenho 4 para levar (2 gatos e 2 cães, rsss)
Abraços,
Marcio Severo
Oi Marcio, tudo bem? Obrigada pelo seu comentário! Fico muito feliz pelo projeto de vocês. Espero que dê tudo certo. Quanto ao que você me pergunta, o ambiente para empreendedorismo no Chile é muito bom, existem várias incubadoras e instituicoes que estimulam as Pymes. Vou deixar aqui um link para uma página do governo voltada especialmente ao público empreendedor: https://www.chileatiende.gob.cl/empresas. O sul do Chile foi bastante afetado, sim, pelos incêndios, mas isso se deve principalmente ao modelo de exploracao comercial da madeira. Nao chegou a afetar o turismo especificamente. Puerto Montt tem um problema sério com a qualidade do ar por conta da poluicao, já que no inverno usam muita calefacao a lenha. Existem até estacoes de monitoramento da qualidade do ar, mas isso nao é por causa de incêndios florestais, mas devido â poluicao. Mesmo assim, é um lugar maravilhoso e com bem mais oportunidades de trabalho que a saturada Santiago! Abraco e felicidades para vocês.