Demorei muito pra criar coragem de escrever sobre esse assunto. Medo das críticas pois o caminho que trilhei pode parecer muito fácil, coisa de sorte. Mas como sempre digo: a sorte nada mais é do que a preparação aliada com a capacidade de reconhecer oportunidades.
Talvez o assunto seja polêmico para algumas pessoas, profissionais da mesma área no Brasil, mas afirmo com convicção, eu estudei e muito! E boto muito carinho e responsabilidade naquilo que faço. Nem sempre um diploma na mão é garantia de conhecimento absoluto. Sempre temos que aprender e nos aperfeiçoar.
A mudança
Pois bem. Quando vim pra Arábia Saudita, já comentei sobre isso em postagens anteriores, o que mais me doeu foi o “status” de dona de casa, que com todo o respeito a quem é, não era algo que eu queria aceitar. Formada em Comércio Exterior e com pouca experiência na bagagem, eu sabia que as chances de arrumar algum emprego nessa área por aqui seriam quase nulas. Ainda mais com a “sauditização” acontecendo, o mínimo que eles esperam de um expatriado é uma pós graduação, alguns anos de experiência e um currículo pesado.
Não era meu caso. Mas eu vim convicta de que não iria só ficar em casa. Iria estudar, cozinhar, escrever um livro… qualquer coisa que ocupasse minha cabeça. Não queria ter que voltar um dia pro Brasil e responder com um “nada” sobre o que eu fiz enquanto morei na Arábia.
Não quero criticar quem não pensa da mesma forma que eu, de maneira alguma. Cada um faz as escolhas que melhor lhe convém. Mas eu não queria voltar de mãos vazias, não queria voltar a mesma pessoa que cheguei.
Aliás, ninguém que vai morar fora volta de mãos vazias. Todo mundo acaba crescendo, de uma forma ou de outra, ao encarar viver numa cultura tão contrastante. Mas eu, jovem, com pouca experiência, queria mais.
Dos limões uma limonada
Minha primeira dificuldade ao chegar na Arábia Saudita acabou culminando no meu “pulo do gato”. Cheguei ansiosa por ocupar meu tempo com aquilo que me deixava feliz de certa forma no Brasil, treinar na academia. E dei com os burros n’água.
Quando cheguei, mal existiam academias femininas. Aqui no país quase tudo é segregado, e, apesar de ter academias aos montes pela cidade, das mais modernas às mais simples, todas elas eram masculinas. Homem e mulher não treinam juntos.
Conversando com mais pessoas, descobri que existia uma certa “proibição” para academias femininas naquela época. Que por um tempo o governo suspendeu as licenças e muitos lugares tiveram que fechar as portas. Além do mais, as poucas academias que ainda restavam eram caríssimas. Valores totalmente absurdos que se eu falar, você aí no Brasil vai pagar com gosto a sua próxima mensalidade.
Então passei algum tempo frustrada, caminhando na esteira velha que tinha no meu condomínio, meu pequeno luxo de todas as manhãs.
Graças à uma amiga, descobri um mundo novo. Que era possível me profissionalizar na área de fitness de uma forma bem diferente do que no Brasil. Não existem faculdades de Educação Física para mulheres. As meninas na escola nem tem essa disciplina. Enquanto os meninos jogam bola, as meninas não fazem nada disso nas escolas públicas (vale lembrar que as escolas sauditas também são segregadas à partir de certa idade, meninos estudam em escola de meninos e meninas estudam em escola de meninas. O mesmo vale para faculdades. Em escolas particulares, americanas, britânicas, as coisas são diferentes.)
Juntando o útil ao agradavel
Então decidi juntar o útil ao agradável. Eu que já gostava dessa área, resolvi me aprofundar no assunto, fosse pra usar pra mim ou só pra me manter ocupada. Descobri também que havia demanda. As mulheres queriam se exercitar. E dentro dos condomínios de expatriados, todos os tipos de aulas de fitness aconteciam.
Fiz um curso de personal trainer. Sou eternamente grata pelas amigas que confiaram em mim e foram minhas primeiras clientes. Pouco a pouco, fui criando experiência, crescendo muito, entendendo as necessidades das pessoas, estudando mais e mais, fazendo mais cursos…
E a tal da sorte foi aparecendo cada vez mais em forma de oportunidades que eu ia agarrando. E por estar preparada, as oportunidades davam frutos.
Leia: Dez curiosidades sobre a Arábia Saudita
Quando a oportunidade chegar, já esteja pronta!
No início de 2017, de uma hora pra outra, liberaram as licenças e as academias femininas começaram a pipocar por todos os lugares. A demanda por trainers free-lancers aumentou ainda mais. E com isso novas oportunidades apareceram pra mim. E eu estava pronta!
Além de exercitar o meu inglês, que é um dos meus maiores objetivos em morar fora, acabei entrando muito mais em contato com as locais por causa de minhas aulas. E conheci uma Arábia Saudita que eu jamais conheceria se não tivesse dado a cara à tapa e encarado alguns desafios para estar onde estou. Hoje em dia eu dou aula quase que exclusivamente para sauditas, tenho clientes que só me foram passados pela confiança no meu trabalho, além de coordenar e desenvolver programas de treinamento. Coisas muito maiores do que minha simples ambição de apenas não querer ficar em casa sem fazer nada.
Graças àquele pequeno desejo de querer algo mais, tive diversas oportunidades de viajar sozinha aqui dentro do país para fazer cursos, desmistificar vários mitos e medos daqui e principalmente, “viver” o país que estou morando.
Posso dizer que sim, quem sabe eu estava no lugar certo e na hora certa, mas se eu não estivesse preparada, não teria me reinventado e continuaria a mesma pessoa. Acho que foi mais que sorte.