A importância do lazer e tempo com a família e amigos Croácia
Nasci em Jundiaí – SP e até os meus onze anos, achei que nunca sairia dali. Achava a cidade bonita, minha família e amigos moravam lá, não havia razão para me mudar. Até o dia que eu, meus pais e meu irmão tivemos de mudar para Blumenau – SC e depois para Curitiba – PR. Cada cidade me trouxe muitas informações novas, conhecimentos de vida e também novos amigos.
Mudei-me para Zagreb com uma ideia de mudança totalmente diferente, até porque lá minha ideia era conhecer o máximo de coisas diferentes e novas. Queria me desprender de alguma forma dos laços que tinha no Brasil, me reinventar através de um espaço novo com novas relações e pessoas. O curioso é que encontrei uma cultura onde os laços são muito importantes, onde a família e os amigos são a grande base para uma vida feliz.
Nas minhas primeiras semanas em Zagreb, tive de entregar vários papéis na faculdade, na polícia para o transporte público, no banco e no dormitório onde eu moraria, só que o horário de funcionamento desses lugares eram muito estranhos e sem sentido pra mim. Geralmente estavam abertos entre 9 e 10 horas da manhã e ficavam até às 14, 15 horas. Alguns destes lugares não eram muito próximos, então não consegui resolver todos esses assuntos pendentes em menos de uma semana.
Somado a isso, há um sentimento/comportamento croata expressado nas palavras “polako” ou “pomalo”, dependendo da região do país que se está. Essas palavras significam algo como “devagar” ou “sem pressa” de uma forma positiva. Não há a nossa pressa de resolver as coisas para hoje, geralmente você escuta um “pode vir aqui semana que vem de novo e resolvemos”.
As aulas na faculdade geralmente começavam à partir das 9 horas da manhã, porque lá antes disso é considerado muito cedo, além dos professores terem apenas duas horas na semana reservadas para atender aos alunos que tenham alguma dúvida, sem muitas vezes ter a possibilidade de marcar um encontro antes ou depois desse dia e desse horário (pelo menos na minha faculdade).
Ou seja, em meus primeiros dias em terras croatas senti um pouco de irritação e revolta, além de fazer uma associação errada dessas poucas horas de trabalho à falta de vontade de trabalhar. Era tanta coisa pra me adaptar que foi como se eu tivesse me esquecido o porquê de eu ter escolhido fazer meu intercâmbio na Croácia.
Quando contava aos meus amigos de lá que no Brasil o horário comercial era das 8 às 18 horas, muitos deles ficavam bem assustados, como se isso não fosse bom e nós que estávamos trabalhando demais.
Comecei então a ter mais contato com as famílias desses meus amigos, e também tive aulas sobre a cultura cotidiana croata, o que era importante pra eles e o que gostavam de fazer. Foi impressionante a mudança de visão que isso me fez ter, de verdade. Quanto mais eu ouvia deles as razões para todas essas formas de viver, como esse tempo livre durante o dia era importante e como não levar as coisas tão a sério fazia a vida ficar muito mais leve, mais eu colocava meus pés no chão do lugar que eu estava pisando.
Era isso que eu queria, não? Viver uma realidade diferente de todas que já vivi nos primeiros 21 anos de vida. Mas, quando ela apareceu na minha frente, BÁ! Travei, me decepcionei e me irritei.
Então, percebi como as nossas raízes podem ser mais fortes do que a gente se não exercitarmos o respeito e entendimento das situações que aparecem. Essa é palavra: exercício.
Os argumentos deles, mas principalmente o exercício de ver o lado positivo desses costumes diferentes me fez perceber o quanto aquilo fazia bem para aquele povo e, como poderia fazer bem para o nosso também, brasileiros. É muito difícil pensarmos em uma pessoa que trabalha menos horas por semana do que a maioria e não a chamar de preguiçosa ou não esforçada, mas as pessoas têm objetivos de vida diferentes e isso é algo que deve ser levado em consideração sempre.
Um amigo croata muito próximo me disse uma vez que ganhar dinheiro para ele era bom, mas ter um emprego que não lhe pagasse tão bem, mas que lhe desse um bom sentimento enquanto estivesse nele, tempo para passar com a família e também para tomar um longo café com os amigos, esse era o emprego que ele preferiria ao invés de um que lhe pagasse melhor, mas lhe tomasse o tempo, a vida.
A Croácia tem um sério problema de desemprego, mas vivendo lá percebi que esse problema não esta relacionado à falta de empregos. Um exemplo são os empregos estudantis. Há um centro estudantil que possui de forma online vagas de empregos ofertadas prioritariamente a estudantes. O que se deve fazer é escolher o emprego e abrir um contrato com a empresa através desse centro. O problema principal dos empregos na Croácia é a quantidade salarial oferecida aos empregados.
Outra característica curiosa é que por causa dessa busca por trabalhos mais agradáveis, o fluxo de mudanças de empregos é alto. No Brasil, por exemplo, acredito que “prezamos” de certa forma por planos de carreira e entendemos que trabalhar a vida toda em uma única empresa é algo bom e provavelmente será valorizado na sociedade. Para os croatas, percebi que isso não é algo tão importante.
Há menos desigualdade na Croácia que no Brasil e por isso, não há tantos ricos e tantos pobres. Uma grande faixa da população deseja apenas receber um salário que seja suficiente para pagar as contas de casa e também sair com os amigos.
As relações familiares e de amizade das pessoas de lá me deixaram muito surpresa. É muito forte, como se passar a vida trabalhando sem ter tempo para passar com os que se ama, não vale a pena.
Pode-se associar a isso à grande tradição católica que o país possui. As igrejas aos domingos estão sempre cheias, os feriados católicos sempre são devidamente guardados, e tantas outras características como todas as sextas-feiras o restaurante universitário só servir peixe. Outra possível explicação pode ter relação com o passado socialista e comunista que o país possui, onde a ideia de juntar tantos bens não era adotada.
Enfim, esse assunto me afetou pessoalmente por um choque cultural inesperado, mas podemos dizer que foi procurado por mim mesma. Vale a reflexão para o que damos importância na vida, com quem queremos dividi-la e se os momentos de grande felicidade serão deixados para os fins de semana ou se escolheremos vive-los todos os dias. Essa experiência me lembrou dessa opção. O que nos faz feliz todos os dias?