Os três últimos dias de outono estão sendo incríveis. Acho que é o sol que deu o ar de sua graça nesse período, ou deve ser a beleza da cidade. Berlim, nessa época do ano, é a coisa mais linda! As cores das árvores me encantam de uma maneira sem igual. Dá vontade de aplaudir. Não sei falar se sou eu que estou vendo tudo com olhos de quem está vivendo isso pela primeira vez, ou se é porque estou tentando buscar motivos para ficar e aproveitar tudo o que estou vivendo.
Eu sempre tive vontade de morar fora, em outro país, mas depois de ficar grávida aos 20 anos, pensei: “Essa ideia nunca vai se concretizar”. Eis que aqui estou. Mudei duas vezes na vida. Primeiro, da casa dos meus pais para meu apartamento, quando estava grávida do segundo filho. Parece que o primeiro não foi suficiente para desgrudar da mamãe e do papai. E agora, de São Paulo para Berlim.
Mudei não só de casa, como de cidade, estado, país, continente. Vim parar em um lugar que não sabia nem falar “oi”. Não que saiba muita coisa agora, mas já consigo, pelo menos, pedir desculpa se por acaso tropeçar em alguém. Coloquei o que coube em duas malas. Essa foi minha mudança. Vendi o resto e aluguei meu apartamento parcialmente mobiliado. Guardei outras coisinhas. O mais importante foi manter minhas fotos intactas. Essas ficaram seguras no Brasil. Era o medo de extraviar e perder algo que de fato é insubstituível.
Bom, voltando aos dias maravilhosos de outono, nem todo dia tem sido assim, por aqui. Tem dias que sinto um vazio, um medo, uma insegurança de estar fazendo a maior burrada da minha vida. De ter largado tudo na minha terra natal, minha família, trabalho, meu aconchego, minha segurança de saber exatamente o que fazer. Se é que algum dia soube. Mas, no mesmo minuto, às vezes, penso: “Gente, como viver assim para sempre?”.
Eu sempre fiz tudo como se fosse durar muito tempo, ou até mesmo para sempre. Se tivesse mudança, tinha que ser bem pequena. Comecei a trabalhar aos 15 anos como vendedora de uma loja. Fiquei quase quatro anos da minha vida perdendo final de semana, feriado, trabalhando dias seguidos antes do Natal, sem nem precisar trabalhar. Pior, não conseguia pedir demissão. Só saí de lá porque comecei a fazer faculdade e consegui um estágio. E não fazia sentindo nenhum continuar trabalhando na loja.
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Depois disso, trabalhei em três lugares diferentes por quase cinco anos em cada um. Pasmem! Mas é verdade. Eis que do último, saí para ficar sem trabalhar. Afinal, ia mudar para o outro lado do oceano e seria bom demais se fosse trabalhando. Pior que tentei. Não sei, até hoje, de onde tirei coragem para pedir demissão de um bom emprego, que tinha flexibilidade, estabilidade e conseguia curtir muito bem minha vida pessoal. Esse último tópico, vale ressaltar, demorei muito para conseguir equilibrar vida profissional e pessoal.
Claro que, com isso, criei várias expectativas. Ficava pensando no que vou fazer com todo esse tempo livre que teria. Como aproveitar ao máximo. Eis que a frustração veio como um soco, porque queria melhorar o inglês, aprender o alemão, conhecer a cidade, aproveitar cada minutinho. Mas me faltava força. Não sei explicar. Ficava largada no sofá e quando via, pronto, meus filhos ja estavam quase para chegar da escola e eu, bom, eu não tinha feito nada ou quase nada. Fiquei nessa alguns meses. Me torturando, querendo avançar, mas sem forças. Até que consegui um curso de alemão três vezes por semana. Depois, um outro curso que era todos os dias e comecei a perceber que eu estava cobrando demais de mim.
Qual o problema de ficar assim, largada? Eu precisava disso. Precisava me dar um tempo. Ficar, assim, ociosa. Por que nos cobramos tanto, por que sempre temos que fazer algo produtivo? Como diz uma amiga, passar recibo. Sendo que, às vezes, o que precisamos é ficar sem fazer nada, nos conhecer, pensar, refletir, organizar as ideias. Sei lá!
Mas, claro, ainda não tenho resposta se a decisão que tomei foi a melhor, se será bom para os meus filhos e se algum dia vou voltar para minha área ou descobrir outra. Ainda não estou trabalhando. Até o momento, fiz um trabalho como freelancer, que me fez muito bem. Mas fiz porque queria fazer, nem pensei no dinheiro. Quase falei que faria de graça.
Me fez tão bem poder escolher e curtir um trabalho sem me preocupar com carreira, cargo ou qual crachá estava usando. Eu, naquele momento, era apenas a Raquel, quando me perguntavam: “E você, é de qual empresa?”
Agora, estou tentando viver um dia de cada vez e isso não significa que todos os dias sejam bons ou ruins. Só estou aprendendo a lidar com cada dia e aproveitar e absorver todo conhecimento e aprendizado que tenho e terei pela frente.