Olá pessoal,
Junho é o mês do meu aniversário de 3 anos de Dinamarca, e nesse tempo muita coisa mudou em minha vida: mudei de país, mudei de profissão, mudei de apartamento, mudei o número do manequim, mudei os hábitos, mudei as roupas e mudei muitos de meus (pré) conceitos. Entretanto, a mudança mais significativa aconteceu este ano, quando meu marido e eu decidimos que era hora de expandir nossa família.
Bem, cada um de nós possui um conceito próprio de família e, no meu caso, família é indissociável de gatos. Muitos gatos. Gatos por toda parte. De fato, corre em minhas veias o gene da crazy cat lady ou, em bom português, da louca dos gatos, aquelas senhoras que começam adotando um bichano abandonado na rua em um certo dia, e um ano depois ostentam duas dúzias de felinos, com os quais elas conversam (e entendem) e interagem mais do que com humanos. Cresci com uma mãe que resgatava gatos, e minha tia e primas não fugiram à tradição: volta e meia alguém comunica que estava caminhando, encontrou um gato famélico e pulguento no caminho, levou o bichinho pra casa “até alguém adotar” e dois dias depois o felino tem nome, cama, pote de ração decorado e já é de casa. E não adianta virar a cara para aquela caixa de filhotes abandonados em um terreno baldio: nossa família é consumida pelas memórias e miados destas pequenas bolas de pelos e pulgas, e somos fustigadas por uma inquietação que só tem fim quando resgatamos os pequenos e nos asseguramos que eles não padecerão de frio e fome.
Eu, Camila, aos meus 33 anos conto com um histórico de certamente mais de 50 gatos, e desde que mudei e recomecei minha vida na Dinamarca, não havia dia que eu não pensasse em adotar um exemplar aqui. Contudo, dois problemas obstaculizavam a realização desde sonho da louca dos gatos que vos fala: em primeiro lugar, nós morávamos em um apartamento cujo contrato de aluguel proibia animais (cláusula muito comum aqui na Dinamarca, onde é raro que apartamentos alugados permitam animais…aliás, fica a dica para quem está pensando em trazer seu animal para cá, pois isso infelizmente limitará bastante suas possibilidades de moradia) e, além disso, eu sou casada com o recordista mundial em número de alergias, cuja lista inclui pó, grama, flores, quase todas as frutas e vegetais, ervas de todo tipo e, obviamente, gatos. Enquanto o primeiro problema foi resolvido com a compra do nosso apartamento, cujo contrato explicitamente menciona que podemos ter até galinhas, o segundo ponto não era de tão fácil resolução, e a lembrança do meu amado esposo quase sem conseguir respirar na casa da minha mãe (7 gatos) era suficiente para jogar um balde de água fria em meus sonhos.
Entretanto, meus caros, eu sou brasileira e não desisto nunca! Os anos de vida acadêmica me ensinaram que a pesquisa pode trazer frutos valiosos, e eis que me lancei a procurar raças de gatos que causassem menos alergias, apesar do ceticismo (e possível temor pela sua própria vida) de meu marido. Descobri que a alergia é causada por uma proteína na saliva do gato, e que algumas raças teoricamente provocam menos alergias porque a) os gatos produzem menos dessa proteína ou b) a pelagem do gato é de uma só camada (menos pelos carregando a saliva = menos alergias). Não, não existe “gato antialérgico”, mas minha esperança de encontrar um gato que não fosse me tornar viúva ou divorciada era grande. De posse destas informações, pensamos que seria fácil achar um exemplarzinho de tais raças na Dinamarca, e começamos a procurar em sites de adoção ou classificados. Ledo engano: em um país diminuto como a Dinamarca, encontrar tais gatinhos não era fácil, e os poucos disponíveis custavam seu peso em ouro. De fato, os animais aqui recebem um microchip identificador, e o controle de vacinas é estrito, fazendo os custos subirem. Há ainda a diferença entre gatos de “fora” ou “dentro” de casa, o que limitava ainda mais nossas opções, já que um gato habituado a pirilampear por aí dificilmente se adaptaria ao nosso hermético apartamento. As incessantes buscas em abrigos e sites de criadores restavam infrutíferas, e as ninhadas de gatinhos compatíveis desapareciam em minutos.
Prestes a desistir, um dia nos deparamos com um anúncio nos classificados: um casal da Jutlândia, uma região distante 4 horas de Copenhague, estava vendendo suas duas gatas Birmanesas, uma das poucas raças menos propensas a alergias. Iniciou-se uma intensa troca de mensagens, incluindo um pequeno inquérito sobre nós, e descobrimos que a razão para a venda das gatas era justamente a alergia dos netos do casal, o que me fez pensar que essa seria mais uma tentativa frustrada. Para minha surpresa, meu marido insistiu para que fôssemos visitar a família e testar sua reação às gatas, e lá partimos nós em uma sexta-feira, depois do trabalho, rumo ao interior da Dinamarca.
Chegando lá, fomos recebidos calorosamente pelos proprietários das gatas, que fizeram mais uma série de perguntas para se certificar de que nós seríamos pais adotivos responsáveis, enquanto as gatas pulavam e se roçavam alegremente em nós. Apesar do clima amigável, eu estava extremamente nervosa, apenas aguardando o início da sinfonia de espirros do meu marido mas, para nossa grata surpresa, ele passou incólume pelo período probatório de uma hora. Impetuosamente, decidimos ficar com as duas gatas, Medina e Yasmina, cujo “pacote” incluía um poste de arranhar maior que a montanha-russa do Tivoli, uma caixa de viagem, caixa de areia, cobertores, ração especial, documentação de registro e passaportes (sim, as gatas têm passaporte dinamarquês e eu não). Colocamos todo esse circo dentro do nosso carro-caixa-de-fósforo e rumamos para Copenhague, aportando em casa de madrugada depois de 4 horas de miados ensurdecedores.
Chegando em casa, acomodamos as gatas conforme instruído pelos antigos donos, e nos preparamos para desabar na cama, exaustos, felizes mas também apreensivos: no fundo, eu temia que as gatas não fossem se adaptar, ou que as alergias do meu marido fossem chegar com atraso, mas a galope. Mas os dias foram passando sem surtos de alergia, e a cada momento nos afeiçoamos mais e mais às “meninas”, que nos sombrios dias do longo inverno dinamarquês se tornaram um elemento de calor, de força e de sinônimo de lar. Toda vez que tenho um dia ruim no trabalho, penso que vou voltar pra casa e ter essas duas fofuras me esperando, e que vamos poder ver um filme enquanto elas se aninham entre nós. Medina (vulgo “Mad Maddie”), nossa “gata-sênior” de acordo com o seguro de saúde, tem 7 anos, é calma, carinhosa mas altiva. Já Yasmina (vulgo “Jazz”, vulgo “crazy fur ball”) tem 3 anos e é extremamente serelepe, barulhenta e carente, demandando atenção aos berros, geralmente às quatro da manhã, o que a torna um excelente treinamento para a maternidade.
Em um país solitário e fechado como a Dinamarca, essas duas bolas de pelos proporcionam não só companhia e afeto, mas também um assunto para me aproximar de diversos dinamarqueses adoradores de gato. Hoje em dia mostro fotos das “meninas” para meus colegas de trabalho que também têm gatos, e vejo que eles se tornam mais pacientes com meu dinamarquês capenga, mais abertos e interessados, fazendo-me cotar os felinos como fator primordial do atual estágio do meu processo de integração. Talvez você prefira cachorros, papagaios ou periquitos, mas acima de tudo a verdade é que, paradoxalmente, foram dois animais que me fizeram sentir mais humana do que nunca nessa terra de relações distantes, mas que a cada dia se abre mais e mais para mim graças ao meu lado de gateira louca.
Além disso, percebi que os dinamarqueses podem parecer frios, mas eles em regra têm extremo cuidado com os animais, e o abandono, apesar de existente, ainda é excepcional. Nos meus 3 anos aqui, nunca vi um animal de rua, reflexo das políticas do poder público e da consciência do povo, e como para mim nada ilustra mais a “humanidade” de alguém do que o respeito aos animais, passei a admirar os dinamarqueses, especialmente aquele casal na Jutlândia que, mesmo tendo que se desfazer de suas gatas, fez questão de garantir que elas iriam ser bem-cuidadas, e foi com prazer que lhes mandamos fotos das “meninas” em seu novo lar, felizes e nos fazendo felizes a cada dia.
Beijos e até a próxima
9 Comments
Camila, amei seu texto ❤️
Súper me identifiqué ?
Muito obrigada, Natalia 🙂 Que bom que você gostou!
Oi, Camila, linda história! Minha família é muito parecida com a sua. Todos temos gatos e não conseguimos imaginar nossa vida sem eles. Na sua situação, eu também não desistiria nunca. Minha “filha” saiu do Brasil comigo e hoje vivemos em Londres. Abraços!
Oi Joice! Que legal! Fico super feliz em saber que existem famílias responsáveis e que fazem de tudo para ter seus bichinhos por perto 🙂 Beijos
olá
me identifiquei com o texto tbm!
moro no uk com um namorado que nunca teve gato em um apartamento onde os pets são proibídos mas mesmo assim demos um jeito ( sao imigrantes ilegais aqui) . O primeiro gato fez tanto sucesso que já estamos com dois e aqui tbm é difïcil adotar, ainda mais p morar em apt.
beijos
Oi Tati!
A família está crescendo, então! Espero que teus gatos te tragam muita alegria e amor! Beijos
Olá Camila!
Amei seu texto, super cativante e divertido, tenho um gatinho preto, o Romeu, sonho em morar na Dinamarca.
Abraços,
Os lobbys promovem os microchips nos animais e já conseguiram vários país a obrigarem este microchip que apenas guarda 15 digitos. Não têm entretanto em conta os graves problemas que provocam. É uma confusão haver mais do que uma base de dados (que nunca estão actualizadas e não comunicam entre si eficientemente) que, na maioria dos casos, não funcionam bem. Chipar os animais é muito cruel pois é doloroso e maioria dos veterinários não dá anestesia local. Para além disso, pode provocar graves problemas de saúde. Os últimos estudos cientificos são bem claros onde 100% dos animais laboratoriais chipados desenvolveram cancro ou tumores cancerigenos provocados pelo microchip. Para além disso cada país ter o seu sistema de chips com tecnologias e leitores diferentes pelo que torna a situação das bases de dados mais complicada e quase impossível de encontrar um cão ou gato que passe a fronteira em pequenos países da europa (como a Dinamarca). Fora de laboratório apenas 1% dos animais chipados que desapareceram foram encontrados mas mais de 10% desenvolveram cancro comprovado que fora provocado pelo microchip e outros 20% desenvolveram outros problemas de saúde provocados pela rejeição do microchip pelo corpo do animal. Como se não bastasse, a informação que existe fora das comunidades cientificas sugere uma espécie de corrupção entre as empresas que vendem os chips e os veterinários e suas associações que são quem ganha directamente muitos milhares de milhões com isto (paga-se o chip, paga-se para colocar o chip, paga-se para registar o animal das ditas associações e entidades governamentais).
Seria muito interessante se pudesse citar fontes para corroborar seus argumentos.