Há pouco tempo uma amiga me disse que leu um artigo falando como os norte-americanos são generosos no quesito “caridade”. De acordo com a instituição filantrópica “Giving USA”, que monitora doações em território americano, apenas em 2016 os norte-americanos doaram mais de US$ 373 bilhões. Valor 4% acima do que foi doado no ano anterior.
Os EUA se classificou entre os 10 países do mundo onde mais houve doações. A cada ano que passa os americanos doam mais e mais dinheiro para instituições religiosas como igrejas, sinagogas e mesquitas, orfanatos, universidades, think tanks, centros de pesquisas independentes, organizações de veteranos de guerra, asilos, dentre muitos outros lugares.
O número de eventos de caridades que ocorrem em Washington, DC é imenso. Eu, por exemplo, recebo convites para participar de jantares e festas quase toda semana. Recebo todos esses convites por que sou muito bem conectada e rica? Não. Recebo, porque em Washington, D.C. existe uma ENORME concentração de Organizações Não Governamentais (ONGs), que estão sempre organizando eventos em busca de dinheiro para atingirem seja lá qual for a meta que desejam atingir naquele ano, e quanto mais gente fizer doações, melhor para elas.
Além disso, é em Washington, D.C. que também está uma grande concentração de endinheirados norte-americanos (senadores, lobbystas, empresários, etc) e estrangeiros que aqui residem. Ou seja, é uma combinação perfeita: gente rica querendo e podendo doar e ONGs a procura de doações. Essas doações podem ser feitas tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas. A questão é: por que, diferente de outras nacionalidades, os norte-americanos, principalmente os bem endinheirados, são tão “generosos”?
Bem, vamos com calma. Na verdade os americanos não doam seu dinheirinho apenas porque tem bom coração. Sim, muita gente por aqui é generosa e doa por acreditar em uma causa seriamente. Mas muita gente doa também porque aqui nos EUA isso pode ser algo, digamos, “lucrativo”. É aquele velho ditado popular: eles unem o útil ao agradável. Agora você deve estar se perguntando: Lucrativo? Como alguém pode fazer doação e ainda sair no lucro? Calma, vou explicar.
Quando os norte-americanos fazem uma doação para uma instituição classificada como ONG e que se encaixe na seção 501(c)(3) do código de imposto de renda do Internal Revenue Services (IRS), o valor daquela doação pode ser deduzido na hora de acertar as contas com o “leão” norte-americano. Logo, quanto maior for a sua doação, maior será a sua dedução. Entendeu? Deixa eu te dar um exemplo:
Imagine que você é convidado a participar de um jantar onde o lucro dos ingressos será revertido em ajudar crianças de baixa renda que nasceram com deficiência motora. Suponha que essa organização é certificada e se encaixa dentro da seção 501(c)(3). Suponha ainda que um preço, justo, de um ingresso para o jantar custe em média US$85, e que você, doador, pague US$385 para comprar um bilhete. Você pode exigir então uma dedução de US$300 no seu imposto de renda no ano seguinte, porque aquele montante contribuído (US$ 385) é reduzido pelo montante do benefício que recebeu (US$ 85, o valor justo de preço de mercado do ingresso). Isto é válido mesmo se o você não comparecer pessoalmente ao jantar.
Sua renda tributável é reduzida em US$300. Se a sua renda estava na faixa de imposto de renda de 35% antes e depois da dedução, a sua obrigação fiscal, ou seja, o montante dos impostos devidos ao governo por você, é reduzida em US$ 105. Agora imagine que você é um grande empresário. Imagine o quanto você pode “economizar” caso faça doações?
Além de dinheiro, as pessoas também podem fazer doações através de propriedades ou serviços. Se você doa um terreno para que uma escola pública seja construída, por exemplo, o valor total daquela propriedade será deduzido do montante que você deve ao governo em imposto de renda. Se você doa serviços, você também pode deduzir o valor dos gastos que teve para doar aquele serviço, por exemplo, custos que teve com gasolina, hospedagem em hotel, etc.
Dicas:
Agora que você já sabe de tudo isso e a época da declaração do Imposto de Renda nos EUA está aí, ficam mais algumas dicas para aqueles que vão declarar ao leão e querem ter deduções baseadas nas doações feitas em 2016:
– Entenda que há limites sobre a dedução de doações de caridade com base no seu rendimento bruto ou o seu rendimento bruto total menos deduções fiscais específicas. Com doações em dinheiro para instituições de caridade, geralmente você pode deduzir até 50% de sua renda bruta. Com doações de propriedade, você geralmente pode deduzir 30% da sua renda bruta. Embora esses limites não sejam um problema para a maioria dos doadores, é importante para confirmar a sua situação financeira pessoal.
– Mantenha tudo arquivado. Você vai precisar de recibos para listar suas deduções. Uma conta de telefone celular, por exemplo, pode ser usada para doações via SMS, desde que mostre o nome da organização de recebimento, a data da contribuição e obviamente valor doado. Para reivindicar uma dedução para contribuições de dinheiro ou propriedade igual a US$ 250 ou mais, você precisa de um registro da transação. Isso pode ser um extrato bancário, deduções de folha de pagamento ou uma nota da instituição de caridade para qual você doou. O registro deve indicar claramente se a instituição de caridade forneceu quaisquer bens ou serviços em troca da doação.
– Saiba quais doações são dedutíveis. Você tem que doar a uma organização qualificada dentro da seção 501(c)(3) para ser elegível para a dedução de doações de caridade. Você não pode deduzir contribuições feitas a indivíduos ou organizações políticas e candidatos. O IRS delineia todas as organizações elegíveis em seu website. Instituições de caridade respeitáveis lhe darão um recibo de suas doações.
– Conheça o valor justo de mercado daquilo que você está doando. As doações de bens são normalmente avaliadas pelo justo valor de mercado daquela produto/propriedade. Roupas e utensílios domésticos, por exemplo, devem estar em boas condições de uso para que sejam dedutíveis. A “Goodwill”, uma organização sem fins lucrativos que administra uma cadeia global de lojas de bens de segunda mão, fornece um guia de avaliação gratuito caso você queira saber o valor justo de suas roupas usadas.
– Se você não detalhar seu retorno de imposto, você não pode obter a dedução. A maioria dos norte-americanos ou residentes permanentes não detalha suas declarações fiscais. Quase 70% das pessoas fazem a dedução de imposto de renda padrão ao invés de relatar todas as suas deduções elegíveis para reduzir sua renda tributável e possivelmente gerar uma quebra fiscal maior. Você deve detalhar caso queira que suas doações para caridade realmente façam a diferença em sua declaração de imposto de renda.
– As grandes doações de bens e propriedade exigem o preenchimento de mais formulários do que o normal. De acordo com o IRS, os contribuintes que doam bens/propriedades avaliadas em mais de US$ 500 devem igualmente preencher o formulário 8283. Se você doar mais de US$ 5.000 em bens/propriedades, você precisará de uma avaliação de valor justo, realizada por um avaliador qualificado para completar o formulário.
– Por último, porém não menos importante: saiba para onde você está doando o seu dinheiro, se aquela instituição realmente realiza um trabalho sério e confiável. Você não quer se envolver em problemas nem ter seu dinheiro desviado para algo no qual você não acredita. Se quiser doar e não conhecer uma boa organização, o site Charity Navigator pode ajudá-lo a avaliar as organizações antes de você fazer a sua doação.
Continue nos acompanhando.
4 Comments
Me desculpe, mas que analise distorcida!
A pessoa doa $385 e tem um beneficio de $105. Então na verdade ela não está sendo generosa? Claro que está! Se não fossem generosos, pagariam os $105 de imposto e ficariam com os outros $280 no bolso.
Porque tanta mania de tentar encontrar uma falha em tudo que vem dos EUA?
Poxa vida!! São extremamente generosos e comprometidos em ajudar o próximo sim.
Prezado Ricardo,
Primeiramente obrigada por acompanhar o Brasileiras Pelo Mundo.
Em referência a sua pergunta “porque tanta mania de tentar encontrar uma falha em tudo que vem dos EUA?”, acho que você não interpretou o texto da forma correta.
Acredito eu, que quem quer fazer exclusivamente caridade não se preocupa em ter o dinheiro doado descontado no imposto de renda, do contrário a doação deixa de ser apenas caridade e passa a ter interesse pessoal e financeiro. Ressalto ainda que esse comentário seria feito independente de ser EUA, França, Japão ou Brasil, até porque, o objetivo do blog não é encontrar falhas nos EUA ou em qualquer outro país, mas sim mostrar, por diferentes ângulos a vida em cada um deles, desde suas coisas boas até suas coisas ruins. Todo lugar tem coisa boa e coisa ruim e absolutamente país algum é perfeito, incluindo os EUA, que tem muita coisa boa, mas tem muitos defeitos também.
Continue nos acompanhando.
Atenciosamente,
Lorrane
Olá Lorrane,
parabéns pelo texto, além de bem escrito foi muito didática. Porém fiquei com uma dúvida sobre o calculo que fez na dedução do valor no jantar. Do valor de US$ 385,00 você deduziu US$ 300,00, mas a seção 501(c)(3) não permite a dedução de apenas 50% do valor para pessoa física? Nesse caso o valor deduzido não seria US$ 192,50 (US$ 385,00 x 50%)
Penso exatamente como como você Lorrane.
No momento em que estas tendo beneficio fiscal, estas “dividindo” sua doação com o resto da população que paga imposto.
A meu ver, isso não é caridade no sentido amplo da palavra.
Fico muito indignado com alguns super ricos chamados de filantropos quando na verdade, apesar de realmente fazer “caridade”, estão dividindo o custo com o resto da população que já paga impostos e não precisaria e deveria estar pagando mais.