Uma característica bem marcante nos Emirados Árabes é o tamanho das famílias: todas muito numerosas, filhos com diferenças de idade às vezes menores que um ano, mães com bebês de colo já grávidas… Assim que cheguei, pensei: como o país e fértil! Deve ser a água…
Família grande para o mundo árabe é sinônimo de alto padrão social, econômico e cultural. Casais recém-casados com menos de 6 meses de casamento são questionados por herdeiros, mas não é como no Brasil que, quando você está solteira, perguntam quando você irá casar; casou, quando irá ter filhos, mas sem cobrança social. Por aqui, a pergunta não é apenas mera curiosidade. E casais se apressam na encomenda do herdeiro. Aquela vontade de curtir o casamento, os momentos a sós são para os fracos. O negócio aqui é construir uma família e logo!
Recém-chegada, sabia que levaria um tempo até começar a trabalhar. Então, decidimos aumentar a nossa família. Maria Antonia já estava com 5 anos e não precisava tanto mais da minha dedicação integral, ou seja, era o tempo perfeito para a chegada de um bebê.
Como já havia enfrentado dois abortos após o nascimento dela, decidimos procurar uma clínica de fertilidade.
Num primeiro momento, pensei que seria impossível achar uma boa clínica e ter opções de escolha. E qual não foi minha surpresa ao me deparar com muitas, várias filiais de clínicas renomadas no mundo como a conhecida e pioneira Bourn Hall, a clínica inglesa que, em 1978, anunciou a concepção em laboratório de Louise Brown – na época, conhecida como a primeira bebê de proveta no mundo.
Ainda assim, acreditei que a quantidade de clínicas era para atender aos estrangeiros/expatriados que são 90% da população dos Emirados Árabes Unidos.
Depois de muita pesquisa, optei por uma clínica que tinha uma filial nos Estados Unidos, pois conheço bem os critérios e exigências do governo americano e me sentia segura. A clínica era Fakih Fertility Center.
Chegando à clínica, parecia que estava entrando em uma mesquita. De estrangeira, eu e outras duas; e dezenas, sem exagero nenhum, de emirates. Choque um!
Choque dois: homens e mulheres sentam separados na sala de espera. Apesar de ver isso em todas as repartições do governo e outros lugares públicos, achei que em uma clínica de fertilidade não haveria essa regra; afinal, é um momento do casal, de uma certa luta e muita cumplicidade.
Choque três: sem a certidão de casamento, nada de tratamento!
Choque quatro: os homens dificilmente entram nas consultas e se entram na hora do ultrassom são convidados a se retirar. Não podem acompanhar a evolução do tratamento ou do sucesso dele.
Choque cinco: descobri, na clínica, que os homens também não podem entrar na sala de parto, seja ele normal ou cesariana. Aquela foto para a posteridade, aquele aperto de mão, abraço de solidariedade, amor e êxtase, só em sonho. São momentos únicos e exclusivo das mulheres.
Enfim, passados todos os choques estava eu lá na minha primeira consulta. O médico, muito solícito e profissional me explicou como seria o meu tratamento, mas um comentário dele me deixou curiosa: ele me perguntou se eu tinha filhos; falei que sim, uma menina e ele afirmou: fique tranquila, aqui você terá o seu menino. Oi? O quê? Quem falou em menino?
Ainda atônita, perguntei: como assim? Não faço questão de menino ou menina. Quero ter mais um filho e serei extremamente grata e feliz com qualquer um dos dois.
Ele se assustou e falou: desculpa, achei que você veio em busca do seu menino. E indaguei: tudo bem, e se eu quisesse um menino, como você poderia garanti-lo?
Sem pestanejar ele me respondeu: se você quiser pode optar pelo PGD (Pre-implantion Genetic Diagnosis) e nesse teste é possível descobrir o sexo. Fazemos a implantação só do sexo que você queira e o que chamamos de “family balancing”, que seria uma equilíbrio familiar, um balanço de meninos e meninas.
Nunca imaginei que em apenas uma consulta outro mundo se abriria à minha frente.
Fui para casa com todas aquelas dúvidas e choques. Resolvi pesquisar um pouco mais, entender por que tantos casais de emirates estavam lá, se até aquele momento eles me pareciam o povo mais fértil do universo!
Fazendo uma longa pesquisa descobri que a infertilidade atinge bastante os árabes, homens e mulheres, mas com causas diferentes de outras nacionalidade ocidentais. O curioso é a considerada baixa contagem de espermatozóides, que também contribui para a dificuldade da concepção. Mundialmente a proporção é de 4 a cada 10 homens tenham uma baixa contagem de espermatozóides. Nos EAU, o número sobe para 6. Somados a isso, hábitos ruins como fumar, seja cigarro ou a popular shisha, obesidade (que o governo vem lutando contra) e a vida sedentária levam ao cenário geral do caos.
Mas como explicar as famílias numerosas com toda essa problemática?
Fácil acesso aos tratamentos, apesar de caro para os estrangeiros, não é tão caro para os árabes. Os planos de saúde que só eles têm acesso e direito, na grande maioria, custeiam uma boa parte ou a totalidade do tratamento, além do fato de buscarem o tratamento precocemente, aumentando, assim, as chances de sucesso. Lembram dos casais com seis meses de casados?
E a escolha do sexo?
A nossa colaboradora da Arábia Saudita, Carla Ferreira, fez um post super interessante que aborda a importância dos meninos na sociedade e a predileção das famílias em ter, pelo menos, um filho.
É importante salientar que a escolha do sexo não é uma propaganda, nem mesmo é estimulada, sendo apenas mais uma alternativa. Em várias situações como a minha, o exame do PGD é mesmo recomendado. Nele, é possível identificar o sexo. Selecionar é uma opção, não uma obrigação.
Vamos ao valor total de um tratamento aproximadamente: sem escolha do sexo, em torno de 35 mil dirhams, cerca de 36 mil reais. Com o PGD, chega a algo perto de 42 mil dirhams, em torno de 43,5 mil reais.
O que percebi é que no momento em que falamos de família, não importa se estamos no Oriente, Ocidente ou no meio deles, fazemos todo e qualquer sacrifício para termos a nossa e/ou aumentá-la. E viva a ciência que não tem fronteiras!
Até o mês que vem!
14 Comments
Oi Renata!! Bacana seu post! Realmente os Emirados Árabes é um ótimo lugar para aumentar a família, inclusive há mudanças com relação à questão da presença masculina. Hoje já é possível que o marido esteja junto na sala de espera e também presente no momento da ultrassom e durante todo o período do parto.
No hospital brightpoint que foi recentemente aberto há todas essas facilidades o que pra nós representa um enorme conforto. Ouvi até falar do primeiro parto na banheira em Dubai!!!
Boa sorte na sua segunda gravidez!! Que venha um bebé cheio de saúde!!!!
ola Joyce, que bom que voce acompanha o Brasileiras pelo Mundo. E verdade, aos poucos os EAU vao se ” ocidentalizando”. Infelizmente nao sao ainda todos os medicos e hospitais que permitem a presenca masculina, principalmente se for a maioria de arabes : sao habitos antigos, cultura, mas crescem os hospitais ocidentais e isso e otimo, pois afinal a grande parte da populacao e de expatriados!!! Obrigada pelo comentario!!
Oi Renata
Muito interessante e elucidativo seu texto ! Entendi perfeitamente os seus choques. Abs
oi Cintia,
a chegada ao Oriente Medio de uma forma geral ja e um choque(kkk), muita coisa nova, uma cultura que tivemos pouco contato no Brasil, mas Abu Dhabi e os outros emirados sao um lugar lindo e seguro para se viver. Cada pais tem a sua particularidade…. Obrigada pelo seu comentario…
oi Renata, tbm sou colaboradora do Brasileiras pelo mundo. Adorei o post e achei super interessante saber dessas particularidades.
beijo
Grasiela
Oi Grasiela,
realmente vamos aprendendo muito por aqui, nao e mesmo? Somos tantas espalhadas pelos quatro cantos do planeta, cada uma descobrindo as particularidades e estranhezas , as vezes, dos lugares que moramos. Obrigada pelo carinho, fiquei muito feliz com o comentario!!!!
Oi, Renata,
adoro os seus textos pela sinceridade e informação. Sou fascinada por essas culturas do Oriente Médio e adoro aprender mais com vocês que estão aí.
Boa sorte com tudo!
Obrigada Erika!! Sao muitas experiencias: umas sao excelentes , outras nem tanto, mas vamos enchendo de vivencia nossas bagagens….Adoro os seus textos tambem!!!Muito boa essa troca…. Beijos
Oi Renata, como sempre vivendo e aprendendo – e nessa região então, é muito aprendizado, né? Obrigada pela menção ao meu texto aqui no BPM. Um beijo grande 🙂
Carla,
Aprendizado diario….Seus textos sao otimos….Descobri que temos varios amigos em comum…. Vivemos em Houston na mesma epoca kkkk
Parabéns pelo texto e obrigado pelas informações, Renata!
Gostaria apenas de tirar uma dúvida: Os Emirados Árabes Unidos também já estão passando por problemas ambientais decorrentes desse monte de gente que nasce para consumir e naturalmente desequilibrar o meio ambiente?
Abraços!
Jhon,
Obrigada por acompanhar o ” Brasileiras pelo Mundo”. Não tenho dados técnicos para responder a sua pergunta,mas o que posso dizer: os EAU estão sempre pensando no futuro e tentando se adiantar aos problemas que possam surgir, já vi varias ações do governo de conscientização da população, campanhas de proteção ao meio ambiente, enfim atitudes que me levam a crer que o crescimento não devera ser desordenado…. De qualquer forma segue alguns trabalhos falando sobre sustentabilidade:Desenvolvimento Ambiental e Protecao nos EAU
Impacto ambiental
Thank you, Renata! 🙂
Oi Renata! Você fez o tratamento de fertilização?! Se sim, como foi?! Desde já agradeço sua atenção! O texto foi ótimo e respondeu a muitas dúvidas Minhas em relação a isso!;)