Mais uma vez junho chegou e trouxe as férias de verão. Isso significa que logo mais, milhões de jovens norte-americanos estarão ingressando na faculdade e começando mais um ano letivo. Com isso, aparece novamente a discussão dos empréstimos que serão adquiridos para efetuar o pagamento desses cursos e muita, mais muita dor de cabeça para os envolvidos. Calma, você já vai entender melhor o que estou compartilhando aqui.
Logo que cheguei aos EUA, sete anos atrás, durante uma conversa, ouvi um ex-colega de trabalho dizer uma frase que me marcou muito: “universidade não é direito, é privilégio”. Confesso que fiquei muito surpresa em ouvir tal comentário vindo de uma pessoa que nasceu e cresceu em um país que é considerado uma das maiores potências universitárias do mundo. Na minha inocência de brasileira recém-chegada aos EUA e naquele famoso deslumbre que boa parte dos brasileiros tem em relação à terra do Tio Sam, sempre imaginei que o ensino superior nos EUA fosse excelente e acessível para todos. Grande engano! Ele realmente é muito bom, mas não tem nada de acessível. Com o passar do tempo fui me familiarizando com as diferenças entre Brasil e EUA e entendi que, na verdade, o ensino superior norte-americano, juntamente com o sistema de saúde, é uma das coisas mais polêmicas e complicadas que existe nesses país!
Aqui não existe vestibular como no Brasil. O que chamamos de universidade pública, não tem o mesmo significado de universidade pública que existe no Brasil. Todas as universidades aqui são pagas, independente de você estudar em uma instituição dita pública ou privada. Nos EUA, quando um aluno chega ao ensino médio, começa a se preparar para os SATs (Scholastic Assessment Test), ACTs (American College Test), APs (Advanced Placement) e/ou NMSQTs (National Merit Scholarship Qualifying Test), que nada mais são que testes para avaliar aquele estudante. A partir da quantidade de pontos que o aluno atinge, ele terá uma chance maior de ser aceito em uma boa universidade norte-americana, e pode até mesmo conseguir uma bolsa de estudos. Sim, aqui nos EUA quem escolhe o aluno é a instituição de ensino, e não o contrario como ocorre no Brasil. Quem não consegue bolsa de estudos por boa pontuação (ou por ser atleta – tema para outro artigo) tem que pagar pelo curso do próprio bolso, e aí, meu amigo, a não ser que sua família seja rica ou tenha economizado uma boa poupança para pagar seus estudos, “o bicho pega”. Pega porque o valor de um curso superior, em uma universidade de médio porte nos EUA, custa mais ou menos $ 25 mil ao ano. Sim, é muito caro. E esse valor aumenta de acordo com a universidade, o local onde o aluno reside, o curso que ele faz, atividades extracurriculares, dentre outros fatores. Uma grande universidade como Harvard, considerada uma das melhores dos país, custa em média U$ 45 mil ano. Se incluirmos dormitório (comum entre alunos americanos), impostos, comida no campus, etc, esse valor sobe rapidamente para U$ 63 mil, de acordo com valores divulgados pela própria faculdade.
Em decorrência dos altos valores, algumas pessoas acabam desistindo do ensino superior. No entanto, alunos que não conseguem bolsa e não tem apoio financeiro da família para pagar a faculdade, mas ainda assim desejam possuir o diploma universitário, precisam recorrer ao que chamamos de “student loans”. Os “student loans” nada mais são que uma espécie de empréstimo que estudantes fazem, uma ajuda financeira, para que possam cursar a faculdade e pagar aos poucos depois que se formarem. De acordo com o Departamento de Educação norte-americano, atualmente, aproximadamente 20 milhões de americanos ingressam em universidades, todos os anos. Dentre esses 20 milhões, aproximadamente 60% buscam “student loans” para que possam iniciar e finalizar seus estudos.
Nos EUA existem dois tipos de “student loans”: federal e privado.
– Os “student loans” federais são empréstimos feitos pelo governo federal norte-americano, mais precisamente pelo Departamento de Educação ou pelo Federal Family Education Loans (FFEL). Neste caso, o aluno precisa estar estudando por pelo menos 20 horas semanais. Dentro dessa categoria, existe o empréstimo subsidiado e o não subsidiado. Tanto os empréstimos subsidiados como os não subsidiados são garantidos pelo Departamento de Educação dos EUA, diretamente ou por meio de agências de garantia. No caso do empréstimo feito pelo governo federal, as taxas e penalidades são mais baixas e flexíveis.
– Já os “student loans” provenientes do setor privado são diferentes. Estes são empréstimos que não são garantidos por uma agência do governo e são feitos as estudantes por bancos ou empresas financeiras. Os empréstimos privados geralmente custam mais caro e têm condições bem menos favoráveis do que os empréstimos federais. Geralmente são usados apenas quando os estudantes esgotam o limite de empréstimo estudantis federais. Eles não são elegíveis para planos de reembolso baseado em renda, e frequentemente têm condições de pagamento menos flexíveis, taxas e penalidades altas.
Vale ressaltar, ainda, que alunos estrangeiros, em alguns casos, são elegíveis para receber “student loans”. Para tanto, aquele aluno precisa ter cidadania norte-americana (ou ser cidadão de um território norte-americano como Ilhas Marshal ou Ilhas Mariana, por exemplo), Green Card, Visto T (para vítimas de tráfico de pessoas), ou status de asilado político, refugiado ou vítima de violência doméstica (VAWA). No caso de imigrantes indocumentados, o empréstimo federal não é concedido, mas ainda há a possibilidade da concessão de empréstimo através do estado onde aquele imigrante ilegal reside. Se você não se encaixa em nenhuma das categorias citadas acima, nada o impede de tentar conseguir uma bolsa de estudos através do governo norte-americano ou o de seu país de origem.
Você deve estar pensando, que não é tão complicado assim, certo? Bem, o problema dos empréstimos, é que quando o aluno se forma na universidade, ele sai com uma dívida enorme, que durará por muitos anos de sua vida. Ele tem em média seis meses para arrumar um emprego e começar a pagar a dívida adquirida. Imagine que você está no auge de seus 20 e poucos anos, recém-formado, com pouquíssima experiência profissional, e já tem uma dívida de mais de U$ 30 mil dólares pra pagar que irá te acompanhar pelas próximas décadas? Lembrando que aqui, não é comum voltar para a casa dos pais depois de se formar na faculdade. Então, acrescente nesse bolo de problemas (e dívidas) o fato de precisar pagar aluguel, comida, transporte, etc. É um pouco assustador, não é? Pois bem, aqui, essa é a realidade de milhões de jovens americanos todos os anos.
A cada ano que passa, o numero de inadimplentes só aumenta e consequentemente o valor da dívida também. Apenas em 2016, a dívida total atingiu o valor alarmante de U$ 1,4 trilhões, o equivalente a mais de 7% do PIB norte-americano. Por isso, há tanta discussão sobre o tema, e entra ano e sai ano, os líderes do governo tentam achar soluções para substituir esse sistema usado no ensino superior norte-americano, que claramente há muito tempo já não funciona. Durante a presidência de Barack Obama, muito se falou sobre o perdão a dívida de alunos que precisam pagar milhares de dólares nos próximos anos, mas isso não ocorreu. Com a troca de governo e uma nova chefia no Departamento de Educação, cabe a nós, agora, esperarmos para ver quais serão as propostas apresentadas para solucionar o problema.
Agora, amigo leitor, você deve estar entendendo porque muitos americanos dizem que ensino superior não é direito de todos e sim um privilégio, certo? Realmente, aqui, só sendo muito privilegiado para não precisar se preocupar com o pagamento de um bom curso universitário.
Ficou interessado no tema? Dá uma espiadinha aqui.
2 Comments
Desvendaste o que a maioria não sabe e se iludem como mandão do Mundo.
Obrigada por acompanhar o Brasileiras Pelo Mundo, Solon.
Abraço