Violência contra a mulher em universidades americanas e brasileiras.
A violência contra a mulher é uma realidade triste e revoltante, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, produto de uma cultura machista que permite aos homens dominar, submeter, abusar e desrespeitar as mulheres. Esse texto é parte de uma série especial do blog Brasileiras Pelo mundo que pretende trazer dados sobre a violência de gênero com a finalidade de informar e aumentar a conscientização sobre o problema. A divulgação de dados é parte da educação necessária para que possamos tanto prevenir quanto denunciar casos de violência – no Brasil, nos Estados Unidos ou em qualquer país do mundo.
Casos de estupro em universidades americanas são aterrorizantemente frequentes. Em 2015, uma pesquisa da Associação Americana de Universidades (AAU) revelou que, enquanto 18.3% das mulheres americanas sofrem abuso sexual ao longo de sua vida, 25% das universitárias americanas são abusadas durante o tempo médio de quatro anos de faculdade, o que significa que o risco de estupro é muito maior para a população feminina dentro das universidades. O programa Not Alone – “Sozinha não” – do governo americano constatou que 75% das universitárias cursavam o primeiro ou segundo ano de faculdade quando sofreram abuso sexual , e que o agressor é um conhecido, (ex)namorado ou amigo da vítima em 84% dos casos. Com vergonha e medo, apenas 5% das estudantes reportam à universidade ou à polícia o estupro ou a tentativa de estupro, de acordo com a American Civil Liberties Union (União para as Liberdades Civis Americanas). Um ponto importante revelado pela pesquisa da AAU foi que mulheres universitárias que são transexuais, gênero fluido ou não-binário e queer sofrem os maiores índices de abuso sexual.
As universidades americanas preveem a expulsão de alunos e funcionários que tentem assediar, seguir, abusar, ou estuprar outros alunos ou funcionários. Contudo, muitas vezes as universidades não investigam ou punem os agressores – e até mesmo buscam acobertar a violência, principalmente quando o agressor é um professor renomado, quando o funcionário é um técnico de algum esporte, ou quando o aluno é parte de um time esportivo. Um documento do governo americano constatou que, das 440 universidades avaliadas, mais de 40% apresentavam irregularidades no encaminhamento de processos de abuso. O documentário The Hunting Ground (O território de caça) trata de casos de estupro em universidades americanas e de como muitas instituições falharam em buscar justiça. Lady Gaga, que é sobrevivente de estupro, gravou a música Till it happens to you (Até que aconteça com você) para ser trilha do documentário.
Na universidade em que eu faço doutorado, The Ohio State University (OSU), uma pesquisa conduzida pela própria universidade em 2014 revelou que, somente naquele ano, 38% das estudantes foram beijadas à força ou tocadas em partes sexuais sem seu consentimento, 10% sofreram tentativa de estupro e 8% foram estupradas, sendo que 95% destas não reportaram o estupro. Eu já havia tido treinamento da OSU especificamente sobre assédio e abuso sexual quando comecei o doutorado, mas depois dessa pesquisa a universidade passou a obrigar nós, professores, a reportar qualquer ato ou comportamento suspeito de um estudante sob o outro. Além disso, tivemos todos que fazer um curso explicando o que é consentimento (capacidade de escolher) e que quando alguém não é capaz de consentir (por exemplo, está bêbado, drogado, inconsciente, é portador de deficiência), o contato sexual com esta pessoa é estupro; o que é machismo (na OSU, criar uma atmosfera constrangedora ou abusiva, seja com piadinhas ou comentários, é proibido!), e como relatar e o que fazer no caso de assédio ou abuso.
Já no Brasil, os números da violência contra a mulher em universidades podem ser bem maiores. Dados da população geral são estarrecedores: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2014, mais de 47 mil mulheres foram estupradas no Brasil, e a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no país – contudo, a grande maioria dos casos jamais chega à polícia, estimando-se que apenas 35% deles resultem em ocorrência nas delegacias brasileiras. Uma pesquisa encomendada pelo Instituto Avon ao Data Popular coletou dados de 1.823 universitários e revelou que 67% das alunas sofreram algum tipo de violência na faculdade – 28% sofreram violência sexual, 56% sofreram assédio sexual por alunos, funcionários e professores, 52% sofreram agressões morais e psicológicas, e 10% sofreram violência física. Recomendo ler os detalhes dessa pesquisa aqui. Escândalos de abuso e estupro atingem inclusive as universidades brasileiras mais prestigiosas: inúmeros casos que a USP tentou silenciar vieram à tona graças à organização de coletivos feministas e culminaram na formação de uma CPI para apurar a violência contra a mulher na universidade, especialmente na Faculdade de Medicina.
Se você está nos Estados Unidos e precisa de ajuda, ligue para o número de emergência 911, para 800.656.HOPE (4673), que é uma linha telefônica apenas para ajudar vítimas de violência sexual e denunciar casos e agressores, ou para 1-800-799-7233, uma linha telefônica para vítimas de violência doméstica.
Se você se encontra na mesma situação no Brasil, disque 180 para falar com uma equipe de atendimento à mulher ou vá até a delegacia mais próxima (de preferência uma delegacia da mulher; veja uma lista aqui) e registre um boletim de ocorrência. O telefone 180 também serve para brasileiras no exterior e conta com auxílio das embaixadas brasileiras e o Ministério da Justiça.
Se você sabe de alguém que sofreu abuso, denuncie! Quem não ajuda a vítima, necessariamente ajuda o agressor! Estamos todas juntas pelo fim do machismo e da cultura de estupro! E lembre-se: o estupro NUNCA é culpa da vítima – não há roupa, atitude, não há lugar, não há NADA que justifique essa violência!
2 Comments
Bom dia
Trabalho numa empresa bastante machista, onde as piadas, comentários machistas e falta de respeito com as mulheres em geral são parte da “cultura” . “Aqui é assim”, “eles são assim” é o que sempre escutei. Tento explicar, ou argumentar , mas percebo que essa conversa é extremamente difícil pq as próprias mulheres aceitam esse comportamento por parte dos homens! Elas acreditam que se são assediadas é porque são bonitas e quem não é, é feia (ou qualquer outro adjetivo). Quem reclama do assédio pode ser qualificada com coisas do tipo “não gosta da “coisa”” ou não “gosta de homem” e por aí vai…
Acho interessantíssima a abordagem desses assunto em qualquer local, seja de trabalho ou seja de estudo.
Parabéns mais uma vez Paula, sempre nos ajudando e também ao BPM por seus textos sempre relevantes.
Muito obrigada, Leila!
Tenho sugerido às mulheres queridas da minha vida que juntem provas como emails, conversas gravadas, qualquer coisa, e processem as empresas ao mudarem de emprego. É muito comum ainda na sociedade brasileira assédio, abuso, e tratamento injusto de mulheres no ambiente de trabalho. Só de estares conversando com as pessoas já estás sendo uma luzinha no teu ambiente de trabalho – parabéns! Quanto menos nos calarmos diante dessas situações e mais nos ajudarmos, mais perto estaremos de alcançar um futuro melhor para as meninas das gerações mais jovens.
Obrigada pelo seu comentário e tudo de melhor pra você!
Paula