No que diz respeito a direitos humanos e direitos da mulher, são poucos os temas que causam tanta polêmica ou divisão de opiniões quanto a questão da descriminalização do aborto.
Sem entrar no mérito de minha opinião pessoal, escolhi discorrer sobre como o tema é tratado na Finlândia, considerando as discussões recentes sobre o assunto no Brasil.
Importante enfatizar que, apesar de previsto como um direito em lei, a prática do aborto na Finlândia é considerada uma das mais baixas dentre os países onde o procedimento é legalizado. Dados oficiais de 2013 apontam que o número total de abortos induzidos realizados no país foi de 10.120, considerando todos os casos que a lei especifica.
O processo que levou a descriminalização do aborto na Finlândia teve início nos anos 50. Até 1950 o procedimento não era permitido. Da década de 50 até 1970, optou-se pela legalização nos seguintes casos:
– preservar a sanidade mental ou física da mãe, após um cauteloso diagnóstico médico;
– se a mulher tivesse idade inferior a 16 anos de idade;
– malformação do feto;
– se a gravidez fosse fruto de estupro.
Durante a década de 60, o ”Movimento de Libertação da Mulher” lutou para a constituição de uma lei específica de descriminalização do aborto que fosse mais abrangente. Em 1970 a lei finalmente foi promulgada, abarcando um número maior de casos. Em 1985, foram feitas as emendas à lei.
I. A gravidez pode ser interrompida a pedido da mulher e em conformidade com as disposições desta Lei:
1) se a continuação da gravidez ou parto puserem em perigo sua vida ou saúde por conta de uma condição médica grave ou por questões físicas;
2) se dar a luz e cuidar de uma criança forem fatores de pressão considerável sobre ela, tendo em conta suas condições de vida, situação familiar, psicológica e outras circunstâncias;
3) se a gravidez se der por meio de violência sexual;
4) se no momento da concepção a idade era inferior a 17 anos ou superior a 40 anos de idade, ou se já tinha quatro filhos;
5) se houver razões para crer na malformação do feto ou que a criança sofrerá de desabilidade mental ou desenvolverá condição médica grave;
6) se uma doença, distúrbio mental ou outra causa comparável, afetando um ou ambos os pais, limitar seriamente a sua capacidade de cuidar da criança.
II. Antes de uma gravidez ser interrompida, a mulher que pede pelo procedimento deve ser informada sobre todos os efeitos possíveis resultados do aborto, além de receber informação sobre contracepção, afim de evitar uma futura gravidez indesejada.
III. Um aborto não pode ser realizado após a décima segunda semana de gestação, salvo em casos comprovados de doença ou desabilidade física na mulher ou no feto. Nestes casos, além de laudo detalhado escrito por no mínimo dois especialistas, uma junta médica designada pelo Conselho Nacional de Saúde deverá julgar o caso.
Ao fazer o pedido oficial de interrupção da gravidez pela razão descrita no ítem número 2 de I, que basicamente abre precedentes para que qualquer mulher possa interromper a gravidez se assim desejar, esta deverá submeter-se a uma reunião com um assistente social da cidade e um psicólogo, que a orientarão sobre outras possibilidades. É possível, por exemplo, receber ajuda financeira e um apartamento pagos pela cidade para que ela possa viver com a criança, caso não possua condições financeiras de sustentá-la . Há casos também em que é dada a opção de que a criança seja cuidada por uma família voluntária por um período que será determinado pela justiça, de acordo com o caso.
A questão científica pode não ser aceita para os que acreditam, por razões religiosas ou espirituais, que a vida começa a partir da concepção. No entanto, a ciência estipula um parâmetro baseado em anos de estudos cautelosos e minuciosos, de quando o feto se torna efetivamente um ser-humano. Nada é feito de forma arbitrária ou descuidada. Um estado verdadeiramente laico considera o parâmetro científico na hora de estabelecer suas leis.
Observação: Não julguei necessário traduzir a lei completa, com as emendas e especificidades de cada sessão; no entanto, para os que assim desejarem, o texto completo pode ser lido em língua inglesa aqui.
Veja aqui o Histórico oficial de abortos realizados na Finlândia.
9 Comments
Parece-me razoavel.
E acrescento: Antes do aborto ser feito, a paciente passa por 3 consultas psicologias, nas quais o médico deixa claro as consequencias do aborto. Fisicas e emocionais.Passei por esse processo. Não abortei, mas fui intérprete em um processo. Pude acompanhar o desenrolar da coisa.
Me lembro de você me explicar como o processo era feito há um tempo. Foi me baseando nesta nossa conversa que pesquisei e escrevi o penúltimo parágrafo antes da observacao. Muito obrigada por dividir a informacao comigo e agora com todos nós, querida Ayla.
Me lembro de você me explicar como o processo era feito há um tempo. Foi me baseando nesta nossa conversa que pesquisei e escrevi o penúltimo parágrafo antes da observacao. Muito obrigada por dividir a informacao comigo, querida Ayla.
Discussão muito importante e que abrange muito a realidade brasileira. Concordo com a descriminalização, porém penso que, da mesma forma que querem fazer com a maconha, e não têm estrutura para tal, c o aborto seria o mesmo. Para tomar atitudes como essa, o próprio Estado tem que estar preparado e a sociedade tem que ser menos ignorante, desinformada e interessada nos assuntos que lhe dizem respeito. Para tal atitude ser levada à sério, como foi na Finlândia, deve-se ter todo um aparato na rede pública de saúde, incluindo infraestrutura, bem como profissionais à altura dessa decisão. Psicólogos, assistentes sociais, médicos, etc. Boa discussão nos dias atuais. Parabéns!
Nem sempre é assim… são casos e casos! Nem sempre tem esse psicologo!
Sim Lu, segundo a lei, a necessidade do psicólogo se dá dependendo do caso, se a razão para o aborto estiver no ítem 2 da sessão I do texto: “se dar a luz e cuidar de uma criança forem fatores de pressão considerável sobre ela, tendo em conta suas condições de vida, situação familiar, psicológica e outras circunstâncias.”
Faltou informar que o aborto não pode ser feito em qualquer momento da gestação, há um limite. Na maioria dos casos acho que é nas 20 semanas (veja bem, ACHO! a ser pesquisado!).
Olá! Obrigada pelo comentário, mas está no item 3: “III. Um aborto não pode ser realizado após a décima segunda semana de gestação, salvo em casos comprovados de doença ou desabilidade física na mulher ou no feto. Nestes casos, além de laudo detalhado escrito por no mínimo dois especialistas, uma junta médica designada pelo Conselho Nacional de Saúde deverá julgar o caso.”
Na verdade, a interrupção por desejo da mulher, sem necessidade de justificativa é até este momento somente. No caso de problemas com o feto, o recomendável é que seja feito até a vigésima semana, mas pode ser feito em qualquer momento da gestação, caso esta represente risco de vida para a mulher. Um abraço!