Com a volta às aulas no mês de setembro, entrou em vigor o novo currículo nacional para o ensino fundamental da Finlândia. Tive o prazer de participar de alguns seminários organizados com o intuito de apresentar a “nova escola” finlandesa. Contarei um pouco sobre o que aprendi, mas peço que busquem por mais informações, pois esse assunto é impossível de ser discutido em sua completude por aqui.
Esta é a quarta reforma educacional já realizada e a mais radical até então. Todas as mudanças que serão implementadas tornarão a educação na Finlândia consideravelmente diferente de todos os outros países. A justificativa para mudanças tão radicais é a realidade vigente do mundo globalizado, que transformou e continua a transformar a sociedade de tal forma, que a maneira tradicional de ensinar e aprender não funciona mais.
Apesar de grande parte dos pais e professores serem favoráveis às mudanças, há um número de pessoas que se diz cética a respeito da aplicabilidade delas, principalmente por conta de o governo ter realizado cortes orçamentários consideráveis em educação, em virtude da atual crise econômica. Os que são contra não acreditam que o governo terá condições de pagar a conta da reforma e alegam que só as cidades maiores terão condições de se adaptar. Teme-se que a falta de possibilidade de grandes investimentos nas cidades menores irá prejudicar uma das maiores conquistas do sistema: sua equidade.
O governo alega que existe uma estratégia, que tudo vem sendo planejado há anos junto a professores e aos maiores especialistas em educação do país. Estes, por sua vez, declararam que o período de adequação ao novo currículo muito provavelmente tirará a Finlândia do topo do ranking PISA. No entanto, tendo em vista que o PISA avalia a educação de maneira tradicional e bem diferente do que o novo sistema propõe, isso não será uma preocupação. Pasi Sahlberg, um dos maiores experts em educação do país diz:
“A importância de rankings como o Pisa no pensamento finlandês é bastante insignificante. Eles são vistos como uma espécie de verificação de pressão sanguínea, nos permitem considerar, ocasionalmente, a direção para onde estamos indo, mas não são um foco permanente. As decisões relacionadas à educação não foram tomadas de acordo com as classificações no Pisa. O fator essencial é a informação que as crianças e os jovens vão precisar no futuro.”
Entendendo o sistema
O currículo-base para o ensino fundamental da Finlândia se desenvolve a partir de três bases principais: um currículo nacional, currículos municipais e o currículo da escola.
Ele não estabelece regras referentes a metodologias, materiais, nem à aplicação do conteúdo. Seu objetivo é servir como um guia para direcionar o desenvolvimento do ensino e do aprendizado, sem intervir na liberdade dos professores. Desde os anos 70, a cada 10 anos ele é revisto e reformado, tendo por base estudos dos resultados atingidos pelos alunos do último ciclo de 9 anos do ensino fundamental. Todas as reformas consideram necessidades e pedidos das crianças, dos professores e responsáveis.
Avaliação
Na Finlândia, a avaliação não é feita somente por notas de testes e provas. O professor considera o desenvolvimento do alunos no dia a dia e faz pareceres que enfatizem os talentos e pontos mais fortes da criança. Há também comunicação constante com os pais, que são estimulados a participar ativamente do processo.
Mas, afinal, quais serão as grandes mudanças na educação?
1. O papel do professor
Aprender não será mais baseado somente no ensino expositivo e como ensinar partirá sempre da pergunta: “Como se aprende?”
Realizou-se uma reforma pedagógica que repensou as competências, o papel do professor e a cultura escolar. Decidiu-se que, a partir de agora, o professor não será somente um “transmissor de conhecimento”, mas terá a função de moderador.
As classes serão dividas em grupos que aprenderão a partir do desenvolvimento de projetos. Os assuntos trabalhados serão escolhidos pelos próprios alunos, que poderão decidir como querem desenvolvê-los. O professor oferecerá temas variados dentro do programa e todas as ferramentas necessárias para a pesquisa. Ele deverá monitorar, coordenar, tirar dúvidas e mostrar caminhos.
2. Interatividade, digitalização e tecnologia
Pretende-se difundir o uso dos tablets para que haja liberdade de pesquisa. Os alunos também poderão usar a biblioteca à vontade durante a aula e terão acesso a diversos tipos de materiais.
Matérias e assuntos que tenham conteúdo mais expostivo serão ministradas de maneira a estimular a interatividade. Ex: com jogos, quadros inteligentes etc.
3. Multidisciplinaridade e ensino baseado em fenômenos
Não é verdade que a Finlândia abandonará o sistema de divisão de matérias e adotará somente o ensino multidisciplinar baseado em fenômenos. O currículo estabelece que as escolas deverão realizar no mínimo UM projeto multidisciplinar por ano, que será decidido em conjunto com os alunos, baseado em suas curiosidades. As escolas terão liberdade para realizar projetos desse tipo até 7 vezes ao ano, de acordo com suas possibilidades.
4. Plano de estudos
Um dos projetos prevê que as crianças tenham liberdade para construir um plano de estudos baseado em suas preferências. O plano de aulas será composto por algumas lições obrigatórias, que terão uma carga-horária estabelecida de acordo com o mínimo necessário, e por matérias eletivas, dando espaço para que a criança construa um currículo mais personalizado.
4. Novas matérias
”Vida em trabalho”, ”vida em comunidade”, economia doméstica, tecnologia da informação (incluindo aspectos de codificação e inteligência artificial).
Matérias que já existiam, porém numa carga-horária reduzida, como carpintaria, costura, música, trabalhos manuais e artes, terão seu oferecimento intensificado.
Os alunos serão estimulados a aprender fora da escola também por meio de passeios, aulas ao ar livre, em museus, florestas e diversos lugares. Haverá liberdade para que todas as áreas da escola sejam aproveitadas.
O vídeo abaixo mostra um pouco do que já está sendo feito:
Existe a consciência de que levará tempo para que todas as mudanças sejam implementadas. Acredita-se que em 4 anos será possível realizar as princiapis. Em Helsinki, no momento, 60 escolas desenvolvem projetos-piloto que serão constamente avaliados. Há cerca de 71 projetos em andamento (leia mais aqui). Alguns deles:
- Escola baseada em fenômenos: várias disciplinas serão naturalmente combinadas. Os fenômenos são analisados em conjunto.
- Escola e portfolio: utilizará materiais eletrônicos de aprendizagem em maior quantidade do que livros em sala de aula.
- Escola sem carteiras: os espaços de aprendizagem serão decorados com um design moderno. O ambiente global de aprendizagem se expandirá por todo o prédio da escola e pela vizinhança.
- Escola menos escola: a aprendizagem não será organizada com aulas tradicionais e nem com horários pré-estabelecidos para as classes, mas por meio de oficinas ou projetos.
A estrutura da formação dos professores na Finlândia é um grande possibilitador dessas mudanças. Em geral, eles estudam tanto tempo quanto um médico. Todos são obrigados a concluir mestrado e o programa de formação envolve psicologia e capacitação para se detectar problemas de aprendizagem, além de se trabalhar com alunos especiais que tenham condições de conviver com as outras crianças. São preparados para lidar com ambientes diversos e com o tempo diferente de cada aluno.
Como expliquei no início do texto, esse é um assunto muito complexo e novo, ainda sem resultados permanentes. Há diversos artigos pela net, recomendo dois: um em português e outro em inglês.