Infelizmente, desde que vim morar no Peru, fui a alguns velórios de pais de amigos. Nessas ocasiões a sociedade peruana se mostra muito apegada a todos os ritos e cerimônias. É uma oportunidade interessante do ponto de vista sociológico, porque são nesses momentos que a gente de fato começa a se interar da cultura local. E a maneira com que um povo lida com os seus mortos reflete as suas características sociais.
Os antigos peruanos – pré-incas e incas – tinham todo um ritual de exumação do corpo e celebrações que incluíam sacrifícios de animais, colocando, no túmulo, alimentos, utensílios e jóias para acompanhar o falecido e não lhe faltar nada na outra vida.
A sociedade peruana atual, em geral, é bem conservadora e ligada ao catolicismo, e isso se vê na presença e importância dos ritos católicos nos funerais. A Igreja que está presente é aquela do bairro que é freqüentada pela família e, o padre, o mais íntimo, assumindo grande papel com a realização de missas durante o velório e póstumas.
O velório, ritual de despedida, é realizado muito comumente na própria casa do defunto, onde passa-se toda a noite na sala, com o ente querido que faleceu, depois de o corpo ter passado por autópsia no Instituto Médico Legal e de ter sido preparado pela funerária.
Esse ritual de despedida feito em casa sempre é acompanhado de orações, intercaladas com muita comida e também bebida alcoólica. Sempre começam servindo bolacha salgada e café, seguido de um jantar que permite aguentar toda a noite; nas madrugadas, se oferecem bebidas alcoólicas como pisco, rum ou uma mistura de uma espécie de aguardente com chá de coca que chamam de calientito. Já quando está amanhecendo, para o café da manhã é oferecido um caldo de galinha. E assim ficam todos, desde o dia anterior, rezando, comendo e bebendo juntos, até o enterro. Não se movem dali para nada. São muito leais e companheiros na hora da dor da partida.
As missas póstumas são duas, uma depois de sete dias e outra depois de um mês de falecimento e, logo depois das missas, todos vão à casa da família do falecido. A casa fica repleta de gente e espalham cadeiras encostando em todas as paredes, contornando toda a casa. Os familiares correm para servir bebidas a todos e, nessa hora, sempre está presente o vinho local, que é bem doce e servido em copinhos bem pequenos, mas que não param de chegar, e muita cerveja.
Ao entrar na casa já se sente o cheiro da salada criolla, feita com rodelas de cebola cortadas bem fininhas e temperadas com limão, sal e cheiro verde. Oferecem, de entrada, sopa ou tamal, uma espécie de pamonha salgada típica daqui, porém a espera e a ansiedade estão no prato que é servido individualmente já da cozinha, que vem sempre com frango ou um peru assado, arroz, salada criolla, batata e molho de pimenta, tudo em bastante quantidade.
Os funerais, no interior, são ainda mais cheios de gente e de comida. Há casos em que chegam a matar um carneiro inteiro para oferecer aos amigos e familiares presentes. Uma banda de músicos acompanha o enterro. São intermináveis.
Todos os rituais da sociedade peruana são sempre acompanhados por uma enorme quantidade de comida, que sempre vem servida no prato montado na cozinha pelas mulheres da família. No Peru, ninguém se serve e sim, é servido. E apesar de ter renomados chefes homens no país, como Gastón Acurio e Virgilio Martinez, ganhadores de prêmios pelo mundo, quem manda na cozinha da família é a mãe, a tia, as mulheres mais idosas, mas sempre respeitando a dona mais antiga.
Existem senhoras mais idosas que se vestem de preto por um ano depois do falecimento do marido, do pai, do tio ou de algum familiar mais próximo. Não podem dançar ou ir a festas. Ficam recolhidas durante um ano para, enfim, se verem livres do peso da viuvez. São cobradas por isso. Eu me lembro que uma senhora me disse que não podia dançar porque não ficava bem aos olhos dos outros, pois ainda não havia passado um ano do falecimento do seu esposo. E me contou também que não se varre a casa nos primeiros sete dias.
No Peru, a morte é muito presente, desde as escavações para recuperar e contar sobre a vida dos pré-incas e incas às Catacumbas, cheias de ossos de gente rica que falecia e pagava seu espaço no céu, sendo enterrada na Catedral ou na Igreja de São Francisco. Hoje, tanto as Catacumbas quanto a igreja são parte de passeios turísticos, contando até com um tour noturno chamado Noches de Luna LLena em um cemitério, Presbítero Matías Maestro, que tem 200 anos de memória e está cheio de personalidades históricas.
No dia 2 de novembro se celebra o dia dos finados. É muito comum levarem a comida preferida, flores, um pão em forma de bebê que, em quíchua, se chama Wawa tanta, e colocam tudo no túmulo do ente querido. Levam bebida alcoólica e tem bandas de música nos cemitérios, fazendo-se festa para os mortos.
E assim se convive com a morte: com lágrimas, anedotas, rezas, comendo bem e bebendo. Isso é Peru!
Para finalizar, deixo pra vocês um ditado peruano de Manuel Gonzáles Prada:
‘Jóvenes a la obra, los viejos a la tumba’