A minha mãe costumava assinar a revista Caminhos da Terra, que acho teve grande influência sobre o fato de eu gostar tanto de viajar. Em um dos números veio uma reportagem especial sobre os Masai, no Quênia. Nunca esqueci daquelas páginas avermelhadas e da beleza das fotos, o que me despertou uma enorme vontade de conhecer a África.
Ainda não conheci os Masai, mas já coloquei meus pés no continente – um ótimo começo. No entanto, o que eu não imaginava enquanto folheava as páginas daquela revista eram as inúmeras etapas do processo de adaptação pelos quais precisamos passar em qualquer país, mas em especial naqueles em que serviços básicos são tão precários.
A adaptação em Acra foi difícil nos primeiros 6 meses, porém relativamente fácil se pensarmos em quem trabalha nos vilarejos interioranos, distantes dos centros urbanos. A capital de Gana é bem servida em termos de restaurantes, farmácias, hospitais e clínicas privadas, centros comerciais e supermercados. Vale ressaltar que a Acra que retrato aqui é baseada na rotina de um expatriado, portanto, muito diferente do dia a dia da maioria dos ganenses. Fica o desafio de compreender na sua profundidade o que é de fato viver em Gana. E talvez por isso eu ainda busque constantemente por desafios maiores (e mais realistas) na minha carreira.
Moradia
Na minha busca por aquela experiência mais “realista”, decidi alugar um quarto simples em uma zona mais afastada do centro, relativamente barato para os padrões de expatriado locais, 500 dólares mensais, em Tsa Ado. A casa possuía quatro quartos, duas cozinhas e no primeiro andar vivia uma família ganense. Omito as identidades, mas quem alugou me garantiu que até o fim do mês seriam instalados ar condicionado, gerador de energia e geladeira. Ótimo, não via a hora de sair do hotel e iniciar minha vida ganense – era fevereiro de 2014. Doce ilusão. Lá se vão dois meses, promessas não cumpridas e os problemas de queda de energia elétrica em Gana vão se agravando (o famoso Dumsor). A equação é simples: ausência de gerador + umidade e calor, sem ar condicionado = mosquitos (e o medo da malária). Para piorar, não havia água encanada. Mas a melhor parte é que os banhos de balde nos ensinam muito sobre como economizar água e desenvolver estratégias para lavar o cabelo – quer alegria maior que conseguir usar só 1/4 de balde no seu banho? Reflita.
Com o tempo, aprendi a conhecer melhor a cidade e a comparar preços justos versus qualidade. Farta dos baldes, resolvi me mudar – era abril de 2014. Depois de idas e vindas e hospedagem na casa de amigos, finalmente em setembro de 2014 me mudei pra minha nova casinha com gerador e água encanada. Por detrás da história, existem fatos preocupantes. O mercado imobiliário em Acra vive em uma espécie de bolha, com preços altíssimos de aluguel e uma oferta crescente de condomínios de luxo. O aluguel de um apartamento mobiliado e com dois quartos no centro de Acra, em Osu, pode chegar a 2.500 dólares mensais. E como agravante, os proprietários exigem adiantamentos de um a dois anos de aluguel! O Rent Act proíbe adiantamentos de mais de seis meses, mas não há observação prática e muito menos serviço de proteção ao consumidor no país. Adicione ao aluguel a comissão dos agentes, um mês de depósito e taxas de serviço, e a sensação de boas-vindas se vai.
Paradoxalmente, mas reflexo de uma sociedade desigual e da falta de investimentos públicos em planejamento urbano, grande parte da população de Acra vive em áreas sem saneamento básico, coleta de lixo, pavimentação e transporte público.
Alimentação
De forma geral, o padrão alimentar em Gana não é muito diversificado e há alto consumo de mandioca, milho, inhame e batata doce. Como fontes de proteína, peixe e frango. Não entro em detalhes sobre a culinária ganense, mas apresento alguns pratos que conheci por aqui. O que eu acho fascinante é como as cozinhas ganense e brasileira (pelo menos a capixaba que conheço) são tão parecidas, mas o modo de preparo dos alimentos é totalmente diferente.
Para quem gosta de frutas, não perca seu tempo indo a supermercados, onde você encontrará nectarinas, uvas, morangos, ameixas, às vezes cerejas, só que a preços absurdos devido à importação e nada frescas.
Valorize as senhoras que montam estande à beira da estrada ou em frente ao seu escritório. Garanto que encontrará as bananas mais saborosas da vida, mangas lindas, abacates, laranjas e abacaxis super doces. Os mais empreendedores vendem saladas de frutas já prontas – o que me faz lembrar de Brasilia e dos vendedores na Esplanada, numa verdadeira orgia de frutas, leite condensado e leite em pó pronto para levar.
Se estiver preso no trânsito, nada incomum por aqui, pode aproveitar e comprar plantain chips (bananas da terra fritas), pão, água, créditos de celular e mais frutas – e admirar a habilidade das senhoras que equilibram seu negócio sobre suas cabeças.
Restaurantes de cozinha internacional estão por toda Acra, o que ajuda a variar de vez em quando. Tailandês, italiano, turco, libanês, francês, etíope e japonês. Mas digo sempre que vale a pena experimentar o Chez Clarisse, o marfinense atrás do Shoprite e o Tasty Jerky. A tilápia é muito saborosa e temperada, a salada com abacate é feita com muito cuidado e o kenkey (massa feita de milho fermentado embrulhado em folhas de milho, usualmente consumido com molhos e sopas) é uma delícia. Como comemos com a mão (direita, please!), haverá sempre um recipiente com água e sabão na mesa.
Nada melhor que a visita a um mercado local para entender mais da cultura alimentar. Em Acra, o lugar de referência é o Makola. Ou então descobrimos pequenos mercados semanais em algumas áreas, como o orgânico ao lado da Embaixada dos EUA, todo sábado. Em Kumasi, situada na região Ashanti, o mercado central, também chamado de Kejetia, é considerado o maior mercado da África Ocidental com mais de 10 mil lojas. Encontra-se de tudo, desde comida a roupas e sapatos.
É claro que dá muita saudade da comida de casa. E a primeira coisa que peço para minha mãe preparar quando vou de visita é o clássico feijão e arroz. Mas aos poucos a vida por aqui vai se normalizando e a gente se acostumando com os novos sabores. Só precisamos ser abertos ao novo, flexíveis ao diferente e integrados à comunidade brasileira local.
10 Comments
Você tá mandando muito bem nos relatos!
Adorei, de novo, Lorena! Muito corajosa, você, tiro o meu chapéu! Continuarei acompanhando seus posts.
Que lindo seu relato! Fiquei encantada com sua coragem e olhar sensível. Estou ansiosa para ler mais sobre sua experiência em Gana.
Lorena td bem?
Adorei seu post. Estou de mudança pra Accra e de peito aberto…. mas de vezvem quando bate bate o coraçao e fica um medinho la no fundo….
Sou cabeleireira e tenho um salao de beleza em BH… como é este mercado em Accra?
Abs
Vou para gana em novembro .e gostei muito dos seus relatos
Lorena tudo bem?
Amei ler tdo que vc passa em Acra Ghana….conheço uma pessoa muito importante na minha vida….já flo com ele 1ano e meio…um africano muito bom de coração, moro no Brasil mais tenho loucura pra ir embora mora ai…só que nunca viajei na minha vida…a passagem pra é muito cara? Por favor me responda…quero me organiza…. Linda beijos Deus te abençoe…aguarda anciosa beijos????????
boa tarde, gostaria de perguntar pra lorena ou pra quem mora em gana e conhece mais a fund sobre o pais, pois tem uma pessoa proxima que pretende casar com um ganense, porem, estou preocupada sobre a pessoa e sobre o pais, agradeço, favor responder no privado, celiaangel21@yahoo.com.br
Olá Celia,
A Lorena Braz parou de colaborar conosco e, infelizmente, não temos outra colunista morando no país.
Obrigada,
Edição BPM
Estou pretendo ir a Gana. Especificamente para Acra.
Sou brasileiro e moro em Natal-RN.
Compromissos comerciais. Tenho dificuldades com o idioma.
Posso contar com ajuda de brasileiro que possa me acompanhar por 3 dias!?
Olá Jair,
A Lorena Braz parou de colaborar conosco e infelizmente, não temos outra colunista morando no país.
Obrigada,
Edição BPM