Desde que iniciei o meu projeto social na Índia, o Project Três, dentre todas as dúvidas ou curiosidades vindas de diversas pessoas, uma que muito me chama a atenção e aparece de forma recorrente é quando me questionam porque eu comecei um projeto de impacto social na Índia em vez de no Brasil.
O que mais surpreende nessa pergunta não é quando ela vem conectada com um simples ar de pura curiosidade de fato e sim, quando vem associada à falta de empatia de um modo geral com as pessoas no mundo.
Eu tenho um milhão de motivos pelos quais iniciei meu projeto aqui. O primeiro, que obviamente não é o mais importante, porém que com certeza eu devo citar de antemão, é o simples fato de que isso foi o que eu quis e pronto.
Muitas vezes quando a gente ouve a respeito de trabalho social a gente associa esse tipo de atividade a um grande sacrifício de sua vida própria, que muitas vezes acontece, de fato; o que todo mundo esquece de citar é que por trás de cada ativista ou empreendedor social existe um ser humano, assim como qualquer outro, que tem seus próprios sonhos, desejos e vida pessoal, independentemente da “missão” que tenha para seguir.
A Índia é o país com a segunda maior população mundial. Nessa população de mais de 1 bilhão de pessoas está inserida 33% de toda a pobreza mundial, de acordo com a ONU. Mais de 120 mil mulheres sofrem abusos por parte de maridos ou familiares todos os anos – essa estatística é baseada apenas nos casos denunciados – e mais de mil mulheres são vítimas de ataques de ácido ao ano, prática essa que nem temos conhecimento a respeito no Brasil.
Quando eu decidi trabalhar com mulheres em situação de vulnerabilidade e eu iniciei esse processo pela Índia, o fator preponderante foi a ideia de, primeiro, iniciar um projeto sem interferências de pessoas querendo me ajudar ou favorecer de qualquer modo (caso eu realizasse no Brasil) e, segundo, porque eu gostaria de também me inserir na realidade dessas mulheres e entender de uma perspectiva interna e sem preconceitos todas as questões que deveriam ser levadas em conta ao tentar mudar a realidade dessas pessoas.
A sensação que eu tenho é de que a xenofobia, seja ela como forma de exclusão de pessoas de diferentes nacionalidades ou regiões, é algo extremamente surpreendente pra mim. Apenas pelo fato de você imaginar que o que deve te levar a ajudar alguém é a sua conexão regional ou de sangue, ou de proximidade cultural, é realmente algo que não faz parte do meu comportamento. Quando eu inicialmente pensei a respeito do projeto a ideia era fazer uma pesquisa por alguns meses na Índia, voltar ao Brasil e iniciar algo mais aprofundado lá.
Após alguns meses vivendo aqui e tendo de fato uma visão interna dos problemas enfrentados pelas mulheres locais eu percebi que no Brasil, mesmo que com uma criminalidade muito maior e obviamente um altíssimo índice de violência contra a mulher, as mulheres ainda têm uma voz. Na Índia, essa voz é quase nula. Os absurdos aos quais elas são submetidas por décadas em relacionamentos abusivos são inimagináveis. A sociedade indiana, assim como no Brasil, funciona de maneira patriarcal, mas a grande diferença aqui é que toda vez que uma mulher resolve se colocar fora daquela situação de extremo desconforto, geralmente a sua família não a apoia, fazendo com que na grande maioria das vezes as mulheres simplesmente continuem vivendo aquele abuso.
Quando eu cheguei na Índia, em novembro de 2015, eu não conhecia ninguém e muitas pessoas me instruíram a me mudar para Goa, área onde eu desenvolvi o projeto inicialmente, já que essa região é muito visitada por turistas e as mulheres estariam mais abertas a aceitar a minha ajuda.
Eu comecei perguntando em diferentes lugares a respeito de mulheres em situações de vulnerabilidade e depois de um mês eu tive meu primeiro contato com Farida, a primeira mulher a integrar o projeto. Todos os desafios que envolvem se conectar com uma pessoa e pedi-la para acreditar em você e compartilhar suas experiências são situações que eu nunca vou conseguir descrever. Somado a isso, imagine você ser de uma cultura diferente com um projeto que envolve questões como sustentabilidade e reciclagem, pontos também inexplorados na Índia. A gratidão que eu encontro todos os dias ao desenvolver esse projeto com pessoas inseridas em uma realidade tão inimaginável e distante da minha própria vivência é a prova de que a empatia realmente é a chave para a conexão entre as pessoas no mundo e, definitivamente, o remédio que estamos precisando para driblar todas as doenças presentes na atual sociedade global.
Resumindo, gostaria de deixar aqui pra você o recado: se o seu desejo é sair da sua zona de conforto para ajudar alguém e fazer alguma diferença no mundo, saia, mesmo que seja em outro país. Se tiver vontade de ficar no Brasil e organizar seu projeto por lá, faça-o. O importante é que você dê ouvidos à sua voz interior, aquela que alguns chamam de deusa, e deixe que ela direcione seus passos para o que você achar melhor, o que vai fazer mais sentido na sua vida e que vai se juntar perfeitamente com os seus objetivos pessoais. Temos problemas no Brasil? Sim, mas também temos muita gente competente e disposta a fazer a diferença no país, mesmo, lutando contra os mais diversos obstáculos. Porém, se a sua vontade é de realizar um projeto de caridade no exterior e você realmente tiver essa chama dentro de você, vá e faça, ainda que receba muitas críticas. O que conta de verdade é fazer o bem, não importa a quem – e nem onde.
Vamos amar o nosso semelhante, seja no Brasil ou na Índia, porque é disso que o mundo precisa: amor!