Mudar para um outro país não significa apenas adaptar-se a uma nova culinária e a uma nova cultura, significa também, adaptar-se ao funcionamento de novas regras sociais.
No texto de hoje, vou explicar para vocês algumas das diferenças cotidianas e burocráticas do dia a dia de um francês e, inevitavelmente, compará-las com as de um brasileiro. Confesso, que no início achei tudo muito estranho, mas hoje já estou completamente adaptada. Dito isso, gostaria de lançar a questão: o que significa primeiro mundo para vocês? Avanços tecnológicos? Hábitos? Qual critério utilizar? Leiam o texto abaixo e tirem suas próprias conclusões.
Gostaria de começar falando sobre algo que já é quase inexistente no Brasil e aqui na França ainda é um dos principais meios de pagamento. Alguém se arrisca? Não?
Pois é, aqui na França ainda usamos e muito o tal do cheque! É super normal ver as pessoas “passando” um cheque no mercado, na feira, para pagar conta de luz, conta de telefone, multa de carro, imposto de renda, etc. Aqui, eles aceitam cheques em praticamente todos os locais. Quando chega uma conta em casa para ser paga, enviam também um outro envelope menor já com o destinatário para que você coloque o cheque preenchido e envie pelos Correios – “La Poste” – em francês. Nossa! Arcaico, não? Na França, eles ainda usam cheques? Sim e confesso que isso me surpreendeu um pouco, pois imaginava o “primeiro” mundo um pouquinho mais moderno.
Uma outra coisa que me “chocou”, foi quando precisei fazer minha primeira declaração de imposto de renda por aqui. Isso ocorreu em 2015, quando fui fazer minha declaração referente ao ano de 2014. Logicamente, acessei a internet para realizar minha declaração e não achei nenhuma forma para fazer minha declaração pela internet. Fui pessoalmente ao centro de imposto para perguntar como deveria proceder e, eles me explicaram que eu deveria fazer isso em papel e depois mandar tudo pelos correios. Mais uma vez, fiquei “chocada”! Há quantos anos podemos fazer nossa declaração de imposto de renda eletronicamente no Brasil? Eu, que declaro meus impostos desde 2002/2003, não me lembro de ter feito nenhuma vez em papel. Embora, o sistema francês de declaração de imposto vem se “modernizando”, agora já podemos realizá-la pela internet à partir da 2ª declaração.
Ainda falando sobre o imposto de renda, uma curiosidade é que por aqui não há desconto em folha de pagamento. Isso quer dizer, que quando você recebe seu salário líquido na França, o imposto de renda não foi descontado e você terá que pagar o imposto referente ao seu salário apenas no ano seguinte. Mas isso é uma outra coisa que vai ser “modernizada” por aqui à partir de 2018 – o imposto de renda será descontado em folha de pagamento, da mesma forma que é feito no Brasil.
E as eleições? Aqui não é obrigatório. Se você quiser votar e não puder, você pode deixar uma procuração com alguém de sua confiança para realizar seu o voto que ainda é em papel. A primeira vez que eu votei no Brasil, tinha 16 anos em 1997. Não me lembro se foi para prefeito, governador e presidente, mas me recordo que foi o primeiro ano em que os eleitores de muitas cidades brasileiras passaram a votar eletronicamente.
Imagine agora que você precise cancelar o contrato com sua operadora de telefone. Como proceder? Ligar para operadora? Entrar na internet e solicitar o desligamento? Não! Você precisa ir até a agência dos correios e enviar a sua solicitação de rescisão de contrato através de uma carta com aviso de recepção. Carta com “aviso de recepção”, nada mais é que uma carta em que o remetente recebe um aviso de quando o seu destinatário recebeu a carta. E é obvio que esse aviso também é uma outra carta enviada pelos correios.
Pois é, muitas coisas aqui são realizadas através dos correios. Não me lembro de utilizar tanto os correios assim no Brasil. Imagine, se você cidadão brasileiro precisar de alguma documentação do Consulado em Paris, poderá solicitá-la nos correios. Pode ser estranho, mas é verdade. Quando fui me casar na França, precisei de algumas documentações do Consulado Brasileiro – todas elas foram solicitadas por carta e, literalmente, todas as respostas que recebi, foram enviadas pelos correios. Você pode ler esse meu texto aqui.
Outra coisa que eu também achei estranho logo que me mudei para cá, foi notar que os prédios por aqui não possuem porteiro. Obviamente, existem algumas exceções, mas o fato é que a maioria não tem. Sendo assim, como receber algo que você comprou pela internet? Ai vem de novo os correios. Podemos nos programar para receber as encomendas nos correios ou em alguma loja caracterizada como “point relais” mais próxima. Um “point relais” é uma loja autorizada para receber sua encomenda comprada na internet onde você pode ir buscá-la posteriormente. Normalmente, eles guardam a encomenda por aproximadamente 30 dias.
Se você quiser ir almoçar em algum restaurante, é importante chegar antes das 15h, senão existe o risco de não ter todas as opções do cardápio ou ainda, de não servirem mais o almoço. E quando você chegar a um restaurante ou bar, mesmo que seja um local nenhum pouco requintado, você precisa falar para o garçom quantas pessoas são e se vocês vão comer ou só beber – “boire un verre” em francês. Em seguida, ele vai propor mesas de um lado ou outro do restaurante dependendo da opção escolhida.
Não vou entrar em detalhes agora, mas aqui na França eu mesma cozinho, lavo, passo minhas roupas e faço faxina. A maioria das pessoas não possuem faxineira e fazem quase tudo em casa. É muito comum os franceses fazerem “bricolage” – pequenas obras, como por exemplo, pintar as paredes da casa, montar móveis, colocar piso e outras pequenas renovações. E eu posso dizer que já estou assim, agindo como e aprendendo com eles. Escrevi um pouco sobre isso no meu texto Mudança de hábitos.
Bem, é isso. Espero que eu tenha matado um pouco a curiosidade de vocês falando um pouquinho sobre alguns hábitos cotidianos e sobre a burocracia francesa. Deixem seus comentários e até mês que vem!
17 Comments
Ah o primeiro imposto de renda quando você descobre que a) ele não é retido na fonte e b) você recebe a maravilhosa cartinha na volta das férias de verão com um valor absurdo para pagar e c) você olha para o seus amigos franceses que com cara de “POR QUE VOCES NAO ME AVISARAM?” e que eles olham de volta com a cara “MAS VOCE NAO SABIA?!”. 🙂 A sorte é que o pessoal dos Impots são provavelmente o pessoal mais legal da administração publica francesa, super compreensíveis com esse drama dos estrangeiros e sempre parcelam a tal.
E você percebe quer ta morando na França tempo demais quando você fica pensando dois minutos se precisa ou não mandar alguma coisa com “aviso de recepção”. 🙂
Fer
Ola Fernando,
Pois é, o primeiro imposto de renda francês a gente nunca esquece…
Mas agora eles estão mudando isso e a partir do ano que vem ja vai ser descontado direto da fonte.
Achei muito interessante o texto, nos da idéia de como são bem diferentes os dois países.
E que a Europa é bem conservadora e tudo realmente funciona utilizando os correios.
Muito legal mesmo.
Ah, colega, que sistema démodé! 😀
Agora sobre ‘primeiro mundo ser diferente’, posso lhe dizer que a Dinamarca é um sonho nesse sentido. Tudo é eletrônico, tudo fácil e sem burocracia, até usar dinheiro em espécie é uma coisa raríssima: eu mesma só tenho moedas pra usar nos carrinhos de supermercado e no armário da natação, até táxi eu pago pelo celular 😀
Oi Cris,
Quando me mudei pra ca, achava que tudo seria muito mais moderno do que realmente é… Preciso ir à Dinamarca conhecer essas modenidades ! 🙂
Engraçado que antigamente eu generalizava e achava que era uma coisa de “Europa do Norte vs. Europa do Sul”. Até chegar nos Países Baixos (que ADORAM se ver como quase escandinavos) e ver o meu cartão Visa ser não aceito em mil lugares – incluindo A principal rede de supermercados, o Albert Heijn. Ou o simples fato de que alugar uma bicicleta em Amsterdã ou custa uma fortuna ou é impossível via o sistema do OVB. E relembrar que na Alemanha usar cartão é ainda mil vezes mais complicado que na França – maquina de metrô que recusa cartão de banco europeu, lojas de tamanho médio te olhando com uma cara de “WAS?” quando você pergunta se pode pagar em débito. E nem vou falar as discussões intermináveis com a galera da Deutsche Bahn para conseguir reembolso de trem atrasado por eles, etc&tal.
Hoje em dia eu brinco que a França é um “complicado mas que funciona”. As regras aqui até existem, mas francês tem um espirito meio contestador e vai flexibilizar as regras se elas não forem muito logicas, mas tudo dentro de um espirito de justiça e um pouco de ética. E junta isso ao fato de que francês é um povo desconfiado e com medo, então eles vão querer guardar copia em papel de tudo. Pessoalmente, eu me acostumei e hoje em dia até gosto: sendo educado, cordial e com um sorriso aqui você consegue uma exceção, um “volta e trás amanha o documento”. Uma mistura de Brasil e “primeiro mundo”. 🙂
P.S.- Você esqueceu de mencionar duas outras pérolas. a) Senha de acesso ao bank online que chega pelo correio e b) ter que esperar 24 horas para CADASTRAR uma conta bancaria como receptor antes de poder fazer a transferência.
Oi Fernando,
é verdade ! Esqueci de mencionar a)Senha de acesso ao bank online que chega pelo correio e b) ter que esperar 24 horas para CADASTRAR uma conta bancaria como receptor antes de poder fazer a transferência.
Acho que tenho assuntos para outros posts… Outra coisa que não comentei é que uma transferencia demora pelo menos 3 dias uteis para ser efetivada ! R
Sobre o cheque, acho que no Brasil não se usa mais pelo número absurdo de pessoas que enganam as outras ..
Oi Babi,
Pois é, infelizmente o numero de cheques sem fundo vem crescendo e muito aqui na França.
Achei arcaico mesmo as entregas pelo Correio.O imposto de renda deveria ser optativo tanto ser entrega eletrônica ou não,ou na fonte ou depois.Quanto ao cheque aqui no Brasil não se usa muito porque está desmoralizado.cafona é usar moedas para usar carrinhos de supermercado e achar que internet,cartão e tc…..resolve tudo e pode também complicar sem contar quem não sabe usar e quem não tem os aparelhos.Gosto dos franceses e sua educação,pois informam,ajudam,e dizem sempre pardon monsieur ! e não fazem certas palhaçadas de outros de terceiromundo.
Adorei seu comentário. A França nos dar opções, os órgãos públicos aqui funcionam, se faz tudo pelo correio pq o mesmo funciona. E a tecnologia fica a critério de cada um
Ciao, Marcella! Aqui na Itália as coisas funcionam mais ou menos como na França. O cheque é usado alguns casos, sempre memos, porém. O voto é facultativo e le Poste, os Correios, funcionam para tudo, hoje em dia. Tudo o que o cidadão pensar em pagar, paga nos Correios ou nas Casas Lotéricas. Além disso, os Correios viraram verdadeiras boutiques onde se compram livros, Cds, gadgets, cartões telefônicos para celulares, jogos e brinquedos. Sinal dos tempos onde a maioria das correspondências é efetuada por Internet.
Sim, tem muitas coisas feitas ainda no papel. Na realidade, no Brasil tivemos ma passagem rápida em algumas areas para o eletrônico devido ao número de fraudes e má qualidade dos serviços públicos. O correio caiu em desuso no Brasil porque não é confiável e os cheques nem precisa falar o tanto de cheque sem fundos que tinha… Agora, fazer faxina e cozinhar a própria comida, parece que você não viveu no Brasil. A grande maioria dos brasileiros não tem faxineira.
Bom quanto a faxineira descordo. Porque tem muitos e muitos que contratam sim faxineiras. A diferença que aí paga por hora. Aliás muitos brasileiros trabalham sim nessa área ai. A diferença que não são escravos que nem no Brasil aonde a pessoa contrata pra fazer serviço que nunca fizeram em 1 dia só. E quanto aos correios entregarem suas compras efetuadas pela internet. Aqui acontece o mesmo se vc não está em casa pra receber vai receber um papel pra retirar pra vc. Aqui tem muitos prédio tbem que não tem porteiro pra ficar recebendo por vc. Já a burocracia pra fazer impostos e muitas outras coisas o qual tem que se mandar inúmeros papéis e não ser feito pela Internet isso sim é arcaico.
Ola Fabiana,
Obrigada pelo seu comentario. Sim, tem algumas pessoas que possuem faxineira e como vc disse o trabalho é pago por hora. Mas é muito mais comum termos esse tipo de servico no Brasil do que aqui na França visto que no Brasil as diferenças salariais são muito mais significativas.
Adorei o post! Atualmente moro na Romênia, porém meu marido acaba de ser transferido para França!
Iremos morar em Nevers e eu estou muito curiosa quanto às peculiaridades da França!
Vou tentar ler tudo a respeito!
Oi Cristiane,
Fico feliz em saber que gostou do post e que ele vai poder te ajudar um pouquinho.
De uma olhada nos outros textos da França, tem muitos assuntos interessantes e que vão poder te ajudar.