Você já deve ter ouvido falar da educação japonesa. Dos atendimentos impecáveis, da segurança, da gentileza… Mas já parou para pensar de onde vem essa educação toda? Será que ela já vem de berço? Será que as crianças japonesas são mais do que fofinhas, com bochechas rosadas e olhos puxados?
É notável que a educação dada pelos pais japoneses é bem diferente do que nós conhecemos. Estes, mais severos e fechados, não têm a relação de carinho com seus filhos exatamente igual aos pais brasileiros. Não é que não gostem – longe disso! –, mas a forma de se portar é diferente mesmo. Nós estamos acostumados com os beijos e abraços aos montes, declarações de amor e intimidade. Aqui não é bem assim: os pais são menos permissivos, fazem correções mais grosseiras como se fossem chefes e falam uma vez só.
Claro que existem ainda as birras e malcriações de criança, mas reparei que geralmente elas acontecem com apenas um dos genitores: ou pai, ou mãe. Um deles é obedecido sem questionar. É de se pensar: será que as crianças têm respeito ou medo dos pais? Além disso, observei que os pais japoneses não brincam muito com os filhos. Eles levam ao parque para que as crianças brinquem sozinhas ou entre elas, por exemplo, mas é muito difícil ver um adulto envolvido na brincadeira. Geralmente, eles ficam no celular. Inclusive, dependendo da idade, a criança sai da escola e vai ao parque brincar sozinha.
Na escola também é diferente. O aprendizado é um pouco mais lento: criança pequena brinca e desenha, e só começa a ter conteúdo depois de uma certa idade. Em compensação, já começa a aprender algumas coisas que é raro termos no Brasil: aos 4 anos, o filho de um casal de amigos brasileiros que estuda aqui já se troca sozinho e sabe limpar quando derruba algo. Em reunião, os professores orientaram os pais dele a deixá-lo comer sozinho, já que as crianças japonesas o fazem a partir dos dois anos. Por outro lado, ele ainda usa fralda para dormir, já que os professores disseram que esta se tira no tempo da criança, quando ela não ver mais necessidade em usar a fralda.
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Tive a oportunidade de conhecer uma escola da prefeitura de Kisarazu, cidade onde eu moro, graças à uma amiga que tinha duas filhas matriculadas lá. Era abertura de bimestre e por isso ela me convidou para conhecer. Eu e os pais pudemos comer o que as crianças comem na escola, conhecer as salas de aula e áreas comuns, conversar com professores e participar de uma recreação de pais e filhos muito animada.
As crianças, que pareciam muito felizes em receber os pais na escola, não paravam de entoar um “bom dia” toda vez que viam alguém diferente. Quando chegou a hora do almoço, elas se dividiram em grupos e um deles foi servir a comida para os pais, de chapéu de chef, avental e tudo!
Existem algumas escolas que, inclusive, ensinam a cozinhar. A criança tem plena capacidade de ficar sozinha em casa: limpa o que suja, se troca, cozinha… Já aprende na escola tudo o que é necessário para a sobrevivência. Talvez porque os pais costumam trabalhar o dia inteiro e elas, que voltam da escola sozinhas, precisam aprender a se virar.
Sim, elas vão e voltam da escola sozinhas. Ainda pequenas, já aprendem o caminho de casa até a escola e se deslocam sem os pais. As crianças que moram um pouco mais afastadas, encontram o resto do grupo no meio do caminho. O máximo de acompanhamento que têm é um adulto – os pais se revezam nos dias da semana – em algum cruzamento, que orienta na travessia da rua. As crianças têm tags na mochila com nome, nome dos pais e endereço para caso se percam. Já vi até o filho se despedir da mãe na janela e sair a caminho da escola sozinho até onde tenha companhia. Isso é bem normal aqui.
Em comparação às crianças brasileiras, as japonesas são bem mais independentes, mas também mais inocentes. Trabalhei com recreação no Brasil e percebo que as crianças japonesas são mais infantis. Uma brincadeira no Japão para a faixa etária de 9 anos seria ideal para a faixa dos 5-6 anos no Brasil, por exemplo. Por um lado, isso é ótimo, já que elas não têm a infância perdida e aproveitam muito a fase. Por outro, a inocência pode ser muito complicada, ainda mais combinada com o hábito de passar bastante tempo sem supervisão dos adultos.
São nessas horas que acontecem os casos famosos de bullying no Japão, quando as crianças estão apenas entre si, sem limites para as brincadeiras. Infelizmente, este também é um momento propício para pessoas de má fé praticarem crimes horríveis, que não são tão comuns aqui, mas existem. Por serem mais inocentes, é mais difícil que identifiquem uma situação de risco e consigam se desviar. É triste, mas é verdade. Claro que a mentalidade japonesa é diferente, mas eu, com a minha malícia brasileira, não sei se teria coragem de deixar um filho voltando sozinho para casa nessas condições.
Mas uma coisa é fato consumado, inegável e incontestável: as crianças japonesas são fofinhas, ah, isso são!
2 Comments
Ju estou no Japão há 7 meses, por transferencia de trabalho do meu marido. Infelizmente na cidade em que moramos não há escola internacional perto, o mais proximo são 2 horas de trem.. Tivemos que optar pela escola japonesa, que é ótima, porém esse conceito de ir e voltar da escola sozinhos me assusta muito. Em 7 meses, ja houveram 3 atropelamentos e dois casos de assassinato de crianças aqui, a caminho da escola. Me pergunto se não seria uma boa hora do Japão rever seus conceitos e enxergar que o que era seguro, já não é mais tão seguro assim. De qualquer maneira, levo e busco meus filhos. Mesmo com o estranhamento da escola e dos amiguinhos. Expliquei que sou brasileira e que lá dormimos com um olho fechado e outro aberto!! E apesar de achar o ensino excelente, as vezes estranho um pouco a obediencia das criancas. Me pergunto até que ponto isso seria saudável? Serão crianças com autonomia ou com medo de arriscar??? Sinto muita repressão infantil por aqui. Regras e mais regras, até em piscinas públicas…Sei que não há receita perfeita para criar filhos, mas essa rigidez ainda me assusta muito por aqui!
Querida, tenho a mesma sensação! Não consigo confiar tanto, até porque sei que os tempos mudaram. Também acho que o Japão tinha que se adaptar nesse sentido, mas são tão conservadores de velhos hábitos que acho um pouco improvável. Às vezes também fico assustada com a rigidez. Onde você está morando? Um abraço!