Você sabia que no Líbano, ainda existem clãs (tribos árabes)? Parece coisa de filme, mas não é!
Não sei dizer se nos demais países do Oriente Médio ainda existem clãs, mas acredito que sim, até porque eles não são tão ocidentalizados como o Líbano, o que aumenta, consideravelmente, a possibilidade.
Entretanto, eu me surpreendi ao descobrir, que em pleno século XXI, eles ainda existam no país.
Os clãs do Líbano são originários das tribos árabes da região, e conhecidos por sua rica história e títulos inquebráveis. Fazem parte desses clãs, as famílias que são consideradas, como foras da lei. O clã Jaafar é uma das maiores dessas famílias, e eles se encontram num vilarejo no norte do Vale do Bekaa, famoso reduto da família, com mais de 200 mil membros.
Desde o século V, eles se baseavam em Trípoli e em Beirute, mas com o tempo, eles deslocaram-se para a região do Vale do Bekaa, onde permanecem até hoje.
Os atuais compartilham um mesmo clã ancestral: o Hamadiyeh. Na geração dos Hamadiyeh, havia duas ramificações principais: O Chamas e o Zaaiter.
Dentro do clã Zaaiter, existem clãs menores, como: os Meqdads, Haj Hassan, Noon, Shreif e os Jaafars. Dentro do clã Chamas, existem os clãs: Allaw, Nassereddine e os Dandash.
Um clã é a união de uma família formada por descendentes de um único ancestral. Eles casam-se entre si, se mantêm unidos, apoiando-se mutuamente em seus assuntos e interesses, e lutam contra a injustiça cometida contra os seus membros, no estilo “um por todos e todos por um”. Essa prática existe em qualquer família dos clãs, mesmo nas pequenas.
Eles se baseiam em valores e tradições, e equivale a um mini governo, com presidente e ministros, que tomam decisões que protejam os interesses dos membros, bem como resoluções de disputas e problemas, que surjam dentro e fora do clã.
Os primeiros clãs do Líbano tinham mais de 80 tribos, e hoje possuem cerca de 35, que podem ser grandes e outras bem pequenas. Essas tribos estão situadas no Vale do Bekaa, no Monte Líbano, e em Baalbek e Hermel (quase divisa com a Síria).
De acordo com a História, no tempo otomano, quando os comboios de prisioneiros passavam pelas terras da aldeia de Taraya, os cativos eram desacorrentados antes de se aproximarem da aldeia, e amarrados novamente depois passarem por ela.
O folclore local diz que essa prática, que durou 200 anos sob o domínio otomano, era comum em virtude dos moradores do clã de Hamiyeh, ao ver estranhos algemados em seu território, se sentirem na obrigação de ajudá-los e libertá-los.
O lema do clã Sabah Hamiyeh, por exemplo, é: “Ajudar os desafortunados e oprimidos, protegê-los e honrá-los”. Esta é uma das tradições herdadas da região de Baalbeck-Hermel, entre outros costumes e valores, como a generosidade, a hospitalidade, coragem, cavalheirismo e a reconciliação.
Porém, a má fama atribuída aos clãs nos dias atuais, de que os membros são bandidos e monstros assustadores, que estão sempre armados, e atirando contra qualquer um que cruza suas terras e aldeias, entristece os anciãos dos clãs, que afirmam que isso não condiz com a verdade.
Os anciãos de um clã são reconhecidos como mediadores e conciliadores, na resolução de conflitos, entre as famílias maiores e também nas menores. Cada clã tem muitas histórias a contar, sobre vinganças, reconciliações entre os clãs no passado, além de histórias de suas alegrias e tristezas.
As tribos do Vale do Bekaa desempenharam um importante papel durante a resistência à ocupação otomana e francesa.
Porém, os clãs remanescentes, não são o que costumavam ser no passado, e não representam mais a única autoridade local, assim como não mais existe o líder de um clã, ou o mais velho, que tem o poder de tomar decisões e a palavra final.
O enfraquecimento nos clãs se deve à dispersão dos mesmos, ao rompimento de pequenos grupos familiares (de diversos tamanhos), e o fim da gestão coletiva dos assuntos do clã. A filiação de membros em partidos políticos libaneses, também ajudou no enfraquecimento, criando lealdades divididas, comprometendo sua independência, perturbando seus saldos, e criando divisões.
Especialmente quando outros membros permanecem fora desses partidos, e não têm a quem recorrer, porque o Estado não oferece qualquer suporte, ou prestação de serviços, aos clãs.
A dissipação da autoridade, na ausência de um líder, resultou na criação de vários centros de decisão dentro dos clãs, e as decisões tomadas em reuniões já não são mais vinculativas como no passado, porque dependem da quantidade de respeito, ou capacidade de respostas que podem ser comandadas.
O ex-deputado Hamad Jaafar, criou um pacto com os clãs e famílias de aldeias locais, proibindo vinganças, e dando início à era do respeito pela lei, onde apenas os criminosos são punidos, e não suas famílias, ou membros dos clãs acusados de assassinato, perante as autoridades de segurança do país.
Assim, os clãs trabalham dentro das instituições do Estado de direito, preservando suas tradições e valores, e abandonando práticas que denigrem sua reputação.
As mortes por vingança são práticas erradas que prejudicam os clãs (mas ainda ocorrem), e os anciãos preferem apagar as imagens negativas, de que os clãs são reforçados pelos incidentes de violência, e tentam salientar os aspectos positivos que eles encarnam.
A lealdade, com base em laços de sangue, é menos prejudicial que o confessionalismo sectário existente nos partidos políticos do Líbano, onde a comunidade apoia suas seitas, elas estando certas, ou erradas. Os partidos políticos visam apenas interesses próprios, de seus partidários e simpatizantes, que tentam através de uma quota de poder e influência, distribuir clientelismo, à custa de cidadãos, não partidários.
Os clãs não costumam contar seus membros de forma convencional, mas pela quantidade de fuzis que eles possuem, indicando assim, quantas pessoas possam estar dispostas e capazes de portá-las. O clã dos Meqdads, por exemplo, afirma ter cerca de 10 mil homens, mas o braço armado do clã consiste em 1.500 corpos e outros 1.000 em espera.
Embora eles sejam originalmente do Bekaa, sua presença é muito mais perceptível no Dahiye, subúrbio sul de Beirute.
6 Comments
Oi Claudia, achei muito curioso seu texto…rs… para não dizer outra coisa.
Sabe, tive a impressão de estar lendo uma história sobre Robin Hood árabe. Sem ofensas, ok:
Pelo que entendi, isso tudo acontece por causa das injustiças e alguém, um dia, criou coragem para enfrentá-los.
Aguardando os próximos posts.
Beijos
kkkk…. Oi Cleo!
Eu ja tinha te respondido esse comentario, mas minha resposta sumiu.
Enfim, essa terra tem mais misterios e historias do que imagina a nossa compreensao e conhecimento. Mas com certeza as injustiças ocorrem e sao criadas há muitoooo tempo, virou um ciclo vicioso. Rssrsrs
Bjsssss
Sou apaixonada pelo Líbano, já visitei e amei saber um pouco mais, sob o ponto de vista de que está aí
Conta mais! Amo muito esse povo
Continue antenada no blog Fabi sempre contarei mais! Obrigada pelo feed!!
Beijos
Olá Claudia, como é a criminalidade aí? Apesar de tudo parece um país tranqüilo.
Olá Lola,
A Cláudia Rahme parou de colaborar conosco e, infelizmente, não temos outra colunista morando no país.
Obrigada,
Edição BPM