Hoje, no auge do verão em Londres, na Inglaterra, no limite da angústia de procurar emprego, no ponto mais alto da culpa de estar há dois anos apenas fazendo o que quero, pego algumas tralhas, meu computador, uma garrafa d’água e me ponho a caminhar em direção ao parque mais próximo. Coloco uma canga no chão, aquela mesma que não uso desde a última viagem para a Bahia, olho para este imenso e maravilhoso terreno verde na minha frente com um punhado de senhoras desalinhadas, relaxadas e de biquíni, escuto o barulho das árvores balançando, do bebê ao lado chorando manhosamente e de uma bola sendo chutada bem perto de mim – e que a qualquer momento pode me acertar, afinal, sou sempre aquela pessoa que toma boladas por aí. Enfim, aqui estou, cansei desta ideia de ser responsável e vim pro parque escrever pra vocês (na verdade, mais pra mim do que pra vocês). E assim, entre um cachorro e outro, meio que sem rumo, que tento me concentrar para começar este nosso novo papo.
Sorrindo releio este primeiro parágrafo e quase que simultaneamente questiono: Eu estou sorrindo? Mas o que me faz feliz se sinto uma aflição interna tão grande? É, amigas, já perdi a conta de quantas vezes me perguntei isso, mas uma coisa é fato, nunca pensei que me perguntaria em uma segunda-feira, às 15h, deitada em uma canga no jardim de um maravilhoso parque em Londres, embaixo de um sol raro que me proporciona 25 graus de pura melanina nesta pele pálida e sofrida de tanto tremer por aí. Mas então, qual é o meu problema? Por quê fico com essa palhaçada de reclamar da vida se o cenário e o ritmo em que vivo hoje são de dar inveja em qualquer trabalhador deste mundão? Porque as vezes só consigo respirar fundo quando olho para o céu? O que está acontecendo?
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Crescemos no Brasil sendo educados com muito amor, carinho e um maravilhoso clima tropical em nossa volta, porém entendemos desde muito novos que precisamos de algumas coisas para a nossa vida funcionar bem, entre elas estão nossas maravilhosas ajudantes que limpam nossas casas, passam nossas roupas e às vezes até deixam feijão congelado pra semana toda, nossos carros que chegamos até a batizar com nomes fofos, nossos celulares que nos acompanham até no banheiro, nossas manicures, depiladoras, médicos conhecidos da família, a viagem de férias todos os anos, as roupas da nova coleção e, claro, o vestido novo para passar a virada do ano. Ufa, esqueci alguma coisa essencial? Esqueci sim, aliás, nós todos esquecemos e trocamos o mais importante de tudo por todas essas coisas: TEMPO.
Já dizia José Mujica (ex-presidente do Uruguai) “Quando compro algo, não compro com dinheiro, compro com tempo de vida que tive que gastar para ganhar esse dinheiro”. Pois é! Aqui nessas bandas do globo tudo isso existe também, diferente do que dizem por aí, aqui também se pode escolher ter este estilo de vida, mas a verdade é que o tempo cinza de Londres deprime, mas também educa. Mas o que o clima tem a ver com tudo isso? Quando sol se torna um produto em extinção, passamos boa parte do ano esperando por ele, e quando ele finalmente chega nada é mais importante, pois é, eu disse NADA é mais importante.
Meu vizinho de baixo tem uma varanda na casa dele. No meu prédio, só os apartamentos térreos tem varandas e, como eu moro no primeiro andar, fico de olho no movimento da varanda do vizinho pela janela do meu quarto. Pois bem, esses dias, mais ou menos umas 17h30, meu marido viu uma fumaça invadindo nosso quarto e foi olhar na janela, lá estava o vizinho sem camisa, com sua mulher e amigos fazendo umas “paradas” grelhadas na churrasqueira, meu marido imediatamente perguntou: o que esse pessoal aí de baixo faz pra ganhar dinheiro? Moram no melhor apartamento do prédio, são novos e estão sempre em casa fazendo fogueira em horário comercial. Embora nós também estivéssemos em casa para assistir a fogueira alheia, sabíamos que para nós aquele tempo “livre” era passageiro, mas para eles talvez não. Então qual era a mágica que a vizinhança andava fazendo para ganhar a vida? Como somos brasileiros, logo pensamos que eram políticos ou traficantes, mas aí pensei melhor e disse ao meu marido, é verão, tem sol até às 21h e já passou das 17h, ou seja, eles trabalham sim, nunca estão em casa às 11h da manhã, mas saem do trabalho quando ainda dá tempo de curtir mais de 4 horas de sol. Mas e a academia? E a hora extra pra completar o orçamento ou pra ser promovido antes do colega que tem filho e precisa ir embora antes? Pois é, meu Brasil, isso é uma doença que por aqui alguns ainda não pegaram.
Mas vocês devem estar pensando “O que adianta sair cedo do trabalho e aproveitar a vida quando tem sol, se esses dias representam apenas 10% do ano em Londres?” Pois é, concordo que aqui não é o melhor dos mundos, Londres é uma cidade fria, cinza, movida a trabalho, performance e muita concorrência boa, independente da área em que se atua, se engana quem pensa que por aqui as pessoas trabalham pouco ou nunca fazem hora extra. Mas, quando você compara com a vida no nosso amado patropi abençoado por Deus e bonito por natureza, na maioria dos casos, não temos nem sequer um mês vivendo a vida adoidado fora aquelas nossas raras férias. Não temos nem um mês de “licença poética” para dizer tchau ao trabalho às 17h sem dor na consciência. Sei que em algumas áreas, independente do lugar que esteja, não adianta fazer sol, chuva ou aparecer o novo Messias na terra, você terá que trabalhar até tarde, neste humilde texto, falo em nome da maioria, do famoso Povo Brasileiro.
E como a gente resolve este problema sem ter que pegar um táxi para o Aeroporto Internacional e mudar de país neste exato minuto?
A gente aprende a fazer a diferença com pequenos atos, e realmente priorizar o que é importante, afinal, ninguém precisa de empregada todo dia, do carro do ano ou do celular mais caro que a loja com nome de fruta vende por aí. Podemos sim, e nos fará muito bem, limparmos nossas próprias casas, andarmos alguns dias da semana de transporte público ou se pudermos atender o celular na rua porque ele é velhinho e nem o assaltante vai querer. Além disso, podemos modificar as coisas dentro do nosso próprio universo, proporcionando para nós e para os nossos funcionários a oportunidade de sair mais cedo durante o horário de verão, de respeitarem o rodízio de carros como de fato deve ser feito, sem ter que tirar da garagem o segundo carro para ajudar a atrapalhar o trânsito da cidade no dia em que deveria estar em casa nos horários de rush, ter mais foco durante o horário de trabalho, deixando pra tomar cafezinho em casa, com a família, e não de cinco em cinco minutos na copa do trabalho, respeitando as diferenças sem julgar, deixando que mães e pais façam horários alternativos e tenham mais flexibilidade em períodos de férias escolares, permitindo que algumas coisas sejam resolvidas de casa, em dias que não há tanta coisa assim para ser feita, respeitando as pessoas quando elas estão doentes, afinal quando está doente não está disponível para ficar deitado em uma cama com o computador no colo resolvendo problemas que poderiam esperar ou ser resolvidos por outras pessoas, não deixar que férias fiquem sempre para depois, entendendo que elas existem pelo simples motivo de que somos humanos e precisamos de descanso.
Existem tantas maneiras de melhorarmos o mundo, sei que no fundo milhares de pessoas acham impossível aplicar tudo isso que disse, ou que isso não funciona, que o melhor modelo para ganhar dinheiro e tornar o país melhor é o modelo Coreano ou Chinês, mas eu insisto em dizer que entre todos os modelos, o mais feliz do mundo está na Escandinávia, que poupa inclusive crianças de dias longos de estudo, que busca intensamente respeitar as diferenças, que por lei proporciona que pais e mães tirem o mesmo tempo de licença maternidade e paternidade e que possui os melhores índices de igualdade de gêneros. Em time que está ganhando a gente não mexe e ainda copia o que eles fazem, né?!
E mais uma vez citando José Mujica: “A única coisa que não se pode comprar é a vida, a vida se gasta, e é miserável gastar a vida para perder a liberdade”. Então vamos viver mais?
17 Comments
Amei esse texto!!!! Inspirador 😉
Obrigada Kamila, bom saber que te inspirou.
Amei esta legítima crônica da vida, do inicio ao fim!
Fico feliz em saber que gostou, Larissa.
Excelente ! É isso mesmo! Morando fora mudamos os hábitos e depois de certo tempo questionamos os hábitos que estavam tão enraizados na nossa rotina brasileira.
Exatamente Claudia, tenho feito isso sempre e me faz muito bem. 🙂
Johana, me emocionei com seu texto.
Super intenso e realista, amo meu Brasil porém temos tanto o que aprender não é verdade? É triste ainda ver que existem pessoas que te valorizam pelo que você tem e não pelo que é de fato…Mas quem sabe um dia aprendemos a valorizar o mais importante a VIDA…
Obrigada pelo belo texto…
Simplesmente amei…
Que bom que gostou, Linda! Acho que toda mudança grande começa dentro de nós mesmos, temos que aplicar o que acreditamos que aos poucos o país nos acompanha.
Legal, verdade suas palavras. Sucesso
Obrigada Claudia. Sucesso pra você também.
Amada, AMEI teu artigo, sendo bem redundante!
Morar fora nos proporciona exatamente esse tipo de experiência e ganho de vida!
Parabéns!
Primeiramente parabéns pelo texto! Muito bom 😉
Interessante “achar” esse texto justamente hoje… Acabei de chegar em casa após meu primeiro passeio no meu novo lar… Fui em uma praia e estava lotada mesmo com o frio e o vento, mas todos sorridentes e aproveitando cada segundo de sol.
Em meus dias de tédio, ouvi de uma irlandesa “vá para um parque, leve um livro e aproveite esse sol”. “Aproveite esse sol”, consigo ver a felicidade deles durante o verão. É muito estranho essa valorização das coisas mais simples como um dia de sol. Enquanto vivemos correndo contra o tempo no Brasil muitas vezes involuntariamente, não temos a real noção do que é felicidade. Você mencionou bem as falsas necessidades que temos em nosso país. Comentei hoje com duas amigas que no Brasil vivemos uma contradição viciosa… Para possuir uma “qualidade de vida” temos que ter o melhor emprego, a melhor qualificação e os melhores bens materiais. Pois bem, algumas vezes conquistamos isso! Porém, não podemos sentar em um parque ou em frente a praia 5 horas da tarde… Talvez no final de semana… Você se contenta com essa ilusão enquanto desliga o computador e sai do escritório as 20hs. Um pouco antiga, mas propício para o contexto… Ouro de Tolo – Raul Seixas.
Parabéns novamente por essa leitura agradável 🙂
Caroline, sou do tipo de pessoa que acredita que nada é por acaso, portanto você deve ter achado meu texto para trocarmos nossas experiências e entendermos juntas o quanto é importante valorizarmos as coisas simples da vida, afinal, serão esses os momentos que iremos lembrar para sempre. Necessitamos de muito menos para ser feliz, compras, empregados, carros, viagens e etc, tudo isso são falsas necessidade, o que realmente importa é gastarmos tempo com nossos familiares, nos permitirmos noites completas de sono, boas horas de sol por dia e uma vida mais leve, com muito menos coisas para carregar nos braços e muito mais pra carregar no peito.
Muito legal, me identifiquei pois busco tudo isso na minha vida também. Mas agora a pergunta, como transformar isso em uma cultura de fato? Nós que apenas somos empregados, não temos o poder de mudar as coisas…quem tem o poder nas mãos são as empresas e o governo…acabamos ficando reféns das estratégias do maior lucro, ainda mais agora que foi aprovada a reforma trabalhista 🙁
Quero dizer, sem dúvida o modelo dos escandinavos é melhor. E temos uma economia tão boa ou melhor que as deles. Mas é complicado comparar esses países com o Brasil pela ENORME diferença entre os processos históricos e condições socioeconômicas, concentração de renda, passado escravagista, enfim…adorei o texto e sei que merecemos muito isso, mas não sei o que nós – da ralé – podemos fazer para mudar de fato como as coisas funcionam aqui (não acho que voto resolve muita coisa).
Enfim, obrigado pelo texto e desculpe o desabafo! Abraços
Oi Julio, fico feliz que tenha gostado do texto. Sobre sua pergunta, acredito que essas mudanças são demoras e acontecem aos poucos, de fato não conseguimos transformar o Brasil em uma Suécia do dia para noite, isso envolve muitas outras coisas como política, economia e etc. Minha intenção não foi comparar os países, e sim comparar a forma como as pessoas em países desenvolvidos valorizam mais as coisas mais simples, como um final de dia com amigos ou apenas lendo um livro em um lugar tranquilo. Acredito que nós, empregados, de fato não podemos mudar nossa carga horária ou a cultura das empresas, mas podemos sim influenciar bastante nos permitindo sair no horário sem culpa, aproveitar nosso almoço por inteiro, sair de férias e etc, desta forma diminuímos a competição desleal e desnecessária entre nós, e juntos, pouco a pouco, faremos as empresas se adequarem ao nosso ritmo e respeitarem nossos valores, afinal, quanto todos se unem e agem da mesma maneira, a base de comparação dos empregadores passa a ser outra. É claro que, eventualmente, é preciso fazer hora extra e etc, mas a ideia é que, de fato, seja somente eventualmente. Um abraço, Johana Quintana.
White people problems, ein? Quem que no Brasil tem empregada e carro do ano? Minoria da população. Pegou mal esse post. =/
Blanca, tem razão, poucas pessoas no Brasil e no mundo tem acesso à carro do ano e empregada, mas muitas delas trabalham muito, mais de 8 horas por dia, com o objetivo de um dia alcançar, além do básico, objetos e serviços como celulares, carros, empregada e etc, embora tudo isso não passe de uma ilusão, pessoas extremamente humildes, como eu fui por muitos anos, independente da cor de pele, sonham, trabalham muito e adquirem dívidas para ter um carro, por exemplo, achando que terá uma vida melhor e será mais feliz, mas isso não faz sentido quando não se tem saúde, educação e tempo para dormir ou se exercitar. Meu texto foi sobre isso, e não acho que falar da minha vida e da minha experiência pegou mal, mas respeito sua opinião e peço desculpas se te ofendi de alguma maneira. Por fim, entendo quando usa o termo “White problems” e concordo contigo, infelizmente os negros ainda sofrem infinitamente mais do que os brancos, e geralmente os brancos possuem mais acesso à tudo isso que citei. Sou branca, de família classe média baixa e falo como branca de família classe média baixa, não me sinto no direito de falar por ninguém que não seja eu, não posso me apropriar de uma personalidade, cor de pele ou classe social que não me pertence. Quem sabe marcamos um papo e passo a colocar em meus textos seu ponto de vista, já que hoje só consigo falar por mim. Seria um prazer trocarmos ideias. Obrigada, Johana.