Hoje o Brasileiras pelo Mundo entrevista a Jacqueline Abranches, uma cientista brasileira que conquistou uma posição de destaque no cenário mundial da Microbiologia Oral. Mãe da Julia e Isabella, esposa do José Lemos, cientista também de sucesso e projeção, vivem em Gainesvile, Flórida. Aqui ela nos relata sobre a rotina e realidade da pesquisa científica nos Estados Unidos.
BPM – Como foi sua trajetória profissional até aqui?
Jacqueline– Não foi fácil. Aliás, não é fácil pra nenhum cientista. Me graduei em Biologia na UFRJ em 1992. Ingressei no Mestrado em Microbiologia no Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes em 1993. Em 1995, defendi minha tese de mestrado e percebi que a minha trajetória profissional estava definida: eu queria seguir carreira acadêmica, mesmo sabendo das dificuldades financeiras que alunos de pós-graduação são obrigados a passar. Entrei no Doutorado logo após o término do mestrado. Depois apliquei pra uma bolsa de doutorado sanduíche (metade dos trabalhos no Brasil e a outra metade no exterior).
Fui para a Syracuse University. Trabalhava mais de 12 h por dia. Foram 16 meses. Quando retornei ao Brasil, comecei a trabalhar como professora substituta na Escola Técnica Federal de Química do RJ .Em Janeiro de 2000 defendi minha tese, mas não tinha emprego. Todos os concursos públicos para as Universidades brasileiras haviam sido suspensos, culpa da crise dos tigres asiáticos. O jeito foi deixar o Brasil mais uma vez e fazer um pós-doutorado no exterior. Fiquei neste laboratório por 6 anos, fui promovida de pós-doutora a professora pesquisadora. Agora sou professora assistente na Universidade da Flórida.
BPM – Quais as principais diferenças que você poderia destacar entre ser uma cientista no Brasil e uma cientista nos Estados Unidos?
Jacqueline: São muitas, mas duas delas:
- Salário e estabilidade: Cientistas nos EUA são melhor remunerados.
- Fomento: conseguir verba pra pesquisa é extremamente difícil e competitivo. Porém, uma vez que sua verba foi aprovada, ela geralmente pode ser usada pra contratar pós-doutorandos, pagar um percentual do seu salário, comprar equipamentos e material de consumo, custear idas a congressos/conferências científicas. Em muitas instituições acadêmicas de ponta, as verbas dos projetos de pesquisa são usadas para custear 100% do seu salário. Portanto, se você não consegue renovar os seus projetos, sua chance de perder o emprego é enorme. Vale ressaltar que várias instituições têm o que se chama de “tenure-track”, ou seja, cargos que se o pesquisador provar que é bom professor dando aulas pra graduação e pós-graduação, orientar alunos de pós que completam seus programas e manter um fluxo constante de verba de pesquisa, após 5 a 7 anos esse pesquisador pode pedir para o seu “tenure”, ou seja sua efetivação, seja avaliada. Uma vez que a efetivação é concedida, se o pesquisador perder seus recursos de pesquisa, ele não perderá o emprego imediatamente e geralmente esses professores recebem uma carga horária extensa de aulas e prestarão serviços administrativos para a universidade.
BPM – Como é a sua rotina no laboratório?
Jacqueline – Chego por volta das 8:00 da manhã, checo os meus muitos emails. Respondo a maioria, finalizo essa tarefa , em torno das 9:00. Vou até o laboratório e pergunto a todos o que eles estarão fazendo naquele dia, dou dicas de possíveis problemas que podem acontecer e como resolvê-los. Pergunto também como o experimento foi planejado, é fundamental que os experimentos sejam bem elaborados para que possam gerar resultados consistentes e confiáveis. Trabalho (tanto editando ou escrevendo) em artigos científicos com dados gerados no meu laboratório. Preparo aulas e para isso tem muito material pra ler e estudar. Também faço parte do corpo editorial de algumas revistas científicas e sempre tenho um artigo científico pra avaliar. Quando o tempo permite, ainda consigo fazer trabalho de bancada.
BPM – Como você concilia a vida de mãe, esposa e profissional num país onde a ajuda de fora é extremamente cara ?
Jacqueline – Tenho duas filhas, nunca tive nenhuma ajuda externa. Sempre consegui dar conta da vida pessoal e da profissional, só que o custo pra sua saúde física e mental é caro. Meu trabalho me permite, na maioria das vezes, trabalhar de casa e, quando as meninas ficam doentes, eu geralmente fico em casa com elas e trabalho do meu laptop. Quando tenho reuniões inadiáveis, divido a tarefa de ficar com as meninas com o meu marido. Chegar em casa às 6-7 da noite com duas crianças famintas também é um desafio danado. Uma coisa que aprendi e que é muito útil no meu dia-a-dia, foi fazer aos domingos feijão e todas aquelas comidas que levam mais tempo. Separo em porções e congelo, isso ajuda durante a semana
BPM – Você acredita que teria as mesmas oportunidades profissionais se estivesse no Brasil?
Jacqueline – Essa pergunta tem uma complexidade grande. Em termos de aprender técnicas e conceitos novos, aqui é o lugar pra se estar. Mas em termos de estabilidade de emprego, as universidades públicas brasileiras dariam uma maior segurança. Pelo fato de estar em uma boa instituição aqui nos EUA e ter uma boa produtividade científica, eu tenho mais projeção, sou requisitada pra participar do corpo editorial de jornais científicos com alto impacto, sou convidada como palestrante em congressos.
BPM – Qual seria o aspecto mais positivo e o negativo (se houver) de ser profissional na sua área, nos Estados Unidos?
Jacqueline – Positivo. Oportunidades e exposição a técnicas e novos conceitos, mais dinheiro para pesquisa, salários maiores.
Negativo. Muitas horas de trabalho, pressão constante pra ter mais de um projeto de pesquisa fomentado, necessidade de obter publicações de alto impacto.
BPM – Quais os conselhos que você daria para outras brasileiras que gostariam de trabalhar com pesquisa científica nos EUA, mas que ainda estão no Brasil?
Jacqueline – Se você tem disposição pra trabalhar 10-12hs por dia, inclusive nos finais de semana (muitas vezes é necessário), venha! Aqui as coisas funcionam, os reagentes que você comprou chegam em poucos dias, sua produtividade será astronômica. Mas antes de escolher um laboratório, procure se informar da rotina e das publicações. Se você não puder ir até ao laboratório para conhecer as pessoas antes de vir, procure ter uma conversa via Skype com o seu futuro orientador pra saber mais ou menos o que esperar.