No final de janeiro, bilhões de pessoas comemoram mais uma passagem do ano, porque iniciou-se o ano do galo de fogo no calendário chinês. Esse evento é celebrado não só na China, mas em vários países asiáticos e em cidades com grande número de chineses, como Nova Iorque.
Essa é a mais importante celebração dos chineses e envolve uma série de preparativos e rituais que devem ser seguidos desde alguns dias antes até 15 dias após o ano novo.
Entre as tradições estão: comer alimentos específicos em determinados dias, limpar a casa, comprar certas flores, não falar ou fazer nada de ruim no primeiro dia e dar dinheiro para crianças em um envelope vermelho. Um dos principais rituais é fazer oferendas para os antepassados e esse é especialmente fascinante pois demonstra como boa parte dos chineses encara a morte e o que eles acreditam que acontece após morrermos.
Segunda a tradição chinesa, quando uma pessoa morre, se ela tiver sido boa, ela reencarna como ser humano dentro de uns 5 ou 6 anos. Caso contrário, ela espera cerca de 18 anos e pode voltar como um porco. Durante esse período antes da reencarnação, eles precisam que seus descendentes na Terra cuidem para que tenham tudo que necessitam do lado de lá.
Esse cuidado se dá na forma de oferendas que são feitos no Hall dos Ancestrais ou até mesmo no meio da rua, caso não seja possível ir aonde estão as cinzas do antepassado. O Hall dos Ancestrais é uma mistura de cemitério com templo.
A maioria das pessoas em Hong Kong é cremada e quem tiver comprado um espaço em um Hall, tem suas cinzas depositadas nele, junto a uma placa com seu nome e foto.
Tradicionalmente, quem é responsável pelo ritual as oferendas são os filhos homens e essa é uma das razões pelas quais, em geral, os chineses preferem filhos do que filhas. Para os chineses, é muito importante garantir o cuidado após a morte. No entanto, costuma-se ir em família, inclusive com as crianças.
Ao chegar no Hall, a primeira coisa a se fazer é prestar respeito ao deus local, cujo altar se encontra na entrada. As pessoas acendem incenso e fazem suas orações, oferecendo também frutas e bebidas, e queimando alguns papéis com versos tradicionais.
Já dentro do Hall, elas acendem velas vermelhas (a cor da boa sorte na cultura chinesa) e vários incensos, depositando-os em uma bacia diante da placa do ancestral. Além disso, oferendam comidas e bebidas para o falecido. Geralmente são frutas e carne assada, talvez uma comida especial que o finado gostava, além de chá e vinho.
O ponto alto do ritual é a preparação da sacola com as coisas que o falecido possa necessitar. As oferendas são na verdade réplicas feitas em papel. De praxe, todos colocam versos de proteção e folhas que representam ouro e prata. Além disso, cada família coloca o que mais desejar. No geral, sempre incluem dinheiro (em diferentes moedas como dólares de Hong Kong e americanos, yuan chineses, euro, etc), comidas e roupas e também documentos como passaporte, visto chinês, tickets de transporte e utensílios como óculos, caneta e relógio. Há grande variedade de roupas e joias para escolher.
Com o decorrer dos anos, foram-se incrementando as possibilidades e hoje encontra-se praticamente de tudo em papel para ser ofertado: casas, carros, motos, helicópteros, barcos, geladeiras, microondas, cofres, televisão 3D com óculos, ventiladores, ar condicionado e móveis.
Há ainda kits de beleza, de maquiagem, de barbear e de higiene bucal (inclusive com Listerine e dentadura), além de remédios da medicina chinesa e ocidental.
Na parte gastronômica, as opções são para todos os gostos: sobremesas, sorvetes, frutos do mar, chocolates, cervejas, vinhos e licores e até fast-food. Outras coisas podem ser ofertadas de acordo com hábitos e gostos do falecido: cigarros, materiais esportivos, jogos, equipamentos de ginástica, câmeras, armas, cadeiras de balanço e de rodas e até cadeiras de massagem!
Os animais de estimação não ficam de fora: é possível encontrar cães, gatos, cavalos e até passarinhos na gaiola. A tecnologia se faz presente com computadores, iphones, ipads e o Apple Watch. É realmente impressionante a diversidade e criatividade das oferendas de papel (vejam nesse post alguns vídeos) .
É comum ainda colocar itens a mais para que os falecidos possam compartilhar com outras pessoas que porventura não tenham descendentes para enviar as oferendas. As oferendas são colocadas dentro de uma sacola de papel, com o nome do falecido e do remetente, para que o carteiro divino saiba a quem entregar.
Leva-se um bom tempo preparando a sacola: além de ter uma ordem certa para alguns dos papéis, há que dobrar de uma maneira específica as centenas de folhas que representam ouro e prata. Depois de todos esses preparativos, a sacola é então queimada em fornos especiais dentro dos Halls. A ideia é que as cinzas que sobem com o vento levem as oferendas para o céu.
Após esse ritual, a família pega as comidas e bebidas que foram oferecidas ao falecido e senta-se em uma das muitas mesas espalhadas pelos halls, para comer e beber. Por uma questão sanitária não se pode deixar comida nos halls.
Como é um programa que se faz em família, vira um piquenique, quase uma festa. É uma maneira de compartilhar a refeição com quem já morreu.
Como podem perceber, o investimento de tempo e dinheiro na tarefa é considerável. Ainda mais quando se leva em conta que este ritual não acontece só durante o ano novo chinês, mas deve ser feito ainda em outras 3 ocasiões: no dia do aniversário da pessoa falecida, no dia em que ela faleceu e em um dia especial para o ritual, em abril.