Morar fora do Brasil sempre foi um sonho para mim. Antes de mudar para Suíça tive três oportunidades, mas não encarei nenhuma delas. Dei algumas desculpas, até coerentes na época, e saí fora. Hoje percebo que não estava preparada. Que bom que escutei minha intuição!
Mudar de país não é para qualquer um, ou melhor, não é para qualquer época da vida. A mudança desestabiliza, coloca valores em xeque e propõe desafios básicos que faz você se sentir na estaca zero. Tem que querer muito para dar certo.
Me explico: durante a vida vamos acumulando. Acumulamos coisas, conhecimentos, relacionamentos e todos os tipos de experiências. Vivências boas, outras nem tanto, mas tudo que foi vivido contribui para formar quem somos. Aí você desembarca em um país onde as suas vivências não decodificam mais coisas simples e cotidianas, como escolher uma entre várias marcas de sabão de pó.
Hora de ler rótulos? Em um país como a Suíça, com quatro línguas oficiais, ler rótulos pode ser evento bem complicado.
Aprendi que, admitir que não sabe tudo, observar e perguntar, encurta significativamente qualquer caminho. Lição de humildade!
Quando cheguei ficava horas no supermercado, perdida. Até que comecei a farejar senhoras bem resolvidas, daquelas mães de família, vestidas com gosto, mas com simplicidade. Aquelas que desfilam entre as prateleiras com segurança e pegam produtos sem nem mesmo titubear.
Eram meu benchmark! Armava então um sorriso, que faz milagres por aqui e interagia. Na maioria das vezes me dava bem.
Eu sempre gostei de jantar fora, conhecer lugares novos, testar novas cozinhas e claro, bons vinhos. Fui acumulando conhecimentos e já sabia escolher o que me agradava. Novamente, o acúmulo de vivências. Aqui a carta de vinho não conectava mais com as minhas experiências anteriores e meu único critério era decidir pelo preço. Lá estava eu, de novo, escolhendo pelo preço. Deu até preguiça de reaprender.
E meu primeiro dia de aula na pós graduação… em 2006 estourou um conflito no Líbano e a menina sentada exatamente ao meu lado vinha de lá. Confesso que nunca me interessei pelo Líbano e nem sabia apontar o país em um mapa mas, nunca antes tinha estado tão perto de uma guerra, literalmente. Me senti pequena, desinformada e totalmente despreparada para entender o que ela sentia.
As convicções se trincam e aquilo tudo que se acredita saber e conhecer, desmorona. O mundo é bem maior. Cabe a você, e só a você, se reerguer, aprender e recomeçar. E foi perguntando, com respeito, curiosidade e interesse genuíno, que fui construindo minhas novas bases.
Teve também o mega desafio da língua. Meu inglês já era bom quando cheguei aqui mas na região que eu moro se fala francês. Língua linda, charmosa, mas absolutamente burocrática e formal. Fiquei bastante surpresa em observar que aqui tudo é escrito. Quando se liga para pedir a instalação de um serviço, eles são gentis, solícitos, mas logo pedem que você envie uma carta confirmando a solicitação. Difícil e frustrante se não se sabe escrever. A vantagem é que sempre alguém fala inglês. Ponto para a Rainha Elizabeth!
Fazer o quê? Comecei então a aprender o francês do zero.
Outro mega exercício de humildade é aprender uma língua do zero. A gente quer explicar, se expressar, opinar e não consegue. Tem quinhentas idéias na cabeça mas só consegue dizer “Oui, d’accord”. Falta tudo: vocabulário, estrutura gramatical, verbo no tempo correto. Tudo te impede de expor uma idéia e defendê-la propriamente. Desconfio que as pessoas me achavam meio burrinha, limitada mesmo. “Aquela brasileira quietinha, sem opinião…”
Em um país onde uma em cada quatro pessoas é estrangeira, é bem mais fácil se relacionar com pessoas com experiências parecidas com a sua: também morando fora, interessados em culturas diferentes, longe de amigos e da família e fluentes em inglês.
Nos primeiros anos aqui, praticamente conheci estrangeiros. Estávamos todos no zero e tínhamos muito em comum. Novamente conveniente e confortável. Até que percebí que aqueles gringos, amigos queridos, não me ajudariam a desvendar a Suíça como eu pretendia. Entendi que o domínio da língua local era fundamental para me integrar no país que escolhi ficar. Doa a quem doer!
Fui melhorando aos poucos meu francês até que bati no teto. De lá não avançava mais. Me descolava bem, me virava no dia a dia mas sempre que começava a me explicar ou engatava em uma conversa, as pessoas delicadamente mudavam para o inglês. O interesse e o foco têm que ser imensos para fazer com que a gente continue aprendendo.
A dica é ler livros, ouvir rádio, assistir notícias e, para as solteiras, namorar alguém local. Foi assim que meu francês finalmente deslanchou.
É preciso querer, ter disciplina e bom humor, para conseguir desfrutar dos benefícios que uma mudança de país traz. É um exercício diário, sem fim. Cada dia se aprende algo novo. Aprendemos sobre o país, a cultura e mais que tudo, sobre nós mesmos.
Mas mesmo com todo meu esforço, ainda mantenho meu Français exotique ou francês exótico, provocação de um super amigo. E quero continuar assim, inventando as palavras que não sei e pronunciando cantado o que não se canta. Não vim pra cá para virar Suíça, vim para desfrutar do melhor dos dois países. Minha essência é Brasileira. Quero guardar o sorriso, a ginga e o charme que só as brasileiras têm.
E sim, cada perrengue vivido vale a pena, e como vale!
10 Comments
Adorei o seu texto Teca. Virei a manivela do tempo, quando sai pelo mundo nem 1969, experimentado todo o tipo de sentimentos: saltitante, reclamante, curiosa, chorosa, querendo mamae e papai, desafiadora, determinada, conquistadora e por fim vitoriosa. Aprendi tudo que nao sabia, cozinhar, passar roupa, por uma maquina de lavar roupa para funcionar, reconhecer um bom vinho, libertar-me dos preconceitos, culturas e idiomas diversos, e amadureci. Poucas pessoas tem a sua visao de vida em outros paises. Poem defeitos e reclamam o tempo todo em vez de se focar em assimilar uma nova cultura e acumular conhecimentos. Palmas para voce, vou compartilhar, quem sabe ascende uma luzinha no cerebro de quem esta’ numa ruim. Abracos xxx.
Que bom que gostou Juraci.
É duro sim e pelo que estou vendo, a maioria vive as mesmas experiências, com todas as frustrações e recompensas. Mas é exatamente o que você disse: amadurecemos enquanto vivemos experiências indescritíveis!
Bravo para nós todas!
Abraço, Teca
Acredito que os começos de quem escolhe mudar de país são bem parecidos, mesmo. Essa dificuldade de se movimentar em meio ao desconhecido, a pequenez por não saber se virar no idioma local, a frustração que isso dá e, ao mesmo tempo, a vontade de superar tudo, falando mais alto. Também tive essas fases e entendo tudo o que você escreveu. O legal é se abrir, mesmo, e devorar essa experiência de ampliação de horizontes e desenvolvimento pessoal através do aprendizado e do convívio social.
Seja bem-vinda ao time 🙂
Obrigada pelas boas vindas Cristiane,
É uma delícia poder interagir com pessoas diferentes, espalhadas por todos os cantos do mundo e muitas vezes vivendo experiências tão similares.
Abraço para você!
Teca
Foi assim que me senti quando me mudei. Mesmo já sabendo a língua inglesa. se mudar para o interior, com sotaques diferentes foi um choque.
E concordo com você, não devemos deixar nossas raízes escondidas 🙂 Somos Brasileiras!!!!
Mas se cresce tanto morando em outra cultura, né?!
Beijo,
Ju.
Oi Ju,
Obrigada pelo seu comentário e por dividir sua experiência.
É isso ai, toda a mudança nos tira da nossa zona de conforto.
É verdade também que mais e mais pessoas estão se aventurando fora de seus paises… resultado da globalização mas também da riqueza de experiências que se vive morando fora.
Vale a pena sim, como você disse, o crescimento é incrível!
Abraço para você!
Teca
Me identifiquei! Essa de recomeçar do zero, realmente não é para qualquer um. Pode ser considerado até um dom né… Depois você faz isso com a maior naturalidade, em qualquer idioma que você não conhece, você acaba por identificar rótulos, por exemplo, pela sua intuição, pela cor, procura o desenho da vaquinha, ou da galinha na embalagem, e acaba por dar certo. Passo o mesmo aqui na China. Se identifico 1 caractere na embalagem, já é meio caminho andado 😛 hahahaha
E essa da lição de humildade, é fatal né! hehehe um ótimo crescimento pessoal 😀
Parabéns pelo texto! Me identifiquei muito, com o que passo aqui na China!
Olá Bruna,
É isso aí, acho que no final cada um que se aventura fora de seu país passa por coisas parecidas.
Agora confesso que estou achando pouco o que passei na Suíça, quando imagino o que você deve ter passado na China. Humildade é pouco!
O bom é que a gente sabe que vale a pena, cada segundo e cada experiência… e que no final, com o humor brasileiro, vira tudo piada de bar!
Um abraço para você e muito obrigada por dividir sua experiência aqui.
Teca
Nossa! Tenho que entrar nesta roda para deixar essa sensação do Clube da Luluzinha….Gostei de todas vocês! Como viver outra cultura abre a mente das pessoas, né! E de uma certa forma, portanto, auxilia no nosso crescimento intelectual também. Eu estou na fase contrária de vocês. Morei alguns anos na Inglaterra e poucos meses na Italia. Sou um afro-ítalo-brasileiro ou seja, um cara de pele morena e cabelos encaracolados com passaporte italiano…Minha primeira fase na Italia foi bem difícil, pois era totalmente dependente da minha “exposa”.Depois na Inglaterra consegui um trabalho ótimo como segurança de eventos tendo a oportunidade de participar de eventos conhecidos mundialmente. Fiz o papel Papai Noel indo e vindo ao Brasil tendo o resultado esperado. Um dia voltei de mãos vazias e agora para sobreviver trabalho como gari nas ruas de Guarapari. Passei muitas coisas e devo admitir que perdi um pouco a coragem, mas lendo estes textos voltei a pensar na possibilidade de retornar. Amo a Suíça. Fui diversas vezes lá e meu inglês ajudou muito como turista. Espero um dia, num estalo de dedos, decidir. Obrigado! Se quiserem podem deixar algumas dicas…
Teca, adorei…. sei bem o que vc passou e passa. Vc expressou com bom humor e sabedoria. Bem vinda ao BPM!!!