Eu acho que essa coisa de mudança tem a ver com personalidade.
Eu conheço pessoas que nasceram e moraram num mesmo bairro toda uma vida. Até viajavam para uma praia próxima nas férias, mas sempre voltavam para o mesmo lugar.
Eu nasci em São Paulo, vivi lá até meus 23 anos, quando fui transferida para o Rio de Janeiro pelo meu trabalho. Era compradora de moda da Mesbla (a maior loja de departamentos do Brasil, na época) e o departamento todo, que era em São Paulo, foi transferido para junto da Diretoria.
No Rio de Janeiro me casei, tive três filhos e vivi lá por 18 anos. Quando cheguei ao Rio, nos meados dos anos 70, ainda era a Cidade Maravilhosa, mas a violência foi se instalando, as favelas começaram a virar bunkers de traficantes. O crime se organizou. Vivíamos uma época de sequestros. Sequestros relâmpagos, sequestros de bebês e babás e sequestros tão próximos que pude assistir a um de camarote e vivi um pavor incontrolável, hoje chamada Síndrome do Pânico. Em conjunto, tivemos o Plano Collor, que raspou nossa poupança toda e parou total a economia do país por meses.
Aí sim foi minha primeira grande mudança. Em três meses fiz as malas da família e mudamos para Fortaleza. Começar de novo, do zero e com três crianças.
Fortaleza era uma cidade menor, tranquila e segura, aonde as crianças iam pra escola a pé, com um polo de confecções bem grande e eu era uma profissional bastante conhecida e respeitada no Brasil todo. Isso facilitou meu ingresso no mercado de trabalho local e rapidamente me estabeleci. Trabalhei como consultora de moda, estilista e designer de estampas para várias confecções e por fim tive (e ainda tenho) minha pequena confecção e estamparia digital.
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Mas a vida sempre nos prepara surpresas, dos três filhos, dois se mudaram para a Austrália e um para Campinas (SP), com suas respectivas famílias. A vida continuou normal, por um tempo viajava quase todo ano para matar a saudade. Mas o Brasil não é um país para amadores, ser um pequeno empresário e atravessar as diversas crises não é fácil. Em final de 2015, além da crise financeira, atravessava uma crise de relacionamento. Meu parceiro na vida era o mesmo parceiro nos negócios.
Decidimos nos separar e em 29 de fevereiro de 2016, pus meus 64 anos dentro de duas malas de 23 kg e cheguei à Austrália.
Cheguei otimista e com um inglês bem básico, achando que iria viver com os filhos e cuidar dos netos, mas sou muito ativa e como tenho um visto que me permite estudar e trabalhar, fiquei irrequieta.
Primeiro tentei, por vários meses, um emprego na minha área, fui chamada para algumas
entrevistas, mas o Inglês mal falado sempre pegava. Viver com uma mesada do filho era surreal para mim, que sempre fui financeiramente independente desde meus 17 anos. Os negócios no Brasil indo de mal a pior, sem chances de me manter aqui na Austrália.
Então achei que era melhor encontrar um curso para melhorar o inglês, procurando na Internet, encontrei um curso subsidiado por uma organização multicultural e pelo governo. Tudo que eu precisava. SEM CUSTOS! Quando cheguei lá, fui entrevistada por uma chinesa que me convenceu que meu inglês era bom (fiz um teste) e que eu tinha que fazer um curso para educadora de crianças até quatro anos e trabalhar em creches porque o mercado estava carente desses profissionais.
Isso nunca tinha me passado pela cabeça e me lembrei da minha mãe! Ela sempre tinha um ditado para todas as ocasiões: “Em terra de sapo, de cócoras com ele”.
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Matriculei-me no curso, de seis meses. Passei muitas madrugadas fazendo trabalhos, meu inglês melhorou bastante, e nem preciso dizer que era a mais velha da turma de 60 alunas.
Fiz um estágio obrigatório de 120 horas. Para consegui-lo, visitei 10 creches. Nada foi fácil, aliás, tudo sempre bem difícil. Mas gosto de desafios e gosto ainda mais de superá-los, como um jogo.
Na última semana de estágio, e de curso, comecei a me candidatar para os empregos para os quais estava me preparando. Tive muitas negativas, acho mesmo que a idade é uma barreira, mas não desisti. Segui meus instintos e fui pessoalmente numa creche para a qual já havia enviado o currículo, só para demonstrar meu interesse. Voltei lá mais uma vez e fui chamada para entrevista. Já estou trabalhando lá há quatro meses, num emprego casual.
O trabalho não é fácil. São crianças de seis meses a quatro anos, envolvendo toda rotina das crianças, alimentação, higiene, brincadeiras, educação, mais toda a rotina de limpeza do ambiente físico: outdoor, caixa de areia, salas, corredores, banheiros, cozinha, lavanderia. Posso dizer que nem sinto falta da academia de ginástica.
Às vezes, com o cansaço no corpo ao fim de um longo dia de trabalho e lembrando a vida no Brasil, onde pouco me lembro de ter lavado uma louça ou limpado um banheiro, sinto vontade de chorar.
Mas ao mesmo tempo me lembro da insegurança, de não poder andar na rua sem medo, e me sinto livre. Liberdade mão tem preço!
Sou uma pessoa muito grata. Agradeço à Vida pelas minhas oportunidades. Sinto que sou uma pessoa privilegiada, inteligente e otimista. Não me importa o status do meu trabalho, me importa que esteja produzindo, que esteja sendo útil, ajudando minha família, aos outros e a mim mesma.
19 Comments
Que texto maravilhoso! Muito obrigada por compartilhar essa história tão inspiradora 🙂
Boa sorte e sucesso sempre!
Mariangela. Eu também gostei muito do seu texto e da sua história. Crescemos sempre e damos sentido a vida. Uma crise pode ser um novo comeco. O importante é sempre olhar para frente, como você fez!
Que trajetória de vida! Parabéns pelas conquistas e felicidades na Austrália! ?
Parabens pela coragem e fé em si mesma !
Parabéns pelo lindo texto , e por sua coragem . Você é uma inspiração pra muita gente que tem vontade de procurar o novo , e deixar o que não está mais dando certo . Boa sorte em sua nova vida …
A sua história é muito inspiradora e revela que na vida a gente tem de se reinventar sempre, encontrar soluções e novos caminhos pra ser feliz. Sucesso pra vc!
Que legal sua história. Mudar de país também me fez repensar um pouco questões de carreira e trabalho, espero conseguir “me encontrar” também.
palmas pra voce. Siga em frente, mude de novoo se necessario. Parabens
Parabéns pelo texto, obrigada por compartilhar, a vida é assim né, incansavelmente aprender!!!
Inspiração define sua história. Muito obrigada por compartilhar. Sucesso na nova vida.
Mariangela
Parabéns pelo seu exemplo, que nos mostra que sempre é possível recomeçar e buscar a felicidade. Muitas mulheres acham que na vida madura deve-se resignar e aceitar a vida como ela é, apesar da insatisfação e frustação .
?obrigada pelo exemplo.
Parabens e obrigado, seu texto é excelente!
Linda sua história Mariangela. Temos sempre uma vida pela frente, mesmo aos 60 anos!
Parabens! Seu depoimento e inspirador
Que texto lindo. Tudo a ver com o momento que estou vivendo, tentando me recolocar no mercado de trabalho sueco e exatamente numa escola de educação infantil, que não tem absolutamente nada a ver com a minha área de trabalho no Brasil! A felicidade é a sempre será uma escolha! Parabéns pela boa energia que vc irradia?
Linda e inspiradora historia! Obrigada por dividir!
Vitoriosa, um ótimo adjetivo para você. Também já andei o Brasil um pouco, com um filho – que agora está começando a andar com as próprias pernas. E hj, com 51 anos, estou sentindo que tenho que continuar andando. O que será essa coisa que não nos deixa colada muito tempo no mesmo lugar? Felicidades Mariangela.
Que lição d Vida! Adorei. Também estou tentando um recomeço (realmente o inglês me faz falta) quase na mesma idade da Mariangela. Sucesso pra nós, que não desistimos. E vamos que vamos.
Abraços.
Parabéns Mariangela!
Otimo Depoimento! Muito Sucesso!