Muito se tem falado na Bélgica ultimamente. Há alguns meses o país tranquilo que pouco aparecia no noticiário internacional, virou o centro do mundo naquele fatídico dia 22 de março. Melhor dizendo, dia 13 de novembro de 2015, dia dos atentados em Paris, quando a mídia começou a dar mais atenção aos bairros belgas de maioria muçulmana (como o Molembeeck) de onde saíram os terroristas.
Poucos sabiam que Bruxelas, sua capital, é sede das mais importantes instituições da União Européia. Chocolates divinos, cerveja para mais de 1500 gostos, belas cidades, Manneken Pis, batata frita com maionese, belos castelos à la conto de fadas, berço da Tomorrowland, enfim…era tudo o que a maioria dos brasileiros sabia sobre a Bélgica em um primeiro momento.
Tudo sempre pareceu funcionar perfeitamente. Não só para os belgas, mas também para mim, brasileira, acostumada aos perigos típicos de Belo Horizonte. Era como viver no paraíso da segurança e do bem-estar social: as mutuelles (fundos de seguro de saúde) garantem acesso de ricos e pobres aos mesmos hospitais, dedução progressiva de imposto de renda conforme o número de filhos dependentes, auxílio-desemprego, justo.
Mesmo nas comunas (bairros) de Bruxelas como Molembeek e Schaerbeek, de grande quantidade de imigrantes e onde o poder aquisitivo é menor, tudo parecia funcionar na mais perfeita calma.
Começaram a chegar então os refugiados sírios, dezenas, centenas. Diversas outras nacionalidades, inundando as notícias e saltando aos nossos olhos naquela condição de desespero para saírem de seus países de origem. Famílias, muitas vezes acompanhadas por velhos e crianças, atravessavam a fronteira da Turquia, jogavam-se na Grécia, enfrentavam o ódio nas fronteiras com a Croácia e com a Eslovênia, a Alemanha, e de repente a Bélgica. Já se percebia pelas ruas e comentários dos amigos e conhecidos que algo já começava a impactar o país: como receber e acomodar tantas pessoas? E se entre eles houvesse terroristas escondidos?
Eu mesma convivi por alguns meses com dezenas de refugiados quando me matriculei em um curso de Neerlandês no CVO de Turnhout, um centro de educação de adultos, próximo a onde irei morar. Era a única brasileira e não-refugiada da minha sala. Paquistaneses, iraquianos, sírios, afegãos, iranianos, um queniano, um camaronês. Faixa etária, entre 19 e 55 anos. Profissões, de encanador a engenheiro químico.
Que experiência incrível poder conversar com aquelas pessoas, sozinhas ou com suas famílias, que tinham uma realidade tão diferente da minha e que haviam passado por tantas provações até chegarem ali: uma sala de aula em uma pacata cidade belga. Muitos ainda viviam nos campos montados para refugiados em Arendonk, com 6, 15, 20 pessoas juntas, sem televisão, computador, mas se mostravam muito determinados a aprender a língua, encontrar um emprego, moradia, viver bem.
Durante esse tempo, apenas me lembrava da ameaça terrorista quando ia ao cinema ou a algum shopping center e encontrava 2 ou 3 militares fortemente armados na entrada. Era como uma ameaça suspensa. O nível de alerta desceu de 4 para 3, já não havia ruas bloqueadas, lojas, restaurantes e metrôs funcionavam normalmente, e nos noticiários apenas ouvíamos que ainda procuravam Salah Abdeslan.
Eram histórias de que ele havia sido visto em Molembeek, mas que a polícia o havia deixado escapar por não ter autorização para fazer prisões noturnas. Depois, casos de que ele havia fugido para Liège e seguido em direção à Alemanha. Criticavam Charles Michel, Primeiro Ministro belga, afirmando que o fechamento das lojas e restaurantes havia trazido prejuízo para o país. A polícia achava algumas armas aqui, outros suspeitos acolá, e era tudo.
Quatro meses se passaram após os atentados de Paris e, finalmente, dia 19 de março, a polícia encontra Salah Abdeslan. Onde ele estava? Molembeek, seu bairro de sempre. Dias depois, 22 de março, dois homens-bomba se explodem no aeroporto internacional de Bruxelas e outra bomba é explodida no metrô da cidade, na estação de Maelbeek.
Parecia que os belgas se perguntavam, perplexos: onde foi que erramos? Como suas excelentes escolas, suas mutuelles, seu auxílio- desemprego não conseguiram promover uma integração verdadeira nem conter o ódio dos radicais? Sentia-se uma xenofobia no ar e muitos afirmavam que o problema eram os muçulmanos que se aglomeravam pelo país, fazendo de Bruxelas uma capital islâmica da Europa.
Cogitou-se, inclusive, que os bairros de maioria muçulmana em Bruxelas tinham uma posição estratégica para as células terroristas por serem integrados à cidade e ligados aos dois centros, quando comparados aos de Paris, afastados, nos arredores do glamour parisiense.
Ao mesmo tempo, não parecia que estivessem atacando a Bélgica, mas toda a Europa. Não explodiram o Atomium, o Manneken Pis, nenhuma Frituur, nenhuma chocolateria, nem o palácio real. Nenhum símbolo belga, propriamente dito, foi atacado.
A vida continuou. Certa consternação ainda está no ar, mas começa- se a entender que não é a comunidade muçulmana a responsável, e sim os recrutadores extremistas nela infiltrados. Na manifestação que reuniu quase 15 mil pessoas hoje em Bruxelas, 17 de abril, chamada de Marcha contra o Medo – Todos Juntos, via-se um grande número de muçulmanos e moradores de Molembeek pedindo para que os terroristas parassem de usar o Islã na justificativa de seus atos.
O que todos esperamos, sem exceção, é que 22 de março não seja apenas a ponta de um iceberg, e que a Bélgica volte o mais rápido possível à posição tão pacata de onde nunca deveria ter saído.
4 Comments
Parabéns pelo texto, Elisa. O mais importante agora é, de fato, promover a integração desses refugiados e combater a xenofobia. Aqui na Holanda, temos um número bem significativo de muçulmanos, totalmente integrados à sociedade. Muitos refugiados têm chegado, também, e a maior preocupação do governo é promover a inserção social e facilitar o recomeço de uma vida produtiva. Resta-nos torcer para que as atitudes positivas prevaleçam e que a paz seja mantida. Um abraço!
Obrigada pelo comentário, Regina! Realmente…essa situação se repete em vários países da Europa. Não tem sido mais tão alardeado na mídia como no início do ano, mas os problemas persistem…e atitudes boas também. Na Alemanha e na Bélgica sei que aconteceram alguns incidentes, como casos de assédio sexual envolvendo grupos de refugiados. Torçamos mesmo para que os poucos arruaceiros não prejudiquem os sérios e bons que chegam. =)
Abraços!
Belíssimo post. Morei na Alemanha e fiz amigos muçulmanos e que são excelentes pessoas , e inclusive contrários à qualquer radicalismo. Vi também muitos muçulmanos e outros estrangeiros totalmente integrados à sociedade alemã. Sinceramente, tenho saudade da diversidade religiosa da Europa (tenho amigos cristãos, muçulmanos, ortodoxos e ateus)bem como da diversidade de línguas que eu via os imigrantes falando, a diversidade de nomes e costumes, também. Como o Brasil não é mais um pais de tantos imigrantes, esse contato com realidades e países tão diferentes não é possível aqui.
Algumas pessoas falam que os estrangeiros não querem se integrar à sociedade alemã, outros falam que os alemães que não recebem bem os estrangeiros. Pra mim, claro que há casos isolados, mas isso é devido à diferença cultural. Não sei os Belgas, mas os alemães são muito diretos, críticos e reservados, o que faz com que alguns estrangeiros (inclusive Brasileiros) não se sintam bem-vindos, mas na verdade a Alemanha tem uma política de vistos bastante leniente, comparado com outros países desenvolvidos, o que mostra que estrangeiros são bem-vindos lá.
Olá, sou pesquisador da PUC-Goiás em Ciências da Religião. Estarei em junho de 2017 em Bruxelas para realizar uma pesquisa etnográfica com refugiados do Oriente Médio.
Descobri seu blog e gostei muito. Você teria disposição para participar da pesquisa na condição de colaboradora interprete? Caso se se interesse, por favor envie e-mail para leveadv@hotmail.com para que possa enviar o projeto de pesquisa.
Ah! Também sou advogado e mestrando em Ciências da Religião, segue link do meu curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/2101085253779479