No dia sete de maio, depois de amanhã, teremos eleições na Inglaterra e os britânicos irão às urnas. A eleição vai definir o próximo primeiro-ministro. A campanha eleitoral daqui dura apenas vinte e cinco dias úteis, sem horário eleitoral gratuito todo dia na tevê e no rádio. Aleluia, irmão! Mas essas semanas são intensas, cheias de factoides, acusações e reviravoltas. Melhor ir por partes:
O voto no Reino Unido é distrital. O país é dividido em 650 distritos eleitorais. O eleitor vota no parlamentar da sua região. Cada região tem apenas um representante no Parlamento. Fica mais fácil acompanhar o que o parlamentar anda fazendo. O eleitor não escolhe o primeiro ministro. Na prática, o primeiro ministro é o líder do partido com maioria no parlamento. Este sistema tem um lado bom e outro ruim. O bom é que fortalece os partidos políticos e suas ideias, mas às vezes põe o eleitor numa sinuca de bico.
Vou dar um exemplo. Na região onde vivo, o membro do parlamento é de um partido que não tem a menor chance de fazer o próximo primeiro ministro. Tenho conversado com algumas pessoas que reconhecem que ele faz um bom trabalho, é dedicado e acessível. No entanto, esses mesmos eleitores dizem que não vão votar nele, porque acabariam favorecendo outro partido, que não querem ver no poder. Ou seja, o dilema é: voto para o meu político local e esqueço a eleição para o cargo principal, ou escolho um candidato que não me representa localmente?
Como nas últimas eleições gerais nenhum partido obteve maioria absoluta, o líder do partido mais votado, Conservador, foi convidado a formar uma coligação. Essa aliança formada em 2010 ainda repercute na política por aqui.
Tradicionalmente, o Reino Unido tem três partidos principais: os dois gigantes, Trabalhista e Conservador e o Liberal Democrata, que corria por fora. Simplificando bastante a história: o Conservador, como o próprio nome diz, é mais tradicionalista. Suas políticas sociais são mais conservadoras e as políticas econômicas tendem para o neoliberalismo, apontando para uma participação menor do Estado na economia, redução de impostos e gastos em programas sociais.
O partido Trabalhista nasceu nos sindicatos, é mais liberal em questões sociais (aborto, casamento gay, etc). Na economia, defende a participação maior do Estado, investimento em políticas sociais e, se o preço é o imposto, que assim seja.
Os ‘ Libdems’ historicamente estavam mais próximos dos Trabalhistas do que dos Conservadores. Entretanto, desde as últimas eleições gerais, fazem parte da coalizão com os Conservadores. Só a título de comparação, mais ou menos como Marina Silva apoiando Aécio Neves.
Uma coisa é ser oposição, outra coisa é ser governo. Uma das maiores bandeiras dos ‘LibDems’ era de que os empréstimos aos estudantes universitários não sofreriam cortes (ponto de honra depois dos protestos estudantis, principalmente em Londres em 2010).
Na queda de braço que é governar, o liberal Nick Clegg, que é o vice do primeiro ministro de David Cameron, saiu perdendo. Seus eleitores nunca perdoaram. Nas últimas eleições para o parlamento europeu, os Libdems foram o partido que mais perdeu. Na corrida eleitoral atual, ele anda bem apagadinho, se esforçando para não ver seu espaço no parlamento minguar ainda mais.
Enquanto conservadores, trabalhistas e liberais democratas se estapeiam, outro partido se fortalece no Reino, comendo pelas beiradas. O UKIP (UK Independent Party), o partido Independente, cresce e faz estragos na política interna.
Seu líder é um sujeito chamado Nigel Farage, que adora dar entrevistas em pubs fazendo a linha popular e que parece uma caricatura saída de uma revista em quadrinhos. O estilo diferente e menos formal apela para as camadas mais conservadoras e xenófobas da sociedade britânica. Ele tem duas únicas ideias: o Reino Unido tem que sair da Comunidade Europeia e tem que fechar suas portas para os imigrantes que, segundo ele, ‘roubam os empregos locais e colocam o sistema de saúde sob pressão’. Farrage defende, entre outras coisas, que se negue a naturalização aos imigrantes HIV positivos.
O partido Independente não é grande o suficiente para fazer um primeiro ministro mas pressiona os outros partidos, que anunciam políticas visando restringir a entrada de estrangeiros no país. Imigração é um tema quente nessas eleições, como acontece em muitos outros países europeus.
A grande surpresa desta corrida eleitoral é, na verdade, uma mulher. Nicola Sturgeon é a líder do Scottish National Party, o partido nacionalista escocês e a ‘primeira ministra’ da Escócia. Ano passado os escoceses participaram de um referendo para decidirem se queriam ou não se separar do Reino Unido, uma das bandeiras do partido nacionalista escocês. Perderam, mas a disputa foi apertada. O líder do partido, Alex Salmond, saiu depois da derrota e Nicola Sturgeon começou a brilhar em seu lugar.
Ela é advogada, fala muito bem e passa uma imagem de competente. Tem surpreendido nos debates políticos. Em geral, suas políticas estão mais próximas do partido trabalhista do candidato Ed Miliband, que apresenta uma ligeira liderança nas pesquisas de intenção de votos. Nicola acenou com uma possível aliança com os trabalhistas (ao que tudo indica, como aconteceu em 2010, será necessário criar uma coalizão para definir o próximo primeiro ministro). Miliband anda esnobando a oferta. Nicola diz que é blefe.
Uma coisa é certa, em época de eleição o terrorismo psicológico vai às alturas. Os Conservadores alertam: se votarem nos trabalhistas, eles irão arruinar a economia, como fizeram antes. Além do mais, o Reino não será mais tão unido assim. Os trabalhistas vão se juntar aos escoceses, que irão votar pela independência da Escócia.
Nicola Sturgeon, em sua oferta de apoio aos trabalhistas, quer um novo referendo. Daí umas das razões para Ed Miliband dizer que não vai se unir aos escoceses. Além do mais, o partido de Nicola Sturgeon anda roubando o terreno, tradicionalmente ocupado pelos trabalhistas.
Semana passada recebi, pelo correio, a minha cédula eleitoral. Já marquei o X no quadradinho de meu candidato. Selei o envelope e o depositei numa caixa de correio.
Tudo muito civilizado e fácil. Difícil vai ser adivinhar quem será o próximo primeiro- ministro. Dia 7 promete!
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2 Comments
excelente texto, obrigado!
Fico contente que tenha gostado, Rodrigo. Obrigada.