Quando a gente mora em um país estrangeiro passamos por milhares de adaptações, afinal estamos trocando de idioma, cultura, hábitos. No entanto, o que poucos falam é que também precisamos nos adaptar à política do novo lar, pois certamente no país que escolhemos para ser nossa nova casa se organiza politicamente diferente do Brasil. Outra mentalidade, outro regime de governo, outra forma dos cidadãos se relacionarem com os políticos. Para isso é preciso ler, acompanhar diariamente os jornais e claro, participar respeitosamente das conversas, porque até o jeito de discutirem sobre política pode ser distinto ao que você está acostumado.
Como todos vocês sabem, a Espanha se define como uma monarquia parlamentaria. Por si só, isso é completamente diferente do que vivíamos no Brasil. Significa que há um rei que todo mundo respeita, mas não faz muita coisa e um primeiro-ministro que é escolhido pelo partido majoritário, certo? Mais ou menos.
Cada uma das dez monarquias parlamentárias do continente guarda suas características particulares. Afinal, Brasil e Estados Unidos são repúblicas e ninguém diz que ambos são iguais.
Aqui a monarquia voltou depois de uma experiência republicana que desembocou na Guerra Civil. Derrotada a República se inaugurou o período de ditadura franquista (1939-1974) o que gera muitas discussões dos dois lados até hoje. O atual rei Juan Carlos I foi o escolhido por Franco para ser seu sucessor e assim garantir a continuidade do regime. No trono desde 1974, contudo, o rei se afastou dos ideais antidemocráticos e fascistas do franquismo e ajudou a desmontar toda a estrutura ditatorial e assim transformar a Espanha em um país efetivamente democrático.
A função do monarca fica restrita aos bastidores reunindo-se periodicamente com o presidente de governo e os demais presidentes das comunidades autônomas. Opa!
Presidente? Mas você não disse que o país era uma monarquia? Disse. Mas aqui o político que ocupa o cargo equivalente ao de primeiro-ministro é chamado de “presidente do governo” e é eleito diretamente pelos cidadãos.
A imprensa brasileira geralmente comete este equívoco. Não tem problema: a imprensa espanhola insiste em denominar o Brasil de “país carioca”.
Ao contrário de outras monarquias como a holandesa ou a belga, o monarca espanhol não interfere na escolha do presidente de governo, caso os partidos não cheguem a um acordo. Igualmente cumpre a função de chefe das Forças Armadas, representa o país nos fóruns internacionais e, finalmente, é um símbolo da unidade territorial, algo extremamente importante se tratando da Espanha. Para quem acha que um rei não faz nada, o soberano acumula várias funções.
Quando chegamos por aqui, em 2010, a crise já estava instalada e começava a ameaçar o governo do socialista Zapatero que cumpria seu segundo mandato. Os manifestantes já estavam nas ruas e os sindicatos haviam convocado greve geral. Para evitar o pior, Zapatero antecipou as eleições e o seu opositor, do Partido Popular, Mariano Rajoy, ganhou o pleito.
De todo este imbróglio político houve apenas um item em que não precisei me adaptar: a corrupção política. Os políticos espanhóis nada ficam a dever a seus colegas brasileiros em termos de tráfico de influência, desvio de verbas, suborno e demais modalidades de corrupção. Um exemplo é o caixa 2 que existia no Partido Popular envolvendo o tesoureiro do partido. Alguém aí se lembrou de PC Farias? Eu sim!
Infelizmente, também a monarquia não escapou da espiral de corrupção. O marido da Infanta Cristina, a filha do meio do rei, está sendo acusado de desvio de verbas públicas e tráfico de influência. O casamento era considerado perfeito, uma espécie de contos de fadas masculino, onde o homem seria a Cinderela. Afinal, o candidato não tinha origem nobre e foi medalhista olímpico com a seleção espanhola de handebol nos Jogos de Atenas (96) e Sydney (2000). Além disso, vinha do País Vasco, região sempre conflituosa pela questão separatista.
O casamento foi realizado na catedral de Barcelona – capital da Catalunha, outra região separatista – com toda pompa e circunstância. O genro que mamãe pediu a Deus. Não era para ter um final perfeito? Mas não. Um juiz de Palma de Mallorca descobriu que o genro era bonitinho, mas ordinário e usava a prerrogativa de ser “marido de” e “genro de” para obter verbas a fim de organizar eventos que nunca chegaram a ser realizados. O dinheiro arrecadado estaria em contas da Suíça ou paraísos fiscais similares.
A investigação já dura dois anos e ele já depôs algumas vezes para aclarar que não tinha nada ver com a história e quem realizava todos esses trâmites era o sócio. Ele, pobrezinho, teria sido enganado pelo parceiro também.
Com tantos papéis assinados e sócios de reputação duvidosa, acabou sobrando para a Infanta Cristina, pois seu nome aparece no quadro diretivo de algumas empresas constituídas pelo marido. Acostumada que estou com a impunidade brasileira, onde os filhos de ex-presidentes envolvidos em negócios escusos sequer são tema para a imprensa, pensei que a Infanta não seria atingida. Entretanto, depois de um ano de protelação, ela foi intimada a prestar depoimento para esclarecer sua participação com os negócios do esposo.
O escândalo deu motivos de sobra para os republicanos espanhóis pedirem a mudança de regime de governo. A ala mais moderada minimizou a contenda e pede somente a abdicação do rei ao príncipe Felipe, herdeiro do trono. A grande maioria, porém, comenta o caso da Infanta com tristeza, afinal, ninguém gosta de contos de fada com finais tristes.
8 Comments
Muito bom seu texto, Juliana! Explicou de uma forma bem leve como a política funciona por ai! Gostei!
Obrigada, Monica!
Muito bom o texto, me trasladou aos três anos que estive em Madrid vendo de perto tudo o que Juliana reportou de forma clara e categórica.
Obrigada, João!!
Infelizmente corrupção nao é exclusividade do Brasil, muito bem escrito seu texto e a gente sente que política é definitivamente algo importante pra voce e deveria ser pra todos nos! A refletir! Namasté 🙂
Muito leve e fácil de entender esse texto. E fico feliz de saber que não é só a imprensa chilena que chama os brasileiros em geral de cariocas. Nada contra o pessoal do Rio, mas sinto que eles não são o único que representa o Brasil, não é??
Concordo, Georgina. O Rio foi durante muito tempo a capital do Brasil e tem o apelo acho que por isso os gringos ainda confundem. Afinal, a capital da Austrália é Sidney, né ? Por que essa tal de Camberra, francamente…hihihihihi.
Pingback: Espanha – Cursos de Pós Graduação