Quando se pensa em unir duas das grandes paixões humanas: vinho e viagens, as pessoas logo imaginam a região de Bourdeaux, na França, da Toscana, na Itália e até da Califórnia, nos Estados Unidos. Porém, além desses roteiros óbvios, existe um paraíso para os amantes do vinho no estado da Virgínia, a apenas algumas milhas da capital Washington DC.
Pouca gente conhece e sabe, mas o passeio é delicioso. Atualmente são mais de 260 vinícolas em atividade na região. A maioria possui suas próprias videiras e outras importam as melhores uvas de outras áreas, além do “escambo” comum entre produtores, que trocam os excessos de suas colheitas.
A história da Virginia como terra de vinhos começou há muitos anos atrás, no tempo em que os EUA eram uma colônia britânica. No pequeno assentamento de Jamestown, às margens da Baía de Chesapeake, as primeiras mudas de uva foram plantadas. Em 1619, uma lei determinada pela corte da Inglaterra exigia que cada homem no acampamento plantasse e cultivasse pelo menos 10 mudas de uvas viníferas.
O esforço foi em vão e a falta de recursos e pestes enfrentadas não permitiu que o cultivo vingasse.
Anos se passaram e Thomas Jefferson, um dos principais fundadores da república norte americana, não desistiu do sonho de fazer da Virgínia um centro produtor de vinhos. Nas terras de sua propriedade, Monticello, situada na charmosa cidade de Charlotesville, ele passou anos investindo e cultivando uvas viníferas. Alguns anos mais tarde, ninguém menos do que George Washington também aderiu ao sonho e passou a cultivar uvas em sua fazenda. Mount Vernon, às margens do rio Potomac.
Ambos não viram o sucesso de seus esforços, que chegou somente em 1820 quando, finalmente, foram reconhecidas as qualidades viníferas das plantações. Em 1889, ano em que a Torre Eiffel foi apresentada ao mundo na famosa feira internacional de Vienna na Áustria, um vinho produzido na Virginia, feito a partir de uma uva local chamada Norton, ganhou a medalha de ouro do melhor tinto do mundo!
Os olhos da produção vinícola voltaram-se para a Virginia e muitas plantações foram iniciadas. Contudo, no início do século XX a lei seca americana acabou mais uma vez com esse sonho e tudo ficou estacionado até o final da década de 1950.
Com o fim da proibição alcóolica, os esforços foram recomeçados e, em meados de 1970, renomados vinicultores italianos começaram a reinvestir na região de Charlotesville. Hoje, a Virginia conta com quase 300 vinícolas ativas, sendo o quinto maior estado norte americano produtor de vinhos.
A extensão territorial da Virginia é dividida em cinco diferentes espaços climáticos, que sofrem as respectivas influências geográficas: litoral, montanhas do sudoeste e do nordeste, pé de monte e margens do Potomac. Isso propicia um rico terroir e a possibilidade de cultivo de mais de 20 uvas diferentes. As mais populares são: Viognier, Petit Verdot e Cabernet Franc.
A produção ainda carrega o charme dos empreendimentos familiares, com casas pequenas e cuidados artesanais. Além da descoberta de vinhos de ótima qualidade, um passeio pelo local revela paisagens maravilhosas que podem ser admiradas nas quatro estações do ano.
Dirigindo por estradas secundárias e bucólicas, é possível conhecer diferentes vinícolas e fazer durante o percurso um passeio marcado por degustações.
Primavera, verão e outono são marcados por inúmeros eventos que ocorrem nos campos cercados por vinhedos, como piqueniques, concertos de música e feirinhas de produtos orgânicos e artesanais. Além, claro, da famosa vindima, que acontece em setembro, marcando simbolicamente o dia do trabalho nos EUA e, também, o início da colheita e produção de vinhos.
Tem até brasileiro empreendedor no pedaço! A Casanel, cujo proprietário é o simpático carioca Nelson DeSouza, já virou uma das referências na região, com vinhos altamente qualificados e ganhadores de medalhas de prata e bronze na acirrada disputa nacional, que concorre com os fortes candidatos de Napa Valley.
Nelson DeSouza chegou aos Estados Unidos em meados dos anos 60. Com muita garra e coragem iniciou seus trabalhos na construção civil. Em pouco tempo, tornou-se um renomado construtor e especialista na produção de concreto.
Em 2006, já com a vida estabelecida, Nelson e sua esposa norte americana Casey, resolveram investir em um novo sonho e adquiriram a belíssima fazenda no Loudon County, que contava apenas com duas pequenas casas dos séculos XVIII e XIX. Com muito esforço, começaram do zero a plantação das mudas viníferas.
O negócio, administrado pelo casal e pelas filhas Anna e Katie, tem colhido belos frutos. A pequena produção chama a atenção pela organização e apuro de todos os detalhes. Com um alto investimento em equipamentos de ponta e detalhes vindos da mente criativa do Nelson, a vinícola já contabiliza um número respeitado de prêmios. No ano passado, eles surpreenderam mais uma vez e, contrariando a opinião de renomados especialistas, investiram no plantio da uva Carmenère, que é de difícil cultivo na região. A colheita foi exuberante e um vinho de alta qualidade, o primeiro Carmenère puro da Virgínia, está sendo cuidadosamente armazenado nas barricas de carvalho, esperando a sua grande apresentação para 2017.
Acho emocionante ver o sonho de um brasileiro tornar-se realidade nessa América tão competitiva. Nada como a perseverança e o trabalho duro para nos mostrar que tudo é possível.
Nelson e sua família são representantes perfeitos da resiliência dessa comunidade vinicultora da Virgínia, que apesar do clima hostil e dos diversos percalços históricos, ainda mantém firme a determinação de marcar seu lugar no mundo dos vinhos.
Uma história que começa com ninguém menos que Thomas Jefferson e George Washington e encontra ressonância até hoje na força empreendedora de imigrantes como Nelson DeSouza.
Finalizo o texto recomendando altamente um passeio às vinícolas da Virgínia, onde é possível usufruir de vinhos deliciosos, paisagens deslumbrantes, descobertas históricas e conversas hospitaleiras.
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