Recém formada em jornalismo, foca com ‘F’ maiúsculo, comecei a trabalhar numa redação de tevê. O editor chefe me deixava brincar de editora nos fins de semana. Num destes plantões, editei uma matéria na qual dava crédito para um restaurante para uma boa ação. Nem me lembro mais qual restaurante, mas me recordo bem da ‘lição’ que levei do chefe.
“Aqui não tem jabá”, ele disse se referindo ao molha mão, ao ‘suborninho’ para publicar coisas favoráveis a seja lá quem for. O pior é que a matéria nem era jabá, mas no entender do chefe, tinha pinta de jabá.
Nós, jornalistas, temos mesmo que nos cuidar para não nos prestarmos ao papel de garotos-propaganda. Credibilidade vale ouro nesta profissão, e fiquei incomodada com o puxão de orelha. Por que sempre temos tanta pressa em destruir, denunciar, apontar e o erro e somos tão econômicos no elogio? É claro que essa questão é muito mais complexa e que ainda me incomoda, daí o parágrafo acima. Porém hoje resolvi escrever um texto com cara de jabá, com cheiro de jabá, mas que não é jabá, porque ninguém está ganhando nada mais do que o prazer de se falar sobre um assunto agradável: o National Trust – uma instituição bem mais jovem que a monarquia, mas que é tão britânica quanto o trono na rainha.
O National Trust é uma organização conservacionista que se estende pela Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. É a maior proprietária privada de terras nesses três países. São 2.550 quilômetros quadrados de parques, jardins, fazendas, costa marinha, mansões, castelos e florestas – paisagens de encher os olhos e lavar a alma.
A piadinha interna aqui é dizer que as propriedades do National Trust são as nossas casas de fim de semana. Se o tempo não está de todo ruim, visitamos uma delas. A anuidade do National Trust custa cerca de trezentos reais para uma família com uma criança e vale cada centavo. O Trust administra quinhentos locais de interesse. Mesmo sendo uma frequentadora assídua há quase dez anos, não consegui visitar nem um terço destes lugares.
O National Trust é quase que um Estado dentro do Estado. Seus números são impressionantes: é a maior organização de caridade da Inglaterra, possui quatro milhões de membros, recebe 200 milhões de visitantes por ano. O mais incrível é que se sustenta sozinha, sem subsídios ou qualquer forma de ajuda financeira ou interferência do governo.
O Trust foi fundado no fim do século 19. No começo, visava preservar as mansões e os castelos dos aristocratas e endinheirados em geral; entretanto, foi entre as duas grandes guerras mundiais que viveu seu período de maior expansão. Endividadas e sem condições de manter suas propriedades, muitas famílias doaram imóveis ao National Trust. Além disso, por causa do espírito conservacionista dos ingleses, o Trust recebeu – e ainda recebe – doações consideráveis de heranças.
Com mais de um século de existência, o Trust está mais popular do que nunca, principalmente porque não deixa a peteca cair. Seus projetos de conservação e restauração são primorosos. Eles sabem envolver a comunidade local e criar eventos sazonais. Celebram as colheitas, as festividades. São caminhadas na primavera, noites assombradas no outono, teatro ao ar livre no verão e cantigas de natal no inverno.
Demonstrações de falcoaria, de culinária, de jardinagem, de lutas medievais e artesanato tradicional – tem sempre um atrativo para o visitante.
O National Trust é um exemplo clássico de uma das coisas que mais aprecio no British Way of Life (estilo de vida dos britânicos). É uma das maiores organizações de caridade do mundo. Sobrevive e funciona tão bem porque conta com um exército de setenta mil voluntários, cujo trabalho soma 3,77 milhões de horas, num valor estimado em cerca de 100 milhões de reais por ano. É a sociedade civil organizada para preservar os valores que considera importantes – o que, convenhamos, é uma boa história para se compartilhar, mesmo que tenha cara de jabá.
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7 Comments
Oi Maria Eduarda!
Adorei saber mais sobre o National Trust!
Atualmente moro na Alemanha, mas sou casada com um britânico e em 2016 me mudarei para a Inglaterra. Já havia ouvido falar do National Trust, mas confesso que sabia muito pouco sobre e agora não vejo a hora de conhecer mais.
Obrigada por compartilhar sua experiência!
Ah, também adorei a observação sobre o jabá. Nao sou jornalista, mas sou publicitária e já passei por situações parecidas, principalmente trabalhando tantos anos com social media!
Beijos e sucesso!
Oi, Beatriz, obrigada pelo comentario. Quando se mudar para o lado de ca do Canal da Mancha, providencie sua carteirinha do National Trust e aproveite bastante.
Maria Eduarda, reforço o coro do quanto ser membro vale a pena. Dá pra aproveitar muita coisa, é uma organização bem bacana.
Só faltou mencionar que ela também existe na Escócia (não esquece a gente aqui no norte não…!)
Oi, Daniela, desculpe a falha. Adoro a Escócia . Voce escolheu um lugar bonito demais para morar.
O National Trust da Escocia também é bem bacana, mas não é o mesmo da Inglaterra. Dê uma olhada: http://www.nts.org.uk/Home/
Muito bacana! Vou procurar saber mais.
Tanta coisa pra brasileiro aprender heim…aqui só falta a parte dos “valores que consideram importantes”. Muuuito longe disso…
Obrigada, Lydia. Um beijo.