Curiosidades sobre a Russia.
Na última etapa da série “Rússia: Mitos e Verdades” (leia aqui a Parte 1 e a Parte 2 e Parte 3) vou repetir algo que disse na Parte 1: “A primeira pergunta que me fazem quando digo que estou morando aqui é: “por que a Rússia?”. Minha resposta é sempre a mesma: por que não?”. Termino esta série com um assunto que é especial para mim e próximo ao meu coração, espero que vocês tenham gostado de aprender um pouco mais sobre a Rússia, e que tenham visto que é bom se desprender dos estereótipos de vez em quando, mesmo que às vezes eles sejam verdadeiros.
Russos são frios e mal humorados – Mito!
É fato que os russos têm, na maioria das vezes, um rosto sério, isso não é um mito. Realmente eles aparentam ser bravos, reservados e frios quando estão em público. Se você for considerar apenas o que vê nas ruas, poderia achar esse estereótipo real, mas seria uma visão muito superficial desse povo intrigante.
Logo que cheguei a Moscou, eu, uma típica brasileira sempre sorridente, senti um baque com a atitude das pessoas.
Além dos olhares tristes e mal encarados, poucas vezes meus sorrisos foram retribuídos na rua, e na maior parte das vezes quando eu sorria pra alguém, sentia uma certa rejeição. Não foi por falta de avisos, mas meu instinto de sorrir o tempo todo, fazer caretas para crianças e brincar com cachorros de estranhos na rua sofreu uma leve adaptação, pois fiquei com medo de brigarem comigo e não conseguir me explicar.
No começo, pensei que por se tratar de um povo que passou por muitas complicações históricas e culturais, eles se tornaram deprimidos e mal humorados.
No entanto, após algumas semanas eu entendi que isso não significa que eles sejam infelizes, e muito menos mal educados, é algo muito mais profundo que isso.
Em um dos meus primeiros jantares em casa de Russos, quando me perguntaram quais foram as minhas primeiras impressões, eu comentei sobre o fato que ninguém correspondia aos meus sorrisos e até me olhavam de cara feia quando o fazia.
Eu aprendi nesse dia, uma coisa que pode ser questionável, claro, mas que hoje em dia dou muito valor e acho muito bonita: depois de um grosseiro “você não pode sorrir pra estranhos!” o russo me explicou que o sorriso aqui tem um valor muito peculiar.
Para os russos, um sorriso sinaliza afeição pessoal, algo a ser compartilhado apenas com quem você gosta muito, como amigos e familiares. Na consciência comunicativa do russo há uma regra: o sorriso deve ser um reflexo verdadeiro de um bom humor e um bom relacionamento. Para ter direito a um sorriso, as pessoas devem realmente se dar muito bem ou estar com um humor excelente no momento.
O que acontece é que, além de poder ser considerado falsidade, é considerado falta de educação expressar emoções fortes perto de estranhos. Ao contrário do brasileiro, que diz que está tudo bem mesmo quando não está, pois (por algum motivo cultural) é feio mostrar aos outros que você tem problemas, aqui é exatamente o oposto: é feio ostentar sua felicidade e mostrar aos outros que se está feliz.
Uma das coisas mais chocantes que aprendi é quando alguém te pergunta se está tudo bem. Raramente você ouvirá “sim está tudo bem”, muito menos “tudo ótimo”. Aqui eles respondem com um seco “нормальный” (normálnei) , em português: normal. Não espere iniciar uma conversa com um estranho com “Oi tudo bem?”, pois esta questão é reservada para conversas próximas e pode até ser considerada invasiva por exigir uma resposta honesta. Até mesmo em serviços onde, por comparação, os brasileiros têm fama de serem mais simpáticos, como garçons e funcionários de lojas, aqui raramente eles irão sorrir para você. Simpatia é raridade, considere-se especial se isso ocorrer.
Durante muitos séculos, a existência da Rússia e a vida cotidiana foram uma luta árdua de sobrevivência. A vida do russo comum era cansativa e triste, a preocupação acabou tornando-se uma expressão facial padrão, isso porque nem vou entrar no assunto dos invernos infinitos, como já comentei antes. Nessas condições, o sorriso reflete uma exceção à regra; bem-estar, prosperidade, bom humor e, como tudo isso pode ocorrer com algumas pessoas em circunstâncias excepcionais, se notado por todos pode desencadear perguntas, inveja e até mesmo inimizade. Você deve se preocupar se há pessoas ao seu redor com problemas graves, passando por uma situação difícil, ou se alguém está doente ou preocupado com problemas pessoais, e assim por diante. O que me disseram é que a vida é uma grande tragédia; todo mundo está lutando uma batalha particular diariamente, não há motivos para sorrir, e se há, não é educado ficar se exibindo. Se você for visto sorrindo à toa – o que acontece muito comigo-, costumam perguntar : “O que está acontecendo de tão engraçado?”.
Os russos são reservados e tentam manter a distância de estranhos mas, lentamente, passo a passo, eu descobri que sob esse gelo existem algumas das pessoas mais amorosas e solidárias que já conheci. Mais frequentemente do que não, quando você quebra o gelo eles são muito abertos e generosos. São aconchegantes, amigáveis e extremamente engraçados – mas claro que o humor Russo não é pra todos.
Depois dessa quebra de gelo, você descobre nos russos amigos extremamente fiéis e abertos. Nunca vou me esquecer da primeira vez em que adoeci, fiquei de cama com febre, e uma das minhas amigas mais próximas veio até minha casa ver se eu estava bem e me trouxe frutas, chocolates e sopa para me fazer sentir melhor. Posso afirmar que isso nunca aconteceu com nenhum amigo brasileiro, que parecem fugir a qualquer sinal de doença ou má notícia. Sou sempre muito bem tratada e recebida na casa dos amigos. Sei que serei sempre tratada com honestidade e que não preciso ter medo de ser enganada, sinto uma confiança indescritível nas poucas pessoas que conheci aqui, sentimento que, infelizmente, é muito restrito para os meus amigos no Brasil. Ainda assim, claro que existe a dificuldade em fazer amizades, quebrar esse gelo nem sempre é tão fácil, mas quando acontece é uma explosão de alegria. Os poucos amigos que fiz aqui tenho certeza que vou guardar para o resto da vida.
Termino essa série com uma reflexão: eu, particularmente, não vou parar de sorrir para estranhos, seja na Rússia ou em qualquer lugar do mundo. Sinto que mais vezes do que menos, meu sorriso acaba dando uma sensação de conforto ou alegria para quem o vê. Sei que por trás daquele russo cansado há uma alma que vai se sentir bem em receber um sorriso (tomando cuidado, pois pode ser considerado paquera, como já aconteceu antes). Às vezes, o sorriso de um estranho quando você está num dia ruim pode fazer muito bem. Quem sabe ele retribuirá meu sorriso para outra pessoa e isso poderá gerar uma reação em cadeia?
Porém, mesmo que eu continue sorrindo à toa, aprendi uma grande lição com essa história toda: nunca mais vou levar ou dar um sorriso em vão. Acredito que temos sim, muitos motivos para sorrir mesmo com as grandes tragédias desse mundo, e cada sorriso que eu darei daqui pra frente, virá com muito significado e carinho, mesmo que para um completo estranho.
1 Comment
…puxa…q.legal…adorei a materia e opinião…mas claro…o que mais chama a atenção foi sobre o sorrisso…eles estão certissimos…eu tambem tenho o mesmo “problema” que voce…rio a toa..sem motivos …sou alegre de natureza..mesmo com dificuldades…deveria ser diferente…demonstrar a realidade..não consigo..porem eles estão certos…prbns..sucesso..bjs…