No dia 29 de junho deste ano começou o Ramadã. Em poucas palavras, este é o início do nono mês do calendário islâmico, que é lunar, o que faz com que o Ramadã seja celebrado em diferentes datas todos os anos, podendo passar por todos os meses e estações do ano.
Durante esses 29 ou 30 dias os muçulmanos entram em jejum e não podem ingerir alimentos, bebidas, fumar do nascer ao pôr do sol. Este é um momento em que os adeptos do islamismo devem se dedicar a ter uma maior proximidade dos valores sagrados, leitura mais assídua do Alcorão, correção de frequência à mesquita e domínio pessoal.
O Ramadã é o quarto dos cinco pilares do islamismo, sendo eles: professar e aceitar o credo; orar cinco vezes ao dia; pagar dádivas rituais (uma espécie de dízimo); observar as obrigações do ramadã; e fazer a peregrinação a Meca.
É sim tão difícil e desgastante quanto parece. Ainda mais porque os últimos dois Ramadãs, os que eu pude presenciar, caíram entre os meses de junho, julho e agosto, ou seja, verão. E verão no Oriente Médio não é brincadeira, como vocês podem imaginar.
As temperaruras chegam a beirar 50 graus celsius, com a umidade do ar baixíssima. Privar seu corpo de ingerir qualquer tipo de alimento ou líquido durante as 16 horas da luz do dia, exige uma tremenda concentração.
A quebra do jejum (iftar) soa como uma sinfonia. Ao pôr-do-sol, a chamada que vem das mesquitas ecoam seguida do tilindar dos talheres e copos em um compasso acelerado, ansioso, que dá fome só de ouvir. Normalmente as primeiras coisas ingeridas são tâmaras e água, seguido de banquetes.
E só então a cidade toma vida novamente. A calmaria e lentidão que tomam as ruas durante o dia, dão espaço à vivacidade no período noturno. A vida noturna em Amã é normalmente movimentada, mas fica ainda mais durante o Ramadã. Cafés e “tendas” montadas especialmente para a ocasião, são lotados por pessoas de todas as idades.
Toda essa energia concentrada e liberada durante a noite tem fim com o chamado da última (ou primeira) reza, aproximadamente 3h30 da manhã, quando é a hora do Suhoor, a última refeição antes do amanhecer.
Sendo um estrangeiro (ou não) no Ramadã
No Oriente Médio, o Ramadã é assunto para além do âmbito religioso. Em alguns países, penalidades legais são aplicadas àqueles que “desrespeitam” o mês sagrado. Na Jordânia, a penalidade máxima, por comer, beber ou fumar em público, é uma multa. Mas em outros territórios, isso pode acabar em prisão. A lei também manda que se diminuia a jornada de trabalho para no máximo 6 horas diárias.
Ou seja, no fim das contas, se você não é muçulmano, jejuar acaba parecendo mais fácil. A maioria dos restaurantes fecham ou estão abertos apenas para entrega durante o dia. Para quem passa o dia no trabalho e divide o ambiente com pessoas em jejum, a situação é ainda mais complicada. Não é meu caso porque trabalho apenas com cristãos, mas ouvi relatos de pessoas que tiveram que almoçar no banheiro ou tomar água sem mexer muito o garrafa porque ouvir o barulho da água os deixa ainda com mais sede.
Claro que o radicalismo desses exemplos não se aplica a todos, mas ilustra uma das dificuldades que um estrangeiro e/ou não-muçulmano de se adaptar à cultura islâmica. Óbvio que o respeito deve sempre prevalecer, mas que seja sempre mútuo.
O lado mais bonito do Ramadã é que esta é uma época de caridade e compaixão para com os mais necessitados. Toneladas de comidas são arrecadadas e distribuidas à população carente.
Um belíssimo exemplo de caridade foi a da seleção de futebol da Argélia, composta por jogadores muçulmanos, que doaram todo seu prêmio pela atuação na Copa do Mundo, o equivalente à 19 milhões de reais. E, sim, alguns jogadores estavam jejuando no dia do último jogo contra a Alemanha, com uma atuação impressionante! Deixo expressa aqui toda minha admiração.
Pois bem, esta é a parte a qual mais estou disposta a participar (espontaneamente). Algumas ONGs trabalham incansavelmente durante este período fazendo a distribuição de alimentos e estão sempre precisando de voluntários. A oportunidade é única e gratificante.
Ano passado tipo essa chance e este ano, insha’Allah (se Deus quiser), estarei tomando parte desta campanha novamente.
E esta data também é agradável aos olhos. A decoração das casas muda para luzes semelhantes às do natal. Laternas coloridas e muito brilhantes também estão em todo lugar.
Enfim, tudo vale a pena se soubermos tirar certo proveito. E esta é uma experiência no mínimo interessante. Confesso que tentei jejuar “para ver como é”, mas não fui muito longe.
Vou continuar achando alternativas para desfrutar da ocasião. Ramadan Kareem, pessoal!
5 Comments
Oi Raisa
Achei muito bacana o aspecto que voce abordou sobre como é ser estrangeiro aí na epóca do Ramada, nunca tinha pensado nisso. Realmente, lindo exemplo da seleção da Argélia. Abs
Oi Raisa! Que interessante ver o Ramada com os olhos de quem mora no Oriente Médio. Obrigada por dividir a sua experiência com a gente!
Beijos!
Excelente texto, aqui em Marrocos também estamos neste momento…
Nada fácil as vezes para um estrangeiro, porém muito interessante, onde também evoluímos como ser humano.
Aqui temos a harira, uma sopa tradicional a ser servida juntamente com diversos outros pratos no momento da quebra do jejum “iftar”, aí, existe algum especial, qual é?
Bjs
Oi, Pricylla!
Aqui é comum algumas pessoas se reunirem no iftar para comer Mansaf, o prato tradicional da Jordânia, mas essa é uma comida popular o ano todo. No entanto, alguns doces são muito característicos dessa época, que é o caso da Qatayef. Tipo uma panquequinha que pode ser recheada com cremes, pistache, chocolate, etc.
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