Zeitz Mocaa – Museu na Cidade do Cabo
Sou brasileira, nasci em São Paulo e carrego uma ancestralidade e descendência nordestina. Sou atriz e Produtora Cultural, trabalho com exposições em galerias de arte. Estou na Cidade do Cabo há quase cinco meses, e a minha escolha pela África do Sul não foi somente pelo fato de ter uma moeda acessível para as brasileiras, e porque é um lugar ótimo para se aprender inglês, mas principalmente porque algo me chamava nesse lugar; as cores, os sorrisos, a música, essa conexão com a matéria prima visual, dançante e intensa.
A cada dia na cidade, fui querendo me introduzir e entender mais das artes visuais e cultura sul-africana. Eis que na minha terceira semana, me deparo com o templo da arte contemporânea na Cidade do Cabo.
Minha primeira passagem foi no Zeitz Mocaa, Museu de Arte Contemporânea Africana. Esse lugar arrematou a minha alma, e para quem gosta de sentir a arte, refletir sobre a luta que a África do Sul e todo continente africano passaram e passam até hoje, contemplar videoarte e ter um dia agradável e ao mesmo tempo se deixar levar para um universo intenso e cheio de histórias narradas por pinturas e fotografias, tem que conhecer o espaço que é composto por obras de mais de 77 artistas africanos ( Zimbabwe, Egito, Angola, Congo, Nigéria e por aí vai…. ). É composto por cem galerias de arte em um edifício construído com quarenta e dois tubos de betão de 33 metros de altura e cinco andares que se completam com diversas exposições.
Leia também: visto de trabalho para a África do Sul
Caminhando pelos corredores cheio de obras realistas, um grande acervo de fotografias, instalações, entro em uma sala de cor azul, com fotos das mulheres de uma tribo africana. Ali estava a exposição mais sensível e marcante que eu vi no espaço ONE THOUSAND VOICES – da artista nascida em Paris, mas criada no Gabão, que se chama Owanto.
A exposição relata que atualmente 200 milhões de mulheres ainda são submetidas à mutilação genital feminina, 44 milhões tem menos de 15 anos. A MGF ainda é praticada no leste, oeste e nordeste da África, e também é predominante em algumas comunidades imigrantes da Europa, América do Norte e Austrália.
A exposição reúne vozes e experiência vividas das mulheres. Uma experiência sonora jamais sentida. Eu não entendia o idioma, mas o meu feminino podia sentir o que aquelas vozes queriam passar.
Foi naquela tarde sentada na sala dessa exposição que eu pensei: vai começar a minha jornada em busca da arte e cultura africana. A arte expressa anseios, história que certos livros ainda não contaram, o imaginário do que essa sociedade ainda quer se tornar e luta para isso. E as mulheres estão tendo um papel muito importante nessa construção; o feminino como energia criativa; a força coletiva, a cultura e arte como forma de resistência.
Fico muito feliz quando entro em uma galeria de arte, ou converso com algum artista, gente da rua, de bares, restaurantes, e digo que sou brasileira. Nós somos muito amadas aqui. A conexão que existe entre nós, brasileiros, com os africanos é real, e isso os nossos sentidos sonoros e visuais podem nos dizer.
O Zeitz Mocaa Museu, meu mais novo templo, nos mostra isso. Quando chegar ao topo do museu, que é um espaço a céu aberto onde você pode respirar, contemple o céu em um chão que também é uma obra de arte, e processe toda a experiência que o espaço lhe proporcionou.
E como dizia o poeta brasileiro Ferreira Gullar “A arte existe porque a vida não basta“.
A Cidade do Cabo também conta com um evento que acontece na primeira quinta-feira de cada mês, que se chama “First Thursday”. O evento reúne todas as galerias de artes abertas até as 22 horas, com muita gente na rua, performances, aberturas de novas exposições, e além de tudo, é o único dia em que se pode beber na rua!
A Cidade do Cabo é super rígida com a questão de consumir álcool na rua. Somente nesse evento é possível você tomar um drink apreciando a noite e um belo evento que movimenta a cidade toda.
Leia também: Pontos turísticos na Cidade do Cabo
O Zeitz Mocaa tem meia entrada em toda a primeira sexta-feira do mês. Em dias normais, seu bilhete é de R190 (cento e noventa rands).
A First Thursday é ideal para se ter uma visão geral da construção artística contemporânea da cidade, assim como visitar a South African National Gallery é obrigatório para quem quer fazer a via sacra da arte na Cidade do Cabo. Lá tem importantes trabalhos de artistas sul-africanos e requer uma colaboração de R20,00 (vinte rands) para visitação.
Continuo na Cidade do Cabo e pretendo descobrir mais várias Áfricas nesse lugar, me colocando em contato com as mais fortes experiências e tendo o prazer de compartilhá-las.
Nunca pensei que em meio a tantas crises políticas e a “página infeliz da nossa história”, continuamos sendo um povo cheio de força e que tem muito a trocar com o povo africano.