Vietnã – Sobre tigres, carneiros e outros bichos – Parte 1: Nada acontece antes do Tet

Todo mundo tem a sua “horta da Luzia”, aquele lugar para onde vão as lembranças perdidas que insistem em não nos deixar. Parte de um departamento dessa minha horta são as minhas memórias da Ásia. São imagens, cheiros e histórias que teimam em permanecer colados em mim.

Iniciamos o ano de 2015. Um mês já se passou e eu continuo com a sensação de que o ano novo ainda não veio por completo. Uma certa proscrastinação com relação aos sonhos e planos que ainda não “deram a largada”.

Será que é porque dizem que no Brasil nada acontece antes do Carnaval?

Certamente você já ouviu esse chavões: – “No Brasil nada acontece antes do carnaval”, ou “só no Brasil que é essa zona. Onde já se viu esperar o carnaval pra começar o ano de verdade?”

Daí, buscando lá no meu baú de memórias perdidas, descubro de onde vem a sensação de que o ano ainda não começou…e não é o carnaval!

Só pra explicar: Não somos exclusivos no quesito preguiça generalizada do início do ano. No Vietnã nada acontece antes do Tet.

Coloco meu retroprojetor de memórias em ações e deparo-me com lembranças engraçadas: eu chamava amigas que não se encontravam desde o natal para jantar para jantar, e a resposta era certeira!

– Claro! Logo após o Tet.

Recebo a notícia de que uma empresa iria doar uma máquina de lavar para o orfanato onde eu atuava. Ligo para combinar a data: logo depois do Tet (Óbvio!).

Aulas de lacquer. Espera o Tet!

Nada de importante acontece no Vietnã antes do Tet!

A essa altura o leitor já esta querendo pular no meu pescoço para perguntar: Afinal, o que é Tet?

O Tet é o ano novo vietnamita, uma celebração muito similar ao ano novo chinês.

O zodíaco dos dois países é bem parecido, embora eles “morram de catapora” cada vez que alguém diz isso, afinal vietnamitas e chineses se amam tanto quanto brasileiros e argentinos.

O ano novo vietnamita é o chamado ano novo lunar (o nosso calendário é solar). Isso porque o calendário chinês (que orienta bao parte dos calendários do sudeste asiáticoa) é lunisolar,ou seja, não leva apenas em consideração a posição do sol, mas a da lua também.

O ano novo vietnamita começa sempre em meados de janeiro ou fevereiro e coincide com o primeiro dia da lua nova, que em 2015 acontece no dia 19 de fevereiro, dando início ao ano do Carneiro ou da Cabra.

Assim como no ocidente, os asiáticos dessa região também têm seu horóscopo, no entanto o seu zodíaco é diferente do nosso.

Como já disse, a astrologia ocidental segue uma orientação solar. Os doze signos são indicados pela passagem do Sol ao longo do zodíaco durante um ano.  A Astrologia Chinesa, também adotada pelos vietnamitas, é diferente. Sua orientação lunar obedece a um ciclo de 12 anos, e não de 12 meses. Cada ano é regido por um signo animal, que supostamente exerce influência nos indivíduos nascidos nesse período.

Os Signos, segundo a versão ocidental, representam cada uma das doze constelações que se localizam na faixa do zodíaco, que segundo a astronomia é uma faixa do céu localizada entre dois paralelos de latitude celeste, por onde se desloca o Sol, a Lua e os planetas. A posição dessa faixa na data de nascimento da pessoa define a qual signo ela pertence.

A versão chinesa/ vietnamita para os signos é diferente. Apesar do “zodíaco” oriental também contar com doze signos, a razão para sua existência é justificada por lendas e contos folclóricos e no Vietnã, através de uma lenda budista.

Contam os budistas que Buda preparou uma festa de ano novo (outra versão diz que Buda fez isso em sua festa de despedida da terra) e daí convidou todos os animais da floresta para que fizessem parte do “bota-fora”. Ele prometeu uma surpresa a todos os que participassem e apenas doze compareceram. Cada um desses foi presenteado com um ano, de acordo com a sua ordem de chegada. A função desses animais seria de praticar o bem, ajudando a humanidade a encontrar seu rumo fazendo coisas bacanas, positivas e boas.

O primeiro que chegou à festa foi o rato. Sua missão é convencer os nativos do seu signo a se arrependerem dos maus feitos e a buscarem a senda do bem. Os outros animais tem funções semelhantes, mas cada um com características próprias e diferentes formas de atuar. A lenda explica que enquanto um animal prega e converte, os outros praticam o bem silenciosamente.

Apesar de todos os animais terem a função de ajudar a humanidade a encontrar seu rumo, há uma hierarquia entre esses animais, e alguns casais chegam a planejar a data de nascimento de seus filhos para que estejam debaixo da proteção de determinado signo. Nos anos do tigre e do dragão há um verdadeiro “boom” de natalidade nesses países. Os nascidos sob esse signo são muito respeitados e até temidos. Já o ano do carneiro (2015) é considerado um ano ruim para se ter filhos. Isso porque considera-se que esses são seres submissos, criados apenas para o abate. Partindo do princípio de que as pessoas carregarão em si para sempre as características dos animais que os apadrinham, supõe-se, portanto, que as pessoas que nascem sob este signo serão apenas seguidores de líderes e nunca líderes eles mesmos, sendo relegados ao papel de sombras sem brilho de dragões, tigres e cavalos. Será?