Nesta série, trago diversas comparações entre Estados Unidos e Holanda. Já abordei características gerais dos países no primeiro texto da série, patriotismo e consumismo no segundo, eutanásia e aborto no terceiro, e fiz uma quebra especial discutindo apenas doutorado. Desta vez, os temas são prisões e maconha!
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Prisões
Os Estados Unidos têm uma das maiores populações carcerárias do mundo – mais de 2 milhões de pessoas presas em 2015, com uma taxa de encarceramento de 666 pessoas a cada 100.000 habitantes naquele ano (a título de comparação: no Brasil, 318 por 100.000 em 2017). De fato, a taxa de encarceramento dos Estados Unidos é a maior do mundo, e, apesar de ter 4.4% da população mundial, os EUA têm 22% da população mundial de presos.
Já a Holanda lida com a falta de presos. Com um terço das celas desocupadas, a Holanda tem alugado prisões para Noruega e Bélgica e transformado prisões em abrigos para refugiados. A população carcerária era 11.603 pessoas em 2014, com uma taxa de encarceramento de 59 a cada 100.000 pessoas em 2016.
Por que os EUA tem a maior taxa de encarceramento do mundo enquanto a Holanda tem umas das menores?
Valerie Jarrett, enquanto conselheira do então presidente dos EUA, Barack Obama, em 2016, responde a esta pergunta em relação aos EUA:
“Existe um série de razões, desde a falta de investimento em escolas e de oportunidades econômicas, leis draconianas* sobre drogas e políticas de fiança que criminalizam a pobreza, a serviços inadequados de reinserção e discriminação contra ex-presidiários na contratação, para dizer algumas poucas.”
(*O termo “leis draconianas” se refere a punições extremamente severas para a posse ou venda de pequenas quantidades de drogas.)
Por outro lado, a Holanda se destaca em áreas que impactam positivamente índices de criminalidade. Por exemplo, este capítulo argumenta que os efeitos psicossociais da pobreza, tais como ansiedade crônica, insegurança e inabilidade de influenciar as coisas que dão errado, aumentam a probabilidade de as pessoas cometerem crimes. Também este estudo conclui que baixos salários e desemprego levam à maior criminalidade.
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Na Holanda, 2.5 de 17 milhões de pessoas estavam na pobreza em 2014 – contudo, a pessoa pobre na Holanda recebe diversos auxílios do governo, de forma que poucos passam fome ou não tem uma casa para morar.
Além de o salário mínimo ser cerca de 1500 euros por mês para pessoas com mais de 23 anos, a Holanda tem intenção de implementar um salário básico universal, em que cada pessoa ganharia uma quantia mensal do governo não relacionada a trabalho. Atualmente, o governo está fazendo um experimento na cidade de Utrecht e algumas cidadezinhas nos arredores para ver como as pessoas lidariam com este dinheiro.
Estudos (como este, este e este) também concluem que, quanto mais educação a população tem, menor é a criminalidade. Neste quesito, em 2016, a Holanda obteve o quinto lugar entre os melhores sistemas de educação do mundo de acordo com o Fórum Econômico Global.
Outro ponto é que a Holanda tem políticas de não penalização de usuários de drogas – ao invés de prendê-los, presta-se assistência de saúde a estas pessoas. E aqui já estamos entrando no próximo assunto!
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Maconha
Punições brandas e legalização de drogas impactam positivamente sistemas prisionais. Isso fica claro ao se analisar dados de estados que legalizaram a maconha nos EUA – por exemplo, no Colorado, o número de prisões relacionada à maconha caiu 95% com a legalização.
Interessantemente, este aparenta ser um dos poucos efeitos da legalização da maconha nos estados dos EUA que o fizeram. Esta análise concluiu que a legalização não afetou o número de usuários, índice de crimes, número de acidentes de trânsito, suspensão de estudantes na escola, e performance estudantil em testes padronizados.
A grande mudança foi o que o estado do Colorado passou a arrecadar com os impostos sob o uso recreativo de maconha. Em 2015, foram 135 milhões de dólares, dos quais 35 milhões foram alocados para a construção de escolas.
Na Holanda, a maconha é tolerada – ou seja, não é legalizada, mas descriminalizada. Uma pessoa que seja encontrada com até 5 gramas ou 5 plantas de maconha não será penalizada.
Políticas de não punição como as da Holanda tem forte embasamento científico. Por exemplo, este estudo concluiu que prisões relacionadas à maconha nos EUA entre 1994 e 2001 foram associadas ao aumento em homicídios, invasão de propriedade, roubos de veículos, furtos e subsequente aumento em prisões relacionadas a drogas pesadas (como cocaína, heroína, opioides, etc.). Além disso, este concluiu que criminalizar a maconha não diminui o seu uso, assim como descriminalizar não aumenta seu consumo.
Mas como não punir se a maconha é uma droga considerada “porta de entrada” para outras drogas mais pesadas?
Na verdade, a ciência ainda não chegou a uma conclusão. O debate não é sobre os possíveis efeitos negativos da maconha, especialmente em crianças e adolescente, conforme revisa este artigo. O debate é outro: será que o uso recreativo de maconha realmente leva ao uso de drogas mais pesadas?
O próprio Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos EUA reconhece que, enquanto alguns estudos trazem evidência de que esta hipótese possa ser verdadeira, a maioria das pessoas que usam maconha não passa a usar drogas mais pesadas. Além disso, eles acrescentam que álcool e nicotina também são tipicamente usados antes de drogas mais pesadas.
Finalmente, eles notam que o ambiente social também pode levar as pessoas ao abuso de drogas, e que uma explicação alternativa à hipótese da porta de entrada pode ser que pessoas mais vulneráveis ao uso de drogas começam com as que são mais fáceis de se conseguir – como álcool, tabaco e maconha. Eles terminam seu posicionamento afirmando que mais estudos são necessários, como todo bom estudo científico.
De fato, estes estudos concluíram que fatores que pesam muito no uso de drogas são a pobreza e relações sociais precárias – especialmente relações com pessoas que usam drogas pesadas.
Interessantemente, enquanto alguns estudos também não encontraram evidência de que a hipótese da porta de entrada seja verdadeira, outros encontraram que o álcool seria a verdadeira porta de entrada. E, curiosamente, este encontrou que o uso de maconha pode reduzir o abuso de drogas prescritas em certas populações de pacientes.
Portanto, não é de se surpreender que esta hipótese seja bastante criticada. John Kleinig, professor emérito de filosofia no departamento de justiça criminal da Universidade da Cidade de Nova Iorque, escreve o seguinte trecho: “(…) não são as drogas em si que são portas de entrada – ou, pelo menos, as únicas portas -, mas péssimos pais, a vizinhança errada, a necessidade de pertencer a um grupo, a falta de autoestima, o que for que torne atrativo (…) o que é uma dependência autodestrutiva.”
Para finalizar o texto, não posso deixar de dizer que estas questões são bem mais complexas do que eu poderia representar em um texto curto como este. Pesquisadores ainda não desvendaram o porquê de crimes estarem diminuindo em países desenvolvidos nas últimas décadas – inclusive na Holanda. E há muita pesquisa rolando sobre a maconha – inclusive sobre seu uso medicinal e efeitos na saúde humana. Que venham mais estudos!