Há um forró de que eu gosto muito e que diz assim: “Se avexe não, que amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada”. Pois é. Esta alta filosofia pode ser usada para descrever a sensação de todos aqui em Manila, capital das Filipinas, diante do anúncio feito pelo governo de que um grande terremoto de escala 7.2 pode acontecer a qualquer momento. Ou não.
O tal terremoto passou a ser chamado pelo governo e imprensa de Big One. Isto porque as Filipinas têm intensa atividade sísmica e vira e mexe enfrentam tremores de pequena intensidade. Estamos no Círculo de Fogo do Pacífico e figuramos no topo do ranking dos países mais propensos a desastres naturais no mundo. No entanto, estatisticamente, terremotos devastadores só atingem Metro Manila a cada 400 anos.
É aí que entra o anúncio feito pelo governo. Eles divulgaram esta estatística e deram a simpática notícia de que estamos próximos de um novo ciclo. Ou seja: embora não dê para prever terremotos, é bem provável que haja um bem sinistro caso a história se repita.
A notícia-bomba, na verdade, veio junto com um estudo lançado pelo Philippine Institute of Volcanology and Seismology (Phivolcs), que mostra que Manila é atravessada por uma falha geológica capaz de gerar um super terremoto. Segundo o Phivolcs, 34 mil pessoas morreriam caso o Big One atingisse Manila. Estradas seriam destruídas e isolariam a cidade, que sofreria ainda com tsunami, incêndios e enchentes em massa. Basicamente o apocalipse.
Como dormir depois de ler isso? As primeiras notícias começaram a ser divulgadas em maio. Desde então, virei a louca do terremoto. Sério. Revirei a internet em busca do que fazer. Eu já teria medo normalmente. Com um bebê de 5 meses, então, o medo se multiplica!! Imagina se eu vim parir aqui nas Filipinas para acabar tudo num terremoto??? Nem pensar!
Comecei a perguntar para os locais o que fazer e percebi que só eu parecia desesperada. Eles demonstravam ter recebido a notícia com um misto de resignação e descrença – a maioria disse não acreditar que o grande terremoto vá acontecer. A verdade é que os filipinos têm medo mesmo é de tufões, que varrem freqüentemente as ilhas por aqui e vivem colocando o pais no noticiário internacional.
Bom, eu já estava virando quase uma zen budista, repetindo meu forró filosófico como forma de aceitar a falta de controle diante do Big One, até que o governo anunciou um grande exercício na cidade. Era o Earthquake Drill, primeiro treinamento massivo realizado nas Filipinas. A ideia era trabalhar com vários possíveis cenários: terremoto de madrugada, luz cortada, fogo se espalhando etc. Assim, cada região simularia uma dessas situações. O Shake Drill foi marcado para 30 de julho e o governo trabalhou forte na divulgação. Criaram um site com contagem regressiva e também uma hashtag para incentivar a população a compartilhar suas experiências durante o treinamento (os filipinos adoram fotos e redes sociais!). Uma coisa bacana é que todas as escolas foram mobilizadas.
Eu, a louca do terremoto, depositei todas as minhas fichas na simulação. No dia 30, logo cedo, lá fomos eu e meu marido para a orla de Manila, local para onde o corpo diplomático será encaminhado no caso do Big One (só não me pergunte como, se a cidade teoricamente ficará destruída e com estradas fechadas).
Perto do horário marcado para o início do treinamento, um representante do governo pediu a palavra. Eis o que ele disse diante de todos que lá estavam: let’s pray to the Lord. E puxou uma oração. Eu fiquei meio incrédula. Tudo bem que as Filipinas são o 3º país com maior número de católicos do mundo. Mas começar uma operação desse tipo pedindo proteção divina me fez ter um pouco de medo. Imaginei algo parecido no Brasil. Soaria estranho diante do nosso conceito de Estado laico, não? Mas enfim. Rezamos todos e começou a contagem regressiva para a simulação. No zero, várias sirenes dispararam e todos fizemos o “duck, cover and hold”, ensinamento básico que consiste em abaixar, proteger a cabeça com as mãos e esperar o fim do tremor.
Na sequência, vários helicópteros, carros de bombeiro, polícia, IML e tudo o que vocês puderem imaginar apareceram. Foi então que percebi que, ao menos ali onde eu estava, não haveria exatamente um treinamento, mas uma demonstração do governo filipino de como as várias forças envolvidas estavam prontas para agir e minimizar os danos.
Embora o treinamento tenha de fato mostrado o comprometimento das autoridades, saí de lá com a sensação de que estamos mesmo perdidos caso o Big One aconteça. A verdade é que Manila não tem estrutura para lidar com uma tragédia dessa dimensão. Os prédios mais novos podem até ser resistentes, mas a maioria da cidade certamente viria abaixo. Você consegue imaginar essas casinhas sobrevivendo a um terremoto devastador? Eu não.
Diante desse cenário, só me resta aceitar a instabilidade e fazer o exercício diário de pertencer ao desconhecido. Como eu disse, não há como prever o Big One. Pode ser que aconteça, pode ser que não. Em vez de viver numa constante tensão, resolvi focar no que, de fato, posso controlar: saber como agir, estudar cada canto da minha casa e rotas de fuga do prédio, além de montar meu kit de sobrevivência. Sobretudo, resolvi trabalhar meu medo e viver o dia de hoje. Aprendendo, é claro, com a fé filipina: let’s pray to the Lord!
7 Comments
Dany, linda! Antes de tudo, mabuhay a esse grupo lindo que amo tanto fazer parte. E digo que fico mega-feliz por ter sido substituída por um talento tão grande quanto você!
Gata, a ilha de Lost ensina muito! Esse desapego misturado a uma religiosidade cega sempre me deixou um pouco confusa. E ainda mais ao se misturar o consumismo americano que toma conta das ilhas!
Deixando a religiosidade de lado, no day but today! So enjoy!
Um beijo
Danyyyyy! Seja bem vinda ao novo blog! =D
(E claro, desejando boa sorte e um novo começo para a Tati =P )
Acompanho esse blog faz pouco tempo, tenho raiva por mim mesmo não ter descoberto antes (e não foi nem se quer pela reportagem televisiva).
Esse seu relato é de fato totalmente assustador e dá muito, mas muito medo nas pessoas, mas por incrível que pareça, isso só afeta para quem é de fora de PH, quem está dentro acham isso totalmente normal, como você mesma acrescentou ali no começo.
Uma curiosidade e um fato que irei acrescentar:
– As pessoas em PH, curiosamente NÃO SE ABALA com essas coisas, se dizem totalmente acostumados com tais fenômenos e ainda por cima, enquanto acontece tal situação, qualquer pessoa pode estar tomando uma simples cerveja no barzinho da esquina. Surreal essas coisas por lá.
– Um fato que me deixou perplexo: A grande maioria das pessoas que moram em PH, quando tem parente nos outros países sul-asiáticos, ficam mais preocupados com as pessoas de fora do que de dentro (pela simples curiosidade das pessoas acharem normal abalos dentro do país).
Claro que eu posso estar comentando de uma maneira totalmente generalizada e cheio de equívocos, mas agora que estou me envolvendo (namorando) com uma Pinay aqui no BR, ela praticamente nem se abala com tais fenômenos, simplesmente ora e diz que as pessoas são fortes o bastante para re-erguem-se mais forte ainda (!!!).
Os PHs tem essa hospitalidade, essa simplicidade e carisma como ninguém teria, mas é uma coisa surreal eles levarem numa boa tais situações que se for comparar aqui, já estaria numa calamidade pública de urgência (fazendo uma drástica comparação as enchentes que teve em RS e em AC).
Resumindo em 3 parágrafos isso acima:
1 – Os PHs realmente não se abala (muito) com tais fenômenos dentro do país.
2 – Os PHs se importam verdadeiramente mais com os parentes que moram em outros países sul-asiáticos.
3 – Para quem não é PH, 100% de certeza que iria fugir na primeira oportunidade para algum outro lugar. (Run to the hills!)
Dany, sempre que possível faça esses testes de sobrevivência, independente se haverá ou não tais fenômenos porque nunca se sabe quando irá realmente precisar.
Boa sorte e sucesso sempre! =^.^=
Parabéns filha, pelo excelente texto, e que Deus proteja você e sua família e todos os Filipinos!!! Amo vocês.
na verdade,eu quero fazer uma pergunta tati sato,quanto equivale um peso filipino em relaçao ao real brasileiro,por favor me diga…
Mauro, eu não escrevo mais sobre as Filipinas; esse texto é da Dany. Não obstante, segundo o OANDA (http://www.oanda.com/currency/converter/), à data de hoje, um peso filipino (PHP 1) equivale a BRL 0.08236. Isso é, cada real equival a PHP 12.0744, em 15 de setembro de 2015.
muito obrigado,eu sempre olho o site,e muito interessante e nos aprendemos muito com as informaçoes e duvidas que sao tiradas por voces”brasileiros pelo mundo’….parabens e obrigado novamente
De nada! =)