Há uns meses, lembro-me de ter lido uma matéria na Folha de S.Paulo sobre uma nova tendência que começava a se delinear no Brasil: a contratação de babás filipinas. Eu já conhecia a fama das yayas, como são chamadas as babás na língua local, reconhecidas como as melhores do mundo. Num dos meus livros de cabeceira pós-gravidez, Bringing up Bébé, a babá da família é filipina. Alguns astros de Hollywood também têm yayas daqui. Mas só tive a dimensão de como elas se destacavam ao ver que o reconhecimento chegava também às distantes terras brasileiras.
Além do talento delas – as filipinas são extremamente carinhosas e prestativas -, há outra questão que deve ser levada em conta para compreender o fenômeno: os baixos salários oferecidos aqui. A remuneração irrisória faz com que elas sonhem em sair do país para ganhar mais e mandar dinheiro para a família. É muito comum que aquela que “faz a América” – ou Dubai ou Singapura, outros destinos muito comuns – sustente praticamente a família inteira. Em busca de melhores oportunidades, vale inclusive ficar longe dos filhos para ajudar a criar os filhos dos outros.
Acho que todos já vimos este enredo no Brasil. Para quem não viu, recomendo fortemente o filme Que Horas Ela Volta?, da diretora Anna Muylaert, ainda em cartaz nos cinemas por aí. Na minha opinião, há um diálogo entre o filme e a matéria da Folha a que eu me referi no início do texto. A ponte, para mim, é a resistência da classe média e classe alta a reconhecer os avanços da nossa legislação trabalhista em relação às empregadas domésticas. Mais do que isso, trata-se da cultura do “ser servido” por alguém que é “quase da família”, mas que não pode se sentar à mesa com você nem comer da mesma comida. Uma das patroas ouvidas na matéria, que “importou” uma babá filipina, elogia: “o povo filipino gosta de servir”. Bom, para mim não é preciso dizer mais nada.
Deixando a discussão de lado, afinal trata-se de questões culturais arraigadas na sociedade brasileira, vale destacar que certamente as condições de trabalho no Brasil são bem melhores do que o que essas babás encontrariam aqui. Apenas em 2013 foi proibido por lei que os patrões infligissem castigos corporais aos empregados. Os salários oferecidos pelos locais são muito baixos, cerca de 3.500 pesos filipinos numa casa de classe média, o que equivale a menos de 100 dólares por mês.
Além de sair do país, outra possibilidade agarrada com unhas e dentes é trabalhar na casa de expatriados. Os salários são bem mais altos, chegando a se equiparar ao que um filipino de nível superior ganha por mês. Em geral, essas babás têm ótimas referências e experiência com famílias estrangeiras. Falam ótimo inglês, cozinham, cuidam da casa e, principalmente, ajudam com as crianças.
O lado negro da força é que muitas delas vêem nos expatriados suas galinhas dos ovos de ouro. Em conversas com pessoas das mais diversas nacionalidades, é muito comum encontrar relatos que trazem basicamente as seguintes recorrências: mentiras sucessivas; pedidos de adiantamento; incapacidade de falar de forma direta sobre algum problema, preferindo fugir e evitar conflito.
Logo que meu filho nasceu, tivemos uma primeira yaya que se encaixava perfeitamente nessa categoria. Mentia alucinadamente e pedia dinheiro toda semana pelos motivos mais dramáticos – de parentes doentes a um raio que caiu na cabeça do marido. Um belo dia ela pediu para sair mais cedo para buscar uma prima no aeroporto, que estava vindo do Oriente Médio e havia sido estuprada pelo patrão. Pediu dinheiro pro taxi e nunca mais voltou. No dia seguinte, recebi uma mensagem do marido dela dizendo que ela estava grávida, teve um sangramento e não poderia mais trabalhar.
Passei semanas pensando: se as babás filipinas são as melhores do mundo, onde elas estão, para haver tantos relatos ruins por aí? Será que as melhores saíram do país? De acordo com a Embaixada do Brasil em Manila, há uma constância na emissão de vistos concedidos para babás filipinas trabalharem no Brasil. O mesmo deve acontecer em relação a outros países.
Eu já estava descrente em relação ao mito das yayas incríveis quando uma delas apareceu no meu destino. A Elvie trabalhava há anos com uma brasileira casada com um sueco. Ajudou a cuidar das filhas deles desde que nasceram. Quando foram embora das Filipinas, me perguntaram se eu queria ficar com ela. Nem pestanejei. Agora vejo porque elas são mundialmente reconhecidas como grandes babás. Elvie é extremamente carinhosa com meu filho e nos ajuda em tudo o que precisamos.
Eu e meu marido notamos que as crianças acompanhadas por babás filipinas na rua costumam fazer menos birra se comparadas a outros povos asiáticos com que temos contato. Pode ser uma impressão – e, como toda impressão, ter algo de superficial -, mas creditamos isso à maneira doce como as yayas lidam com as crianças. Elas não gritam, não batem e agem de maneira muito amorosa. As filipinas apostam nesta combinação, de modo que, para mim, não é só o domínio da língua inglesa que assegura a presença delas mundo afora como babás. É, sobretudo, a aposta no amor, carinho e doçura.
10 Comments
Dany, em Abu Dhabi e Dubai os filipinos de uma forma geral sao a força trabalhadora do país: estão entre garçons, manicures, faxineiras, babas, assistentes nas escolas…. Acho realmente um povo muito doce e amoroso. Parabéns pelo texto.
Oi, Renata! Que bom que você gostou do texto! Obrigada! Você tem toda razão. Estivemos no aeroporto de Dubai para uma escala e ficamos impressionados com a quantidade de filipinos trabalhando lá!!! Eles estavam por toda parte – da limpeza ao atendimento no free shop. Eu e meu marido nos perguntamos o motivo dessa onipresença…chegamos à conclusão de que envolve tanto a doçura e o bom trato com os clientes como a fluência no inglês. Isso os torna uma espécie de mão-de-obra perfeita. Infelizmente os salários ainda são baixos, mas infinitamente maiores do que os que a maioria deles conseguiria aqui.
Cheguei na França como au pair em 2013 e lembro que na escola de frances tinha 1 filipina que era baba de 2 crianças e ela me ajudou mto afinal ela ja cuidava de crianças francesas e as conhecia bem. Um beijo
Oi, Jéssica! Obrigada pelo comentário! Pois é, as babás filipinas estão “dominando o mundo”, rs! Muito interessante a sua experiência. Além de pegar as dicas com ele, ainda teve uma experiência mais multicultural ainda! 🙂 Um beijo grande!
Gostei do seu texto: preciso, objetivo e esclarecedor. Dismistifica o mito da criadagem filipina e mostra que todo conto tem duas ou mais versões.
Conheci a Elvei e sei o belo ser humano que ela é. Vocês combinam e vão ser muito felizes e o Filipe vai estar muito bem. Beijos saudosos.
Celme, querida, fico sempre tão feliz ao ver que você acompanha meus textos aqui no BPM! 🙂 A Elvie é mesmo incrível, não é? Também achei que combinamos. Como diz o João, somos ambas sorridentes e alegres e adoramos ver novela em tagalog juntas, rsrsrs. A companhia dela está sendo muito importante para mim no processo de adaptação. O contato com os locais é muito importante, ainda mais quando a gente consegue estabelecer uma relação afetuosa. Um beijo bem grande, cheio de saudade!
Bom dia! Estou precisando de ajuda! Estou me mudando para as Filipinas mês que vem, com uma bebê de 3 meses! Vc teria alguma agência que eu pudesse entrar em contato para contratar uma babá? Obrigada!
Ligeany, a Danyella parou de colaborar conosco e no momento estamos sem colaboradora nas Filipinas.
Edição BPM
Escravas tipo exportação.
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