Um choque cultural às avessas: da Suíça para os Estados Unidos
Quando saímos do nosso próprio país para morar em algum outro lugar do mundo, inevitavelmente, vivemos as experiências do choque cultural, que são fases divididas de acordo com um acúmulo de conflitos superados na vida de qualquer imigrante.
Num primeiro momento, começa a fase da “Euforia”, também conhecida como a “Lua de Mel” com o novo país. Trata-se de um período de felicidade eufórica, um momento de alegria exacerbada que a gente sente ao chegar ao novo lugar.
Tudo é lindo nesta fase, até que nos deparamos com o momento da “Crise”.
Durante a crise, encontramos inúmeras situações conflituosas e difíceis de se resolver. A vida passa, então, a ser bem diferente da fase anterior e, neste momento, é chegada a hora de conhecer o lado difícil de se estar longe do país de origem.
É somente depois de passar por tais conflitos que aprendemos a solucionar os problemas para tentar encontrar o equilíbrio na fase de “Recuperação”. O imigrante somente se adapta efetivamente ao novo país depois de passar por esta fase, quando finalmente entende que a vida agora funciona numa sintonia diferente daquela com a qual estava acostumado no seu país de origem.
Sabendo deste processo, meu marido e eu tomamos a decisão de migrar novamente, desta vez da Suíça para os Estados Unidos.
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Honestamente, eu esperava vivenciar todas as fases da adaptação cultural novamente, mas não contava com uma surpresa na minha experiência. Talvez o fato de ter vivido em tantos lugares diferentes tenha antecipado etapas no meu processo de adaptação. E, no meu caso, eu pulei a etapa da “Euforia”, que é um momento importante no novo país, direto para a “Crise”.
Aos poucos, cada experiência nova que eu vivia se tornava, para mim, um choque emocional devastador.
Um descuido na hora de pagar uma conta me fez perder uma nota de US$ 100 dólares. Foi o suficiente para odiar os Estados Unidos por algumas semanas. Ter que esperar o ônibus por 20 minutos e vê-lo passar direto por estar lotado foi uma catástrofe estrutural.
Foram tantas situações estressantes que, até pouco tempo atrás, eu só pensava em cavar um buraco na cama e ficar por lá até a poeira baixar. Minha atenção se voltou aos problemas da cidade, como o trânsito, o lixo, os moradores de rua, o caos. E eu detestei por algumas semanas tudo o que este país tem até de mais bonito, querendo a Suíça mais do que qualquer outro mundo.
O que não ensinam para a gente é que nosso cérebro tem a tendência de maximizar os problemas atuais e minimizar as experiências passadas. O tempo é como um filtro artístico nas nossas memórias. Ele embeleza a tristeza, transformando a dor em nostalgia. Passa a ser belo o que já foi sofrimento.
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A adaptação na Suíça não foi tarefa fácil e eu me lembro bem dos momentos difíceis do choque cultural vividos há alguns anos. Nas minhas primeiras semanas de Zurique, eu sentia que aquela era uma cidade feia, sem nenhuma imponência.
Claro, eu comparava Zurique com Gênova, a cidade de onde vinha anteriormente. Até hoje acho a comida suíça infinitamente inferior à italiana. Mas, quando penso na comida espanhola, me recordo dela com muito mais alegria do que o uníssono pasta-pizza-vino-e-basta que vivi na Itália tempos depois. E como eu detestava a falta de gentileza espanhola comparada com a simpatia dos meus conterrâneos brasileiros!
Para resumir, em momentos de choque, o passado é muito mais feliz que o presente.
Prender-se ao passado, no entanto, pode funcionar como uma muleta: ele te ajuda a caminhar, porém, é só com esforço que você supera o trauma e pode andar com as próprias pernas outra vez.
O passado é o resultado de todas as decisões já vividas que modulam a nossa estrutura, porém, é no presente que se conquista o sentido de viver.
E, com o choque cultural às avessas, decidi que devo deixar no passado meu mundo vermelho e branco. Em vez disso, chegou a hora de desfrutar da vida cultural borbulhante em todos os cantos da cidade nova e apreciar um mundo de oportunidades que se abrem em cada esquina que cruzo por aqui. Até que venha mais uma nova cidade. Ou não.
Bem-vinda à minha vida, Seattle.
2 Comments
Ola Juliana, sou sua colega aqui no BPM.
Me identifiquei com o seu texto, passou comigo o mesmo quando cheguei a Costa Rica, onde vivo hoje, fui direto para a fase da “crise” e tudo parecia desproporcional e por alguns dias cheguei a ficar sem sair de casa. Aos poucos a razão foi tomando conta e colocando cada coisa no seu lugar.
Sorte a nossa de poder vivenciar tantas experiencias que enriquecem a alma, o corpo e a mente.
Muita luz nessa sua nova caminhada.
Oi, Juliana.
Super entendo suas frustrações com o EUA. Cheguei em NY há 8 meses e só agora que eu tô odiando menos essa cidade tão viva.
Ecrevo aqui pro BPM também.
Boa sorte em Seattle (dizem que é incrível).
Bjs.