As mudanças internas de uma viajante.
Esses dias eu me encontrei em uma música. É incrível como músicas têm o poder de expressar tudo o que a gente sente. A trilha sonora atual da minha vida é “Sonhador” (autoria: Leandro e Leonardo). Vou explicar o motivo, mas você pode dar risada da minha “breguice” por enquanto (ou cantar a plenos pulmões, a escolha é sua).
“Eu não sei pra onde vou…
Pode até não dar em nada.
Minha vida segue o sol
No horizonte dessa estrada…
… E onde o vento me levar,
Vou abrir meu coração!”
Em 2016, eu cortei as minhas raízes. E esse processo foi uma reinvenção de mim mesma, da vida que eu tinha, da vida das pessoas ao meu redor. Poder reinventar-se é uma oportunidade incrível. Eu estava indo para onde ninguém me conhecia. Ninguém esperava nada de mim. Eu não tinha um título ou um rótulo. Eu podia ser quem eu quisesse ser. E essa liberdade é incrível! É importante deixar claro que eu não saí do Brasil fugindo de algum sentimento ou de alguma situação, eu saí em busca de mim mesma, porque depois de começar a viajar sozinha, eu descobri coisas sobre mim que eu não sabia e eu queria saber mais. Eu adorei aquela minha versão: livre, leve e solta!
Mas esse processo foi e ainda é intenso (sim, ainda é). Eu era consumista ao extremo (comprava um par de sapatos por semana), eu trabalhava demais e vivia de menos, eu tinha a minha família do meu lado o tempo todo, eu nunca tinha lavado roupa, eu não sabia cozinhar quase nada, e meus amigos estavam sempre ali para tomar aquela “breja” sagrada do final de semana. Carreira feita, família unida, amigos incríveis, mimada. E eu me sentia vazia. Vazia porque aquela não era eu de verdade, aquela não era a minha essência.
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Sair do Brasil sem destino final com uma mochila foi um trabalho terapêutico para mim. E eu nem fazia terapia naquela época. Eu vendi tudo o que consegui para juntar “grana”. Vendi o carro, vendi os sapatos, vendi as bolsas, só não vendi as calcinhas. Doei o que não vendi. Foi dolorido esse processo de desapegar, mas ao mesmo tempo eu vi como eu compensava o que eu sentia falta nas compras. Eu tinha no mínimo 10 pares de sapatos que eu nunca tinha nem usado. Tudo o que não era de cor básica, versátil, confortável e que precisasse passar foi embora. No final do desapego, sai do Brasil com uma mochila de oito quilos.
E os perrengues? Ah, os perrengues! Comer a comida ruim que você fez até aprender a cozinhar. Ligar para a mãe para perguntar como funciona a máquina de lavar roupas e como abrir uma melancia (sim, eu fiz isso). Ganhar roupas novas azuis porque coloquei roupa colorida misturada com a roupa branca… Mas aos poucos esse aprendizado vem e hoje eu ensino à minha mãe alguns truques, quem diria?! Eu percebi que sempre tive as minhas roupas preferidas e como era bom não ficar em dúvida e experimentar 50 vezes aquela blusinha que comprei e nunca usei só para guardar outra vez. Você “desencana” daquela pressão social de repetir roupas, na verdade, nessa mudança de vida você aprende a “desencanar” de muita coisa.
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Adaptar-me a viver com menos foi mais fácil do que eu imaginava, comecei a aplicar isso em todos os aspectos da minha vida e me surpreendi com como aquilo me tornou uma pessoa mais feliz e mais leve! Difícil mesmo foi desprender-me de quem eu era, descobrir-me e, ao voltar para o Brasil, lidar com os questionamentos das pessoas que não me reconheciam mais, perder-me e ter que começar tudo outra vez.
Sobre a música, desde 2016 minha vida virou um turbilhão de mudanças e nada saiu como o planejado. Eu acabei encontrando um destino depois de quatro meses viajando pela Europa e fiz da ilha de Malta meu lar por um ano. Devido às circunstâncias da vida, eu voltei ao Brasil para ficar com a minha família em um momento difícil, mas ali já não era mais o meu lugar. Passei um ano e alguns meses no Brasil, fui enviada a trabalho para o norte da Itália, e decidi voltar para Malta.
Na minha cabeça, eu via Malta como o meu porto seguro. Esta ilha foi o lugar que eu fui mais feliz em toda a minha vida, mas a verdade é que eu não me encaixo mais aqui também. Desde a minha saída de Malta, muita coisa mudou, tanto em mim quanto aqui, e aceitar isso me causou muita ansiedade. Então, eu decidi assumir a vida “cigana”, e estou deixando o vento me levar para o meu próximo destino.
Enquanto eu não decido para onde vou, sigo me descobrindo e me reinventando, pois a coisa mais importante que eu aprendi nesse processo todo é que todos nós estamos sempre em evolução nessa jornada maluca que é a vida. E tudo bem não saber como será sua vida em cinco anos, o importante é daqui cinco anos poder olhar para trás e ter orgulho do caminho percorrido até ali.