O relato abaixo é pessoal, ou seja, parte da minha experiência.
E tudo começou com muito medo da mudança e insegurança, afinal foram 24 anos. Vinte e quatro anos de experiências, vivência e adoração. Com uma bagagem assim tão longa dentro de você, não da para ir embora apenas batendo a porta e pronto. Não funciona assim, pelo menos não comigo. Tem muito a ser feito e não apenas mudança material. A parte emocional acaba dando mais trabalho do que o embalar, separar, doar e jogar fora.
Quando você mora em um lugar a maior parte da sua vida, é claro que as raízes vão se tornando cada dia mais fortes. No dia em que você decide que vai haver mudança e vai deixar a sua zona de conforto é como se um botão fosse apertado dentro do cérebro dizendo: pronto, agora ja era, olha para frente e torce para dar certo e ter sido a decisão correta.
Comparando quando saí do Brasil, eu apenas com 18 anos e a vida toda pela frente, não tive metade dos medos e perguntas.
O meu primeiro passo nessa mudança emocional foi começar a me ver no lugar novo fazendo a minha rotina como: visualizar a casa nova, o novo bairro, as lojas, rosto de pessoas desconhecidas na rua, levando filha na escola, faculdade do filho, ou seja, tudo que me fizesse sentir aquela sensação de estar “em casa” e normalidade do dia a dia.
Ao mesmo tempo que focava no “depois” olhava ao meu redor como parte de um sonho e tentava guardar tudo que tinha vivido até ali. Quanto mais perto estava a data da mudança mais as sensações se acentuavam. O medo do desconhecido e a pena da partida viraram um mix de sentimentos bem complexos. As perguntas não se calavam: será que eu vou mesmo? Mas ja faz tanto tempo aqui e já estou tão acostumada, será que tem mesmo necessidade? Será que ainda tenho idade para recomeçar? E com isso os dias foram passando.
A parte prática leva muito tempo e disposição, afinal há muito a ser feito e resolvido enquanto isso o emocional fica lá escondido numa espécie de rede, balançando de um lado para o outro, sempre com as mesmas perguntas. Isso vai pesando e pesando e começa a indecisão: quero que chegue logo o dia de ir embora ou não?
Meses se passam e finalmente o dia chega. Casa vazia e o caminhão carregado com sofás, camas e sonhos. Muitos. Os que foram vividos e os poderiam ter sido e também os que ainda serão sonhados e quem sabe, realizados.
Agora é dar aquela última olhada na casa dos últimos 10 anos, depois disso empacotar as lembranças de anos vendo os filhos crescerem, a família aumentar com a chegada dos cachorros amados, as celebrações e perdas de pessoas amadas e os projetos iniciados que serão levados na memória.
Vamos embora.
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Foram 18h de carro até o destino, do recomeço, do começo do final, ainda não sei como chamar.
Aquele medo lá de trás, de deixar o conforto, o conhecido e trocar pelo incerto e pelo incógnito aflora. E agora?
Agora, você chega e começa a descobrir o novo, um dia após o outro.
Com o passar do tempo o medo vai diminuindo e as incertezas enfraquecendo. Aquela visualização que mencionei lá em cima passa a ser a realidade e a rotina normaliza o dia a dia. Quer dizer, não foi tão simples assim porque chegamos a meio a pandemia, então a normalidade foi o ficar em casa.
Hoje em dia, 2 anos e 2 meses depois posso dizer que a decisão de ter vindo, de ter saído do aconchego, foi certa.
A cidade é muito bacana, grande sem o caos de Londres, pequena sem ser a miniatura sem opções onde morávamos antes da mudança, no sul da Inglaterra.
A comida é ótima e mesmo não comendo carne não me faltam opções. É a terra das salsichas, das linguiças, dos doces, dos bolos e dos chocolates. A sorte dos poloneses é a genética eslava. Já eu, com a minha genética portuguesa é outra história e já tenho os quilos a mais para contar rs.
O tempo é típico do centro/norte europeu: verões curtos e quentes e invernos longos e frios. Com vários dias de neve para dar aquele up na moral durante os dias escuros.
Educação excelente e faculdades gratuitas. Um dos motivos porque deixamos a Inglaterra foi esse, na verdade. Meu filho estava fazendo faculdade e não estava muito animado devido a falta de interesse de vários professores. O valor? Quase 10 mil libras por ano. Pondo na balança achamos que não valia a pena meu filho começar a vida profissional com um débito gigante nas costas por um ensino não tão bom assim. Talvez se ele estivesse estudando em Cambridge ou Oxford a situação fosse diferente, mas não foi o caso. Aqui ele estuda em uma das melhores faculdades do país com professores renomados e de graça. Ainda mais ele que vai seguir carreira acadêmica, faz toda a diferença.
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A língua é um capítulo a parte, rs. Precisa de coragem, energia, boa memória (que anda me falhando) e força na peruca. O idioma é difícil, conta com 7 declinações que nem os poloneses todos sabem usar corretamente. Quando me desespero, os professores mesmo dizem isso. Um dia de cada vez e a gente chega lá!
Depois desse tempo todo aqui, olho para trás e sinto que tomei a decisão certa e que a Inglaterra faz uma espécie de lavagem cerebral nas pessoas que moram lá a muito tempo como eu rsrs, minha opinião, lembra a primeira frase do texto!
Eu passei a usei a expressão dizendo que a Inglaterra é “overrated” (quando algo tem mais valor atribuído do que realmente representa).
Quem está de fora pensa que é uma das 7 maravilhas do mundo (deixou de ser a muito tempo), mas depois que conseguimos cortar o cordão umbilical, como foi o meu caso, passamos a respirar sozinhos e a ver que a realidade fora pode ser ainda melhor.
Por isso, se você está passando por algo parecido, com medo de mudança e com receio do desconhecido, achando que a sua “bolha” é a melhor de todas, arrisque.
Eu apostei no novo e me dei bem, pelo menos até agora. E se tiver que mudar novamente, agora já estou preparada.
É só avisar!
7 Comments
Matérias maravilhosas e informações muito importantes para tomadas de decisões de nossas vidas.
Parabéns por tanta dedicação em ajudar tantas pessoas!!!
Amei o texto. Descreve perfeitamente a sensação de incerteza que precede uma mudança. Fico muito feliz que esteja tudo se ajeitando na Polonia. É isso mesmo, temos que arriscar. O medo de mudar( em todos os aspectos) é uma das maiores travas para o nosso crescimento. Ótimo texto!!! Parabéns, Ann. 🙂
Parabéns pelo texto. Apesar das inseguranças, a vida é mais colorida quando fazemos dela um eterno recomeço, que pode acontecer de diversas formas . Eu tive experiências parecidas, não é fácil, mas faria tudo novamente.
Tem que ter muita coragem para começar a vida em um novo país. Recomeçar, muito mais. Parabéns e boa sorte sempre! Bjs
Ótimo texto, Ann.
É um incentivo para quem tem medo da mudança e está acomodado.
Sucesso na sua nova vida.
Adorei! A incerteza da mudança, o medo e a coragem de fazer algo novo é que move nossas vidas. Parabéns pela iniciativa!
Muito legal! O texto sempre chega para gente na hora que precisamos e, o seu, chegou na hora certa. Obrigada!