Conheci meu marido numa viagem. Durante cinco anos moramos em continentes diferentes. Eu no Brasil, ele na Inglaterra. Chegou o dia em que cansei de ter um namorado ‘Lombardi’, aquele que todo mundo sabe que existe, mas que ninguém vê. Arrumei as malas e vim para um test drive, com visto de estudante. Mais tarde, quando nos casamos no Brasil, mandamos toda a documentação para o consulado britânico no Rio e, para minha surpresa, meu visto de esposa saiu em poucos dias. Já se vão doze anos. Neste meio tempo, entrei com um pedido de visto de residência, mas ficava adiando a naturalização. Em parte por comodismo, em parte porque não é nada barato*. Sempre pensava em maneiras mais divertidas de gastar o dinheiro.
Resolvi pedir a cidadania três anos atrás porque, quando voltávamos de viagem, tive um contratempo na imigração. Meu comprovante de residência, um selo, estava no passaporte antigo, que tinha deixado em casa. Uma funcionária da imigração quis me segurar no aeroporto. Além disso, se eu passasse mais de dois anos fora do Reino Unido, perderia o direito de residência. Por isso, decidi que estava na hora de enfrentar o monstro da burocracia.
O ‘monstro’ era bem comportado. Mais para monstrinho. Tudo online, explicadinho e eles nem pediam muitos documentos. Só que mesmo antes de mandar a papelada, tive que passar por um exame sobre a vida e os costumes no Reino Unido. Estudei como não estudava há anos. Pessoalmente não conhecia ninguém que tivesse tomado bomba no teste. Se não passasse, ia ser vergonhoso demais. Peguei um livro com perguntas e respostas na biblioteca do bairro. De cara, notei que era uma questão de decoreba. Muita decoreba. O número de descendentes paquistaneses, a maior distância entre a costa leste e a oeste, qual formulário preencher para pagar os impostos de autônomo. Bem chatinho. Não é à toa que muita gente reclama do teste.
No dia da prova, vi meus colegas imigrantes esperando tensos. Um deles era aconselhado por uma inglesa, que dizia a todo o momento que, se ela tivesse que fazer o teste, provavelmente falharia. Pelo jeito como ele respondia, tinha lá minhas dúvidas de que ele estava realmente entendendo o que a mulher dizia. Sem falar inglês, fica tudo mais difícil.
O teste não foi problema. Mas, se você me perguntar hoje qual é a maior distância entre o leste e o oeste, vou confessar que não faço a mínima ideia. Memória seletiva total. Alguns dias depois, recebi uma carta dizendo que meu processo havia sido aprovado e que eu teria que participar de uma cerimônia para jurar fidelidade à rainha. A última providência para me tornar de fato uma súdita de Elizabeth II.
Saímos cedo num sábado de manhã e fomos até a casa onde eu receberia o meu diploma de cidadã britânica. E que casa! Nada a ver com o cartório caindo aos pedaços onde me casei em Belo Horizonte. Nada de fio desencapado descendo pelas paredes rachadas e ameaçando os noivos de levar o choque da vida deles, mesmo antes de dizerem o sim. Era tudo muito civilizado e bonito também; música clássica, um arranjo de flores frescas, foto da rainha e um chazinho para iniciar os trabalhos.
Logo na chegada, me perguntaram se eu queria fazer o juramento com ou sem a palavra Deus. Respondi que tanto fazia e fui colocada no time do Senhor. Ao meu lado esquerdo, uma mulher do antigo Ceilão e do outro, um homem de terno, muito elegante, de Uganda. Ouvimos um breve discurso sobre a importância da cidadania britânica e fizemos o juramento em dois grupos: o do Altíssimo e o outro. Cantamos God Save the Queen. Em seguida, fomos chamados, um a um, para receber o diploma, assinar um documento e posar para a foto oficial. Enquanto esperávamos para assinar o documento, a brasileira aqui puxou conversa com os vizinhos de cadeira. A mulher do Sri Lanka foi simpática e me contou bem-humorada que o marido estava no time dos ateus. Deu um tchauzinho para ele e eu sorri. Já o meu vizinho africano não estava para papo. Perguntei de onde ele era e ele respondeu. Sem olhar na minha cara, ele me retribuiu a pergunta. Quando ouviu Brasil, fez um silêncio breve antes de soltar a seguinte pérola da mais pura arrogância:
– “Brasil… tinha até me esquecido que existe esse país no mundo.”
Respondi sem titubear e no tom mais monótono, frio e distante que alguém é capaz de produzir:
– “O senhor deve ser mesmo um homem muito ocupado”.
Ai meu jesusinho, tinha resposta mais inglesa para eu dar? Aquela cerimônia estava me transformando numa espécie de Dr Jekyll and Mr Hyde de “O médico e o monstro”. A brasileira e a inglesa-de-meia-tigela falando ao mesmo tempo dentro de mim, me fazendo dizer coisas de um jeito que não falo normalmente.
Palhaçadas à parte, voltei para casa feliz por ter participado da cerimônia. Cada vez mais acho que os rituais são importantes para marcar as mudanças na vida da gente. Sei que nunca vou ser inglesa (nem pretendo ser), mas sou grata a este país que me acolheu com suas idiossincrasias, peculiaridades e tradições.
* O pedido de naturalização + o teste e o passaporte custam 1005 libras esterlinas, cerca de quatro mil e seiscentos reais (valores de março 2015). Mais informações aqui.
Documentos necessários no caso de cônjuges/ união civil de cidadãos britânicos:
- Documento com o visto de permanência (residência)
- Formulário de naturalização preenchido
- Certificado de aprovação no exame sobre a vida na Grã-Bretanha
- O mesmo documento (carteira de motorista por exemplo) que apresentou ao fazer o teste
- Diploma de inglês :ESOL
- Passaporte com informação sobre os últimos 5 anos, se o passaporte for recente, levar o anterior também,
- Contas com seu sobrenome
- Certidão de casamento ou registro de união civil
- Recibo de pagamento da taxa de naturalização.
Usei, e recomendo, o serviço do National Checking Service, que existe nas administrações regionais (council). O preço varia de acordo com a área entre 50 e 75 libras. Um funcionário irá checar todos os documentos, fazer as cópias necessárias e autenticá-las (você não precisará deixar os originais) e enviar para ser analisado. O serviço não garante que o processo será aprovado, mas diminui as chances de erros. Se o aplicante manda o formulário com algum erro, ou faltando documentos, o processo é devolvido. Para mandá-lo novamente, você terá que pagar a taxa mais uma vez. Alternativamente, os correios têm um servico para checar os formulários, custa bem menos, mas você tem que mandar os originais, incluindo seu passaporte.
Leia mais sobre a Inglaterra: Tudo o que você precisa saber para morar na Inglaterra!
6 Comments
De qualquer forma, minha queridíssima amiga Duda continua a mais mineira de todas as súditas de Sua Majestade Britânica. Pra variar, uma delícia o texto, mesmo tratando de burocratês puro…
Obrigada, Vicente.
Olá Maria Eduarda. Obrigada pelas informações. Será que você pode me ajudar em relação ao spouse visa? Como você deve saber, muita coisa mudou desde 2012. Casei com um britânico no ano passado, meu marido mora no Brasil faz quase 4 anos e seu salário não chega no valor de £18600 por ano. Portanto, se quisermos nos mudar pro UK (e isso é o que pretendemos fazer no início de 2016) ele teria que voltar ao UK antes de mim, encontrar um emprego que pague isto no mínimo, depois trabalhar por 6 meses até temos o direito de abrir o processo para spouse visa. Estamos muito frustrados com isso, não queremos ficar separados, ainda mais porque pretendemos começar uma família ano que vem. Além do mais, agora esse serviço de vistos aqui no Brasil é todo terceirizado (India e Colombia!), não encontro informações de custos para adquirir o spouse visa, nem um endereço físico para falar pessoalmente sobre mais informações. Já ouvi falar que temos que mostrar fotos, videos, e outras formas de provar que realmente nos amamos e nosso relacionamento é legítimo… mas daí também nem saberemos pra onde enviar isso tudo. Você teria mais informações atualizadas e detalhadas sobre a primeira parte do processo desde aqui no Brasil? A única outra solução seria eu encontrar um emprego, obter um work visa (que é muito difícil) e depois trocar meu status aí no UK. Muito obrigada desde já por qualquer info que puder compartilhar.
Oi, Adriana, tudo bem? Lamento que a sua situação esteja causando estresse. Eu não sou especialista em imigração e talvez seja o caso de você procurar um. Tem que tomar cuidado porque a gente escuta muito brasileiro reclamando que caiu na mão de advogado caro, que não resolve nada. Dei uma pesquisada e achei este endereço: http://www.reinounido.org.br, talvez seja o caso de mandar um email para eles com as suas dúvidas. Achei também dois números de telefone do consulado britânico no Brasil ( 21- 25559600 e 11- 30310273). Como você já sabe, a situação mudou muito desde que pedi meu visto de spouse. Também não conversei com ninguém do consulado, fiz tudo pelo correio. Se lembro bem, eu e meu marido preparamos um ‘kit visto’- mandamos fotos de nós dois juntos, fotos do casamento, o convite de casamento e até um cartão postal que ele havia mandado pra mim de um viagem qualquer. Talvez seja bom você pensar em fazer alguma coisa do gênero, deixar claro para eles que não se trata de um golpe para conseguir o visto e que vocês estão de fato casados. Gostaria de poder te ajudar mais, mas acho mesmo que o melhor é conversar com quem entende do assunto. Boa sorte.
Adriana, a Casa do Brasil em Londres é o local ideal para você procurar ajuda.
http://casadobrasil.org.uk/
Boa sorte!
Madu, Boa tarde!
Meu nome é Fabiola, sou engenheira, com dupla nacionalidade Portuguesa. Tenho 27 anos. Eu acabei de ser demitida no Brasil e tenho otimas experiencias acumuladas nestes ultimos 7 anos na area automotiva. Tenho um bom ingles (nao fluente, mas avancado) e tenho espanhol fluente.
Minha duvida: ir trabalhar na europa (aonde meu diploma de engenheira nao eh aceito, mas especializações como o PMP e o Prince2 sao muito bem aceitos) ou nos USA.
1) Nos USA sei que eh mais vasto de opções de trabalho e de aceitação de um estrangeiro (me desmintam se eu estiver errada, foi a experiencia que tive no meu intercambio) tão quanto o clima pode ser bem favoravel, mas eu teria que arranjar um visto de trabalho atraves de meu empregador e quem sabe ainda ficar ilegal um periodo.
2) Ja no UK, eu tenho medo de nao achar um emprego por ser Brasileira/Portuguesa, ou ainda nao conseguir achar um emprego nas regioes vizinhas e viver “mediocramente” porque os alugueis sao muito caros (nunca fui para europa mas ando pesquisando sem limites, acho que o fato de eu achar que os britanicos nao me darao emprego na minha formação eh puro medo ou eh verdade?).
Nao tenho problema algum em “lavar pratos” em um periodo de adaptação, ateh pelo “click” na lingua que eu preciso e de ganhar em pounds pq hoje em dia o real nao ta valendo nada (nao sei se escutaram que o dolar esta a 4,15 e o pound a 6,3), mas obviamente nao quero passar um ano fazendo isso….
Podem me ajudar com alguns fatos e detalhes?
Agradeço muuuuuuuuuuuuito desde ja!!!!