Quando eu era criança meus pais contavam com a colaboração de uma diarista, Clarice, que vinha à nossa casa uma vez por semana para ajudar na limpeza. Trabalhava o dia inteiro e passava horas dentro de ônibus e trens, muitas vezes com temperaturas superiores a 40º C no Rio de Janeiro.
Seus cinco filhos passavam o dia entre a escola e a casa, sem ela, que precisava trabalhar para sustentá-los. Clarice sustentava a todos em sua casa com seu trabalho. Normalmente essas histórias têm finais trágicos, tais como crianças que crescem sem pais presentes, caindo muitas vezes na criminalidade. Neste caso, não foi isso que aconteceu, já que, apesar de tudo, Clarice era muito boa mãe e criou muito bem dos filhos. Todos cursaram a universidade pública e estão muito bem de vida. Mas eu sempre tive um pequeno sentimento de culpa por ter tido Clarice, ao meu lado, não somente ajudando aos meus pais com a limpeza da casa, mas a mim, uma criança, com lições de vida e palavras inspiradoras, me influenciando com sua calma de Yoda, enquanto seus filhos só a viam tarde da noite e nos fins de semana.
Talvez vocês estejam se perguntando: por que estou contando essa história? O que tem a ver isso com os direitos de trabalhadoras domésticas em Nova Iorque? Na verdade, nada. Isso aconteceu no Brasil, anos atrás. Mas desde que sou advogada, fico pensando sobre ela, a família dela, e quais seriam seus direitos aqui. E se a Clarice se acidentasse no trabalho? E se ela nunca mais pudesse trabalhar? E se ela fosse uma imigrante indocumentada? Ela teria algum direito? O que seria da família dela?
Prezadas trabalhadoras domésticas, eis aqui os seus direitos no estado de Nova Iorque em caso de acidente no trabalho
1. Não importa o seu status imigratório, todas estão protegidas pela lei. A primeira e mais importante observação a ser feita, em casos de acidente de trabalho é que a lei de Nova Iorque não discrimina os trabalhadores indocumentados. A lei de compensação por acidentes de trabalho não leva em consideração nenhuma negligência ou transgressão [Testa v. Sorrento Restaurant, Inc., 10 A.D.2d 133, 135, 197 N.Y.S.2d 560, 562, (3d Dept. 1960)], o que significa que o fato da empregada ter ingressado ilegalmente nos Estados Unidos não a proíbe de reivindicar e ser defendida quanto aos seus direitos e benefícios, no caso de acidentes no trabalho.
Muitas vezes existem pequenos obstáculos na hora de calcular o valor dos benefícios. Dentro da lei norte-americana de compensação por acidentes de trabalho, quando um(a) empregado(a) se acidenta e fica temporariamente desabilitado(a) fisicamente, não podendo trabalhar de forma alguma, ele(a) tem direito a receber 2/3 do salário semanal bruto, ou seja, incluindo os impostos, até o valor máximo permitido pelo estatuto de acordo com a data do acidente. Porém muitos imigrantes indocumentados ganham seu salário em espécie e não declaram impostos. Isso significa que não há como provar o valor do salário, a não ser que o empregador tenha declarado o valor pago ao empregado, o que praticamente nunca acontece.
Nesses casos existem duas saídas, e normalmente cabe ao juiz decidir se vai dar benefícios em valores superiores ao valor mínimo permitido pelo estatuto ou se vai usar o salário médio da indústria ou categoria. O resultado muitas vezes acaba gerando valores de benefícios mais baixos do que o valor real. Por isso, mesmo quando indocumentadas, as pessoas devem pagar impostos. Basta obter um número de pagador de impostos (TIN – Taxpayer Identification Number). Este é um assunto a ser detalhado em outro artigo, pela importância que tem.
2. Existem diferenças de direitos entre o trabalho assalariado para o empregador e o trabalho. Para entrar com um pedido de uma ação de compensação por acidente de trabalho, o trabalhador (a) precisa estar empregado(a), ou seja, não pode ser uma trabalhadora autônoma ou contratada por conta própria. Qual e a diferença? Uma empregada trabalha sob a direção e controle exclusivo de um único empregador que lhe paga um salário e benefícios contratualmente definidos. Já os trabalhadores autônomos, como faxineiras, jardineiros e babás (como a vizinha adolescente que vem de vez em quando tomar conta da criança enquanto os pais vão ao cinema), não são empregados dentro da lei [N.Y. Work. Comp. Law §2(4)]. Existem, entretanto, casos onde o tipo de tarefa requisitada pode transformar o contratante independente ou trabalhador eventual em um empregado. Novamente, este é assunto a ser detalhado em outro artigo.
3. Se não houver lesão e a incapacidade for parcial ou total, temporária ou permanente, em empregado não eventual ou esporádico/autônomo, haverá um julgamento que favoreça um caso de compensação.
Isso é verdadeiro para qualquer acidente ou até mesmo em casos de erro médico no tratamento de alguma doença. Se não houver lesão, não existe o caso. Simples assim. Em acidentes de trabalho, dor e sofrimento não são levados em consideração. Negligência também não.
Bem, e a Clarice? Ela provavelmente seria considerada trabalhadora autônoma ou independente. Então, ela teria que ter seu próprio seguro de acidentes de trabalho (workers’ compensation) para ser coberta e receber benefícios de compensação em casos de acidente.
Bom saber!
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