Vim morar na Estônia pois conheci uma estoniana linda e loura e me apaixonei. De lá pra cá minha vida mudou completamente, eu digo COMPLETAMENTE pois a Estônia, além de ser longe e fria, não é muito simpática em relação aos homossexuais.
Aqui as mulheres são tratadas e se tratam não muito diferente do Brasil. Grande parte – isso é perceptível quando andamos na rua, vamos a um bar, na academia ou até mesmo no ambiente de trabalho – são mulheres extremamente preocupadas com sua aparência. Ou seja, tentam a todo o custo se manter magérrimas (desse lado do mundo o padrão de beleza é o super magro), estão sempre bem arrumadas, super maquiadas e sempre em cima do salto – reforço aqui que não estou fazendo juízo de valor, nem julgando nada como certo ou errado, apenas descrevendo a aparência das mulheres estonianas.
Dizem que isso é uma influência da cultura russa, mas na Estônia a diferença é que há uma maior busca por independência e inserção no mercado de trabalho por parte das mulheres do que na Rússia.
Em um país de maioria absoluta branca e com olhos azuis por todo lado não foi difícil eu me destacar no meio da multidão. Mas eu também não uso maquiagem, vou ao shopping com roupa de ginástica e meu cabelo sempre parece despenteado. Sim, os estonianos reparam nisso.
Me lembro de uma vez a minha noiva me chamar atenção pois eu usava tênis de malhar, rosa fluorescente, e um vestido preto desses que você compra na Zara por qualquer 10 euros e ela me disse: “você vai ao Stockman (mercado da cidade considerado chique e caro) assim?” E continuou: “todo mundo vai ficar olhando pra você!” Batata, ela estava certíssima. Mas não, isso não me incomodou; na verdade eu achei o fato disso ainda acontecer aqui pra cima na Europa meio estranho, pois sempre achei que quanto mais ao norte se fosse, menos estereótipos se teria.
Entretanto, como já mencionei, dizem que isso está ligado à cultura russa, afinal a Estônia teve sua independência restaurada somente em 20 de Agosto de 1991, após 50 anos de domínio russo e fazendo parte da União Soviética.
No fim das contas, o que quero dizer é que por aqui ainda há o culto da beleza em relação à mulher e elas se preocupam bastante em manter o padrão. E o sexismo também é bastante evidente: você dificilmente vai ver uma mulher comprando um tênis na seção masculina pelo simples fato dele pertencer à seção masculina. Ainda nesse viés, é bem comum você ir à uma loja e gostar de por exemplo uma bolsa masculina (isso aconteceu comigo) e quando vai pedir pra ver, a vendedora dizer: “ah, mas essa bolsa é masculina”. Você insistir em ver a bolsa, a vendedora insistir que é masculina, e no final você consegue o direito de analisar a bolsa mas a vendedora continua achando isso errado. Não foi só uma vez que quase fui mandada embora da seção masculina!
Em relação ao fato de ser gay por aqui, por vezes pode ser bem desafiador. Não há uma homofobia descarada, com pessoas te xingando ou fazendo piadas na rua – pelo menos ainda não passei por isso – mas até o ano passado os casais homoafetivos não tinham nenhum direito garantido por lei.
O casamento ainda não é reconhecido, nem a união estável, mas essa última está em processo de efetivação, que ocorrerá a partir do dia 1º de janeiro de 2016.
O estranho desse fato é que em um dos países conhecidos mundialmente como um dos menos religiosos, a população ainda tem uma certa resistência ao reconhecimento desse tipo de relação.
Em 2014, quando foi votada a a mudança na lei para se reconhecer a união estável – nem a união estável de casais heterossexuais era reconhecida – foi acertado que as uniões estáveis de casais homoafetivos deveriam ser incluídas, pois todo mundo é igual perante a lei. Mas peraí: se todo mundo é igual perante a lei, porque o casamento entre esses casais também não entra em processo de reconhecimento?
A resposta é simples: durante a União Soviética, o chamado Russian Times, a questão da homossexualidade era tratada como doença mental e muitas pessoas ainda têm essa ideia, principalmente pessoas mais velhas.
Outro ponto pertinente é a ainda enraizada influência russa na Estônia. Durante a votação da lei foi divulgado que o governo russo estaria financiando para que pessoas a favor da chamada família tradicional viessem de áreas mais remotas do país para protestar contra. Na Russia é crime demonstrar “afeto gay” em público e o governo Putin é considerado extremamente homofóbico.
Algo acho impressionante são as pessoas na universidade onde estudo, pessoas na faixa de 20 a 30 anos, ainda se chocarem quando digo que vivo com uma mulher, e quando da votação da lei da união estável, a maioria dos estonianos dizia que tinha certeza que a mesma não passaria e eu inclusive ouvi pessoas dizendo com orgulho: “A sociedade estoniana é bastante preconceituosa e tradicional”.
Não, eu não quero concordar com isso, talvez tenha tido o azar de perguntar às pessoas erradas.
21 Comments
Oi Heloísa, gostei muito do seu texto. Tenho amigas russas e ucranianas que moram na mesma cidade que eu e percebo essa cultura da aparência vigente nos países do bloco da ex-URSS que ambas carregam, mesmo estando fora de sua terra natal. Minha amiga ucraniana chegou a falar esses dias que sentia falta do assédio masculino nas ruas.
Você sentiu o ‘baque’ na mudança, depois de ter morado num país tão reformista e moderno em relação aos direitos LGBT como a Dinamarca, indo para um país conservador e machista como a Estônia? Como foi essa mudança pra você?
Obrigada por dividir a sua experiência conosco e seja bem-vinda ao time!
Olá Cristiane, e obrigada. Me chocou muito essa questão LGBT daqui, primeiramente quando eu soube que a relação não era reconhecida. Um país membro da UE cercado por países escandinavos e tão ultrapassado nessa questão. Nesse aspecto quando penso em relação à Dinamarca, eu diria que há muito mais respeito aos direitos humanos em si do que aqui, mas a mentalidade da população que dita isso. Só não me choquei mais porque to acostumada com o ritmo brasileiro de medievalidades por assim dizer.
Oi Heloísa! Adorei o texto, muito cru e direto ao ponto. Bem-vinda 🙂 espero ansiosa pelos seus textos, sou fascinada pelo leste europeu!
Beijo!
Obrigada, pouco a pouco introduzirei as delícias e dores de morar aqui no leste. Oops, os estonianos se consideram nordeste europeu ou ainda nórdicos, alguns acham ofensivo usarmos o termo leste europeu por aqui. Espero abordar essa questão em algum dos próximos textos.
Tere, Heloísa! Li o seu texto com bastante surpresa no que diz respeito ao preconceito e machismo dos estonianos com relação às uniões homoafetivas. Meu namorado é estoniano, e estive em Tallinn no ano passado, inclusive mais ou menos na mesma época da votação da Lei e todos que conheci e com quem falei se mostraram favoráveis à aprovação! Engraçado como as impressões podem ser diferentes..
Mas concordo com você em relação ao extremo culto à beleza e machismo de algumas estonianas.
Ahh, você poderia depois falar mais sobre o seu mestrado? Tenho pesquisado sobre ele há alguns meses e nada melhor do que um depoimento de alguém que está “dentro”.
No mais, boa sorte e beijos!
Tere Raíssa! Como eu disse no texto: Não, eu não quero concordar com isso, talvez tenha tido o azar de perguntar às pessoas erradas.
Pode ser que se você venha a morar aqui acabe se aprofundando mais na sociedade estoniana, e tenha o azar (que eu tive) de topar com pessoas mais mente fechadas.
Quanto à questão do mestrado, posso te dizer que no geral se você não pretendo ingressar num mestrado ais técnico em TI é relativamente fácil ser aceita. No próximo texto abordarei essa questão, mas de qualquer forma sinta-se bem vinda à me procurar no facebook, que te passo todas as dicas. Quanto mais cedo você se dedicar à juntar a documentação menos estresses e surpresas. Você pode começar sua pesquisa no site da minha Universidade, que eu super recomendo.
Até mais e um grande beijo.
Site Universidade Técnica de Tallinn: http://www.tu.ee
Vim por puro corujismo ler o texto de uma amiga mas não estou comentando por corujismo não – texto muito bom e ‘na veia’ de uma realidade tanto daqui da Estônia quanto do Brasil – onde as uniões homoafetivas são sim reconhecidas mas a sociedade ainda é pra lá de machista, conservadora e reacionária.
Então, é tipo: vamos liberar pois é o politicamente (e juridicamente) correto, mas critiquemos e reprovemos.
GOSTEI DO SEU TEXTO E DESTE POVO DO QUAL FAÇO PARTE. GOSTARIA DE RECEBER MAIS INFORMAÇÃO DESTE POVO E SEUS COSTUMES. MINHA AVÓ NASCEU EM TALLIN..FOTOS SERIAM MUITO BEM RECEBIDAS.
Jomar, lamentamos informar que a Heloísa deixou a colaboração do blog.
Edição BPM
Ela só fez esse texto, Cristiane?
Não. Você pode procurar os textos dela no blog.
Helo! Gostei mto do texto. Excelente!
Obrigada Vivi!
Heloisa que texto maravilhoso! Adorei!
Quanto ao culto da beleza… moro em Lyon, FR e ja estudei com russas e ucranianas e concordo: sao extremamentes devotas ao culto da beleza! sempre impecaveis e perfeitas. Lembro de um dia uma russa falar: nosso presidente falou isso(sobre um assunto na aula) e se ele falou, nos temos que concordar e pronto. Acho que de tds as nacionalidades que eu ja conheci nesses quase 3 anos de escola pra estudantes internacionais os russos e ucranianos sao os que mais se chocam durante a aula e as opinioes dos outros alunos…. mais que os chineses e coreanos (sempre educados e dificilmente opinando)
grande beijo e bem vinda =)
Olá Jéssica. Os russos (e maioria dos povos eslavos) são bem peculiares eu diria. Uma vez eu ouvi uma frase interessante: Os russos vivem em uma monarquia absolutista disfarçada de democracia e gostam. Eu posso passar horas aqui desfiando sobre a cultura e política deles, até porque eu adoro rsrsrs.
Eu sempre tive ótimas experiências com russos, que por incrível que pareça são bem parecidos com os brasileiros em relação à hospitalidade e senso de solidariedade, eu comentarei essas coisas em textos próximos já que é inevitável comparar a sociedade estoniana e a russa em certos aspectos. E pra terminar, ah as russas, são o sonho de ’consumo’ acho que da maioria dos homens mundo afora, e em sua grande maioria são orgulhosas do título e fazem de tudo para manter o padrão e achar um bom marido 🙂
Até já.
Interessante!
Obrigada Raphinha 😀
parabéns linda,lindo texto e muito esclarecedor.saudades de vc ,bjsss
Obrigda Valda. Saudades tbm 😀
Bom, não são só as mulheres que são lindas na Estônia não… os homens também são. Aliás, estive com um há algum tempo atrás – loiro, atlético e de olhos de um fascinante azul-mortiço, um pouco tímido em público, mas na intimidade do lar, nunca vi ninguém mais carinhoso e brincalhão. É óbvio que eu não entendia uma palavra de estoniano, tampouco ele entendia alguma de francês; mas o inglês fez a ponte entre nós. Infelizmente, acabou-se o que era doce, mas sem mágoas, afinal, ambos sabíamos que isto aconteceria – ele tinha um CDD aqui na França e, bom, o mesmo acabou. Sei lá, eu, como bissexual, não me considero livre de sofrer preconceito só porque também saio com mulheres. Que pena que a Estônia é assim, realmente eu me surpreendi, considerando que as vizinhas Suécia, Noruega e Finlândia são tão enormemente receptivas à homoafetividade. Nem o estoniano, como eu comentei em outra postagem sua, eu estou mais motivado a aprender agora…motivo-me a aprender idiomas de países onde haja a possibilidade de, um dia, eu morar neles, quer por pouco, quer por muito tempo. A Estônia, pelo visto, melhor será se ficar de fora…por ora, pelo menos. Aliás, se eu tivesse ido com ele para a Estônia, eu adoraria andar com ele de mãos dadas ou de braços na cintura, como fazíamos aqui na França… acho que eu me surpreenderia negativamente, né?