O que que eu vou fazer com essa tal liberdade… Um texto para mulheres livres!
Quem cantou a música do SPC (grupo Só Pra Contrariar) automaticamente na cabeça põe o dedo aqui (risos)!
Não é sobre términos, nem amor, nem música brasileira que vou falar, mas sobre essa liberdade louca e maravilhosa que muitas de nós, mulheres imigrantes, acabamos nos deparando quando chegamos em terras estrangeiras.
Lá vou eu, mais uma vez, contar minha história, pois sei que muitas vezes é parecida com a de muitas de vocês.
Quando cheguei aqui, na Alemanha, meu marido veio com o emprego certo e eu “apenas” com uma vontade louca de conhecer o mundo e me descobrir em coisas e caminhos novos.
Não tinha um plano, não vim com uma faculdade para fazer, nem com um curso embaixo do braço, nem nada. Eu vim na cara e na coragem me encontrar ou me perder nesse mundão.
Na teoria, essa ideia soa muito romântica e linda. Eu pensava: “Nossa! Agora vou ter tempo pra fazer minhas coisas, ler muito, estudar idiomas, descobrir um hobby novo e por aí vai.” Mas o que eu não sabia é que, na prática, essa ideia soa um pouco utópica, vocês entendem?
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Confesso que, no primeiro ano de Alemanha, eu consegui usar e abusar dessa liberdade. Foi quase um ano sabático, como dizem por aí. Eu estudei alemão, trabalhei como babá, mas também curti muito meu tempo livre com coisas minhas.
No segundo ano, as coisas começaram a ficar mais pesadas, eu já começava a sentir a liberdade de tempo (e o trabalho nem sempre tão constante), como uma perda de tempo e pensava muito: “o que eu estou fazendo com os meus dias?, será que estou sendo tão produtiva quanto eu poderia?”
Com isso, vem a culpa… Ah, a culpa, essa sem-vergonha e safada culpa que nós, mulheres, carregamos ao longo de toda nossa vida…
Eu pensava que mesmo eu estudando, trabalhando alguns dias na semana, cuidando da casa, de mim e da minha cachorra não era o suficiente pra me sentir completa e produtiva.
Entrou o terceiro ano de Alemanha, já mais calejada, mais sábia sobre os “paranauês” daqui, esse pensamento e essa sensação de liberdade cismavam em seguir me acompanhando. “Mas, Marcela, tu tá te contradizendo, tu não disse que liberdade era uma coisa maravilhosa que tu aprendeu aí?” Pois é, a vida é uma eterna contradição, não é mesmo?
Eu AMO a liberdade de ir e vir que tenho aqui, SIM, é uma das coisas que mais me sinto grata por ter adquirido nessa vida de imigrante. Mas a liberdade dos meus dias, das minhas horas vagas, essa eu sigo diariamente lutando contra a culpa de tê-la e a vontade de estar constantemente sendo produtiva em outras áreas.
E o que é ser produtiva, não é mesmo? Eu sei que muitas das crenças que tenho não são minhas especificamente, mas de uma vida inteira que aprendi. Trinta anos sendo ensinada e cobrada por todos, pela sociedade, família, amigos, pelo mundão, que nós, mulheres, temos que estar sempre sendo proativas, agilizadas, não podemos ter tempo livre para expressarmos nossas vontade e desejos mais internos.
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Não estou culpando o mundo nem me fazendo de “vítima das circunstâncias” (peço permissão para citar agora Lulu Santos, pois, sim, estou muito musical hoje e o negócio aqui é eclético!). Mas, sim, estou lembrando em alto e bom tom para mim mesma que, talvez, muitas coisas que eu sinto não são necessariamente coisas que eu quero sentir e, sim, coisas que estão entranhadas em mim por anos e anos de cultura social.
Você deve estar se perguntando: “tá, mas e aí? Agora vai dar a resposta, vai dizer como a gente lida com essa liberdade de sermos nós mesmas e não termos culpa?”
Desculpa, mulherada musa, mas ainda não tenho essa resposta. Não fiquem decepcionadas, eu sigo diariamente lutando internamente e externamente também para encontrar essa resposta. Talvez eu a encontre, talvez não. Talvez ao longo do processo eu veja que não faz sentido eu procurar respostas e aceite o que essa liberdade trouxe de mais rico para mim nesse tempo todo, um autoconhecimento GIGANTESCO. Pois se uma coisa que fiz nesse tempo todo foi me autoconhecer, olhar pra dentro de mim, me descobrir como mulher feminista (sempre fui, mas não sabia o quanto), politizada, que adora astrologia, espiritualismo, que AMA dançar, que ama se comunicar – seja escrevendo ou falando – e que está sempre em busca de melhorar como mulher e ser humano.
Não sei como vou estar no quarto ano de Alemanha, se essas divagações seguirão, se eu finalmente terei acalmado a cabeça e aceitado essa liberdade, apenas sendo grata por tê-la, vendo que sim, sou MUITO privilegiada e preciso emanar para o Universo o quão agradecida eu sou, fazendo e tentando mostrar para mais mulheres que nós podemos, SIM, usufruir desse tempo para nos empoderar e nos autoconhecer.
É que eu acredito que nós, mulheres, temos dentro de nós a mais poderosa energia feminina desse planeta. Apenas precisamos ouvi-la, não silenciá-la. E é em momentos de “ócio” que essa voz linda da nossa intuição consegue ser ouvida por nós.
Espero que todas vocês sigam em suas jornadas de autoconhecimento, cada uma da sua maneira, do seu jeito, deixando a culpa de ser livre bem longe, talvez mandá-la embora de vez. E que possamos, juntas, nos unir por um mundo com mais sororidade e menos julgamento feminino. Porque afinal, somos todas irmãs, e se cada uma pegar na mão da outra, juntas conseguiremos ir muito mais longe.
Então, tentando responder a pergunta do início “o que que eu vou fazer com essa tal liberdade?”, eu ouso dar uma sugestão, humilde e de coração: autoconhecimento.
Um beijo para todas as manas desse mundão, dessa eterna e inquieta mente que busca respostas. Sejamos nós mesmas! O mundo agradece.
1 Comment
Primeiramente, adorei as citações musicais. Rs. Depois, entendi muito seu ponto de vista, aliás, me sinto e vejo em muitos dos os textos que vcs publicam por aqui. Eu, com pouco mais de 3 anos de Itália me sinto perdida e sempre me questionando “o que é que eu vou fazer com esta tal liberdade”. Autoconhecimento fato! O resto, vamos descobrir! Um beijo e obrigada por compartilhar !