Crônicas de uma imigrante.
Hoje venho escrever meu último texto aqui no site Brasileiras Pelo Mundo. Para a minha despedida, resolvi trazer algumas reflexões que me causaram curiosidades de como é viver aqui na Argentina.
Duas semanas na praia são sagradas
Em outra oportunidade, eu falei como as férias de verão são sagradas para os argentinos e como eles TÊM QUE passá-las numa praia, se lembram? E preferentemente no Caribe ou no Brasil.
No entanto, com a nova crise atual (em decorrência de um manejo bastante desorganizado do momento atual) e a quarentena eterna pensar em férias no Brasil para ir às praias está fora de cogitação. A solução é ficar por aqui mesmo e criar um ambiente playero in loco.
Só que essa ideia acaba se tornando – na minha oponião – uma piada. Pois se tem algo que não dá para fazer por aqui é fingir que as praias argentinas são como as do norte do Brasil. Nas praias daqui a areia é dura, a água muito gelada e com um vento que esfria até os ossos.
Talvez por isso a comida mais típica seja o churros! Isso mesmo, aqui quando você se senta na areia da praia para ver o mar (e curtir um vento) você vê passar vendedores de churros, ou então de outros pães doces recheados de creme de confeiteiro ou dulce de leche.
Nada de peixe, nem de água de coco, muito menos milho cozido, biscoito de polvilho, caldinho de feijão , caranguejo etc. E em vez de cerveja gelada ou caipirinha, café com leite, e quente, claro.
As frutas são consumidas ainda verdes
Sim, é isso mesmo que você leu no título. Por aqui as frutas são consumidas ainda verdes e não sei porquê. Primeiro achei que fosse um costume de Buenos Aires, depois achei que era por causa do clima (que não ajuda muito a que amadureçam).
Mas não. Aqui em Corrientes isso também é comum. “Fruta madura não vende” me disse uma vez um feirante quando perguntei a ele por que até os limões vinham verdes (por aqui o limão mais comum é o siciliano, que fica bem amarelo quando está maduro).
Olha só a ironia, estou numa região de goiabas, mamões, jabuticabas, pitangas e maracujás e não consigo nenhuma delas em canto algum. Só na versão compota ou geleia. Ou então verdes, para que eu mesma faça as minhas compotas ou geleias.
Vai entender.
Medo de usar panela de pressão
Acho que a primeira coisa que toda brasileira (e brasileiro) faz quando sai do Brasil é levar consigo uma panela de pressão. Se não, como vamos cozinhar feijão, não é mesmo? Se bem que eu a uso para cozinhar de tudo, desde feijão, batata, mandioca, arroz integral até alcachofra.
Dito e feito, nem bem cheguei em terras argentinas tive que mandar trazer uma para mim, pois aqui não havia nem para comprar. E ficar sem uma panela de pressão não dava, nos supermercados não haviam feijões enlatados.
Resolvido o problema, comecei a pensar “ué, que curioso, eu consigo comprar feijão fresco, mas não encontro panela de pressão… como será que este povo aqui cozinha feijão?” Investigando, descobri que cozinhavam só com água e numa panela comum.
Oi?! E isso dá certo? Claro que não, né…
Foi a partir daí que comecei a entender a falta de costume local de consumir feijões. Sempre que perguntava a uma/um conhecida/o ouvia a mesma resposta “provoca muitos gases e tem uma textura muito dura”.
Eu respondia “Lógico que vai acontecer isso se você não souber como se cozinha essa leguminosa. Primeiro, temos que deixá-la de molho, que varia de 12h a 24h. Depois, temos que cozinhar com folhas de louro e numa panela de pressão…” Pronto, era só escutar panela de pressão que a pessoa se horrrorizava na hora. Fazia até umas caretas de medo.
Nem te conto como se cozinha arroz por aqui… também vai arroz (sem lavar) direto na panela com uma quantidade de água duas vezes mais que necessária e pronto. Deixa ferver até virar uma papa. Agora, adivinha qual o arroz que mais faz sucesso nas gôndolas dos supermercados? O parboilizado, claro!
Quem foi que te falou que viver era fácil?
Vida de imigrante não é fácil. Nunca foi nem nunca vai ser. De expatriado é pior ainda.
Aqui gostaria de fazer uma observação. Embora o mundo corporativo tenha inventado isso de “expatriado” no trabalho (gente que vai sendo transferida de um lugar a outro, mas sempre trabalhando na mesma empresa), no dicionário Aurélio ainda se mantém as definições:
Imigrar – Entrar num país estranho para viver nele.
Expatriar – 1. Expulsar da pátria; exilar, banir. 2. Ir para o exílio. 3. Ir residir em país estrangeiro.
Quais os motivos que nos levam a ir? Vários. Guerras, perseguições, trabalho, amor, descontentamento, tentar se encaixar… qual é o seu?
Independentemente de qual seja a sua resposta te aviso, não existe receita pronta para deixar seu caminho mais fácil. Por mais que você estude, pesquise, leia, se prepare, você ainda vai ter que enfrentar situações difíceis.
Por isso te recomendo, além de planejamento, paciência. Viajar de férias é uma história, viver é outra. E por mais que sejam clichê continuam atuais e verdadeiros. Ainda mais se você nunca saiu do Brasil, não tem uma profissão estabelecida e não fala outros idiomas além do português.
Mas o bom de tudo isso é: você vai crescer. E muito. Já dizia o provérbio: “Homens fortes criam tempos fáceis, e tempos fáceis geram homens fracos; mas homens fracos criam tempos difíceis, e tempos difíceis geram homens fortes”.
Troque os “homens” por “mulheres” e você verá o resumo da história de cada colunista que faz este site. Os detalhes, com certeza, serão diferentes, mas o aprendizado, te juro que o mesmo.
Te desejo sorte e espero que você encontre seu lugar por aí!
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