O sonho e a realidade de morar na França
“Eu quero ser a tia rica que mora no exterior e é muito comentada nas festas de família”
Abri o Instagram para ver as notícias e de imediato, li essa frase num meme e fiquei pensando na quantidade de enganos e de ilusões que ela propaga.
A maioria dos brasileiros acha que morar no exterior nos transforma automaticamente em ricos. O que não é verdade, lamento! Aliás, pode até mesmo acontecer de cair a qualidade de vida se compararmos com os tipos de serviços ao qual tínhamos acesso e pelos quais pagávamos bem menos. Por exemplo: manicure, diarista, pet shop, eletricista, pintor, motoboy, etc.
Antes de mudar para a França, eu tinha muitos luxos a baixo custo e nem me dava conta disso! Só sei que sinto muita falta.
Aqui a gente pensa duas vezes em ir ao salão, contratar uma diarista e reza para não perder as chaves ou ter algum problema em casa (vazamento, elétrico…). Os valores são altos se compararmos aos valores praticados no Brasil.
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Outro dia perdi a chave da caixa de correios. Contei para meu noivo como algo corriqueiro e ele já soltou um: “putain, vou ver se o seguro cobre” e eu: “oi?”. Para que eu aprenda a lição, o bonito me encarregou de resolver, fazer três orçamentos, achei tudo exagerado. Porém, entendi a reação do meu noivo após ter o mesmo orçamento de três chaveiros diferentes e sentir meu olho esquerdo tremer de ódio de mim mesma!
Tive que agendar com o rapaz para o dia seguinte, caso contrário haveria um adicional de urgência (et oui, vive la France hein!) e no fim tive que desembolsar 95 euros. Chorei por dentro ao pagar o tal chaveiro.
Meu primeiro impulso ao subir para o apartamento dentro do elevador foi lembrar de quantas vezes eu precisei de chaveiros no Brasil que ao desligar o telefone, vinham na mesma hora, sorridentes, faziam cópias extras, verificavam espontaneamente todas as portas e, no fim, eu desembolsava 50 reais e um cafezinho coado na hora!
E depois pensei em tantas outras situações parecidas e óbvio que a noite foi longa e meu noivo escutou tudo sem reclamar. Tentou entender minha indignação e explicar os motivos de tais práticas. Foi ótimo: misturamos minha nostalgia e nossa curiosidade mútua pelos respectivos países e aprendemos bastante. (Mas já tivemos também noites tensas nessa área das diferenças culturais, fica para um outro post!).
Mas qual seria a razão? Não há comissão e o pagamento é relacionado à expertise do profissional aliada ao tempo em que a pessoa investe para realizar um trabalho, independentemente da profissão exercida.
É mais justo socialmente e impacta o comportamento geral das pessoas. A gente fica mais atento, desenvolve habilidades manuais e artísticas para poder, sempre que possível, dispensar tais serviços. O “faça você mesmo” é vivido intensamente. Há toda uma estrutura de lojas, departamentos, vídeos e até programas de tv que encorajam as pessoas a resolver seus pequenos problemas cotidianos. Portanto, uma pessoa rica não se importaria com tais detalhes né non?
E quanto a ser bastante comentada nas festas de família é um outro doce engano. Acho que no início, sim, no primeiro ano em especial. Há muitas novidades compartilhadas em redes sociais, muitos likes e a gente ainda tem a sensação de estar lá. Muitos perguntam aos nossos pais e irmãos como estamos, o que estamos fazendo, etc. Mas diante de qualquer crise logo soltam que fizemos certo de deixar o Brasil, pois o país não presta, só tem roubalheira, muita violência.
Em seguida, a gente percebe que para viver bem nesse novo lugar é preciso romper com algumas pontes que nos conectam com o antigo. Não porque é o que queremos, mas porque é o que precisamos. Afinal de contas, foi uma escolha nossa, não deles. A vida de quem fica continua igualita. A nossa precisa ser reinventada. Sem amigos e sem família, a gente tem que se recriar para sobreviver. A vontade de viver uma experiência no exterior amadurece para uma vontade de se estabelecer no exterior que são propósitos bem diferentes e, no meio disso tudo, tem fuso, distância, medo, saudade, oportunidade e o tempo que passa. Ser e estar provam que não podem se fundir como o “être”.
Bem suavemente a gente esquece e é esquecido. Já não perguntam mais sobre nós aos nossos pais e irmãos, as demais pessoas avaliam que está tudo bem apenas com base no fato de não ter notícias catastróficas. Se não morreu, está bem! E, além disso, quem mora fora, especialmente em Paris, não tem direito moral para reclamar de alguma coisa. Se tá ruim, volta para o Brasil, é o que dizem!
A gente perde o direito de reclamar, de protestar, de reivindicar e assume um dever quase imposto de salvar a imagem do país a qualquer preço sob ameaça de ser chamado de metido, de colonizado, de ter a síndrome de vira-lata. Cria-se um abismo entre a realidade e a expectativa de todos os lados.
Por fim, a máxima que diz que as pessoas só entendem o que querem entender poderia ser ilustrada através dos inúmeros exemplos das contradições, das dores e das delícias de ser expatriado. Não é nenhum conto de fadas e nem um filme de terror. É coragem, superação, crescimento, aprendizado em vários domínios e, sobretudo, gerenciamento da saudade!
Saudade até do que nem sabia que existia ou conhecia do país de origem e aceitar que, se voltar, vai viver isso também com relação ao país de acolhida! É um eterno balançar entre dois mundos!
2 Comments
Luciana, seu texto é uma delícia! Muito obrigada por expressar tudo o que sinto e penso com relação a morar nos EUA. Há muito tempo penso em escrever algo para os que pensam que a minha vida aqui é um “paraíso”. A realidade, saudade e pressões são as mesmas, só mudam de endereço. Se você permitir, vou compartilhar o seu texto em meu Blog: Dicas de Uma Aprendiz, no FB. Um abraço e “força na peruca” pra nós duas! 😀
Pois é!!! É bom mas é ruim né? Hahaha Fique à vontade! Bises