Envelhecer longe de casa.
Viver mudando de país em país pode parecer muito divertido e glamouroso, mas não é bem assim…
Pode ser realmente interessante e engrandecedor, mas é tambem muito assustador e por vezes, muito solitário.
É uma luta constante, tentando ser parte de alguma coisa. Uma luta diária para se adaptar, se integrar, se encaixar, se sentir em casa e depois, uma nova luta, talvez mais difícil ainda, para se desligar de tudo isso e recomeçar em outro lugar, se reinventar, se reerguer, se reconectar… a vida de expatriada é um renascer contínuo, por diversos cantos do mundo.
E, quando você é jovem, isso tudo parece mais fácil. Você tem a energia necessária para desmontar tudo e, ao chegar ao novo país, consegue fazer todas as engrenagens voltarem a funcionar rapidamente. Além disso, com os filhos pequenos tudo gira em torno da pequena família e você carrega todo mundo pela mão, para qualquer lugar, sem questionamentos.
Mas nesse ciclo constante de fechar a casa e o coração para reabrir em outro lugar, a gente envelhece.
Nesse caminho, nossos filhos vão se espalhando pelos países por onde passamos e você corre o risco de acabar longe deles, em um país que tambem não é o seu.
Além disso, antes mesmo de você poder aceitar que está envelhecendo, seus pais te provam que isso é, de fato, inevitável (e que a sua vez se aproxima). Passar por isto estando longe deles é uma dor enorme e exige um desprendimento inumano.
Acho que, neste ponto, a pandemia pôde dar uma ideia do que é viver longe. Foi isso o que aconteceu com todas as famílias neste último ano: ficar isolado de quem a gente ama. Saber que alguém precisa de alguma coisa e não poder ajudar. Saber que alguém está doente e não poder ir cuidar. Saber que alguém morreu e não poder ir se despedir, nem abraçar quem ficou.
E é isso que eu vivo todos os dias desde que saí do Brasil. Essa é a nossa vida e, apesar de ter sido uma escolha, a verdade é que não nos acostumamos com isso nunca. Pelo contrário, conforme os anos passam, o fato de estarmos longe fica mais latente, dolorido e assustador. E você acaba tentando não pensar no tempo. É mais fácil não fazer cálculos. É mais fácil achar que ainda é cedo, que falta muito, que depois a gente decide isso.
Mas daí, um dia você acorda e a ficha cai.
O tempo passou e apesar de você ter conquistado o mundo, você não tem nada, não encontra o seu lugar.
Não há como evitar. Mas é preciso estar preparado!
Para meu marido, a solução são infindáveis planilhas de Excel, onde ele faz um monte de cálculos, tentando saber quando e onde poderemos estacionar em algum lugar e dizer, pronto! É aqui que chegamos!
Para mim estas planilhas não tem nenhum sentido. Não quero calcular quantos anos faltam para as meninas se formarem, quantos invernos sem sol, quantos Natais viajando para o Brasil antes de parar. Não quero calcular quando e nem onde parar. Não quero parar. Quero saber para onde vou. Quero continuar indo. Sempre.
Acho que esta é maior consequência de ter experimentado essa vida: a vontade de continuar mudando, conhecendo, lutando, crescendo. Mas a verdade é que essa vida cigana cansa. Não combina com a velhice. Não combina com tranquilidade, casa lotada ou netos por perto.
Os resultados desta vida são os filhos morando cada um em um país, genros e netos falando idiomas diferentes, distâncias enormes, sistemas de saúde assustadores e um monte de coisas para as quais você simplesmente não se preparou.
Ironicamente, minha única frase para todos que me pedem ajuda para mudar de país é: prepare-se. Mas agora, depois de ter me preparado tantas vezes, vou ter que acrescentar uma dica nova: Além de se preparar para mudar de pais, é muito importante se preparar para envelhecer longe de casa. Para isso temos que aprofundar a análise de nossas prioridades e de nossos conceitos pessoais de tranquilidade e segurança.
Leia também: Aposentadoria na Holanda
É importante equilibrar as expectativas sobre a hora certa para parar, a vontade de voltar pra casa ou de escolher outro país para estacionar. E, acima de tudo é imprescindível se organizar profissional, financeira e psicologicamente para que isso aconteça.
Países diferentes obviamente implicam em sistemas e culturas que também lidam, cuidam e respeitam a velhice de formas diferentes.
Já lemos e escrevemos muito sobre TCK (Third Culture Kids – crianças da terceira cultura) e TCA (Third Culture Adults – adultos da terceira cultura) mas e os velhos de terceira cultura?
Somos um grupo especial, com amigos espalhados pelo mundo, filhos que falam vários idiomas, histórias de vida divididas por todos os continentes e milhas infindáveis em nossos programas de fidelidade, mas também ficaremos doentes, teremos medos, solidões e incidentes.
Quando chegamos a um país novo somos capazes de criticar o sistema de saúde ou de transporte (mesmo vindo de situações piores) com a tranquilidade de quem tem o país anterior como referência… e o próximo como garantia. Mas e quando não há o próximo?
Como fazer quando a sua vida toda foi esse moto-contínuo e agora você não sabe onde parar para descansar?
Talvez você esteja esperando minha resposta, mas a verdade é que eu também não sei! Isso depende da sua história pessoal, do seu planejamento e das suas possibilidades. A única coisa que eu sei é que cada ano que passa, eu presto mais atenção aos velhos do país onde moro. É esse o tratamento que quero receber? É esse o sistema de saúde no qual vou ter que confiar? É esse o caminho que quero fazer todos os dias? Essa é a cultura ideal para mim? Esse é o estilo de vida que quero adotar até o fim?
Se você está começando essa jornada pelo mundo agora pode achar que isto não te diz respeito, mas uma coisa eu te garanto: o tempo voa e isso vai chegar pra você alguma hora. Defina bem seus “porquês”, seus “quandos” e seus “até quandos” de uma forma que, na hora de estacionar, o seu “onde” chegue com serenidade e certeza.
O lema comum dos expatriados é “Home is where your heart is” (lar é onde seu coração está). Isso justifica nosso desprendimento e facilita nossas escolhas, mas se você divide seu coração e espalha ele pelo mundo, definir o ponto final é uma decisão assustadora.
Eu ainda quero acreditar que tenho muito tempo e muito país pra ver e chamar de meu, antes de estacionar, mas confesso que, de vez em quando chego até a abrir o computador para criar uma planilha no Excel. Nunca funciona, acabo sempre abrindo o Word e tentando escrever algo que me acalme o coração. Não é o caso deste texto, que só me deixou mais angustiada. Mas espero que sirva de aviso para quem está nesta vida e ainda não pensou nisso…
E você? Já pensou em que ponto desta jornada maluca você vai pedir pra descer?
Quer saber mais sobre o BPM? Siga-nos também no Instagram e no Facebook
3 Comments
lindo texto! saudades. bjs
Obrigada minha querida! Saudades tambem!
Roberta, me senti muito tocada pelo seu texto. Queria te convidar para participar de um episódio de podcast. Como posso entrar em contato com você? Meu e-mail é vanessa@mundointerno.com. Obrigada! Um abraço.